O Herói das Chamas - Capítulo 17
Dois meses se passaram desde o último diálogo que tive com o Alex. Todas as nossas outras interações foram sermões ou monólogos sobre como a minha execução com a espada estava horrível.
Ontem perguntei para ele se já estava perto de alcançar a maestria com a arma — modéstia à parte, estou bem melhor que antes —, e ele só começou seu longo discurso sobre como demora décadas e décadas para aprender que sempre tem algo que não se sabe. Um porre.
Mas essa não foi uma pergunta péssima apenas pelo discurso, mas sim porque, desde aquele dia, sinto como se ele tivesse deixado tudo mais difícil. Acredito que ele resolveu mostrar minha mediocridade.
Mas nem precisava, meus desmaios constantes devido ao cansaço já faziam esse papel perfeitamente.
— Que patético, hein? — disse ele, ao me ver caído no chão, prestes a vomitar.
Claro, né? Que tipo de monstro aguentaria lutar por duas horas sem parar? Ah, o Alex, claro. Quanto mais convivo com ele, mais percebo o quanto somos distantes em nível de força e poder.
— Levante-se. Ainda não acabou. — Ele manteve sua postura séria e firme.
— Eu… não consigo… Acho que vou… morrer… — Apoiei minhas mãos no chão e tentei me erguer, mas nem para falar tinha forças, imagina para levantar.
Alex agachou para ficar mais perto de mim e me encarou por alguns segundos. Normalmente ele não faria isso, só iria embora depois de ver que eu não tinha chances de voltar. Porém algo estava diferente.
— Respire o mais fundo que conseguir.
Esse cara está ficando louco? Se eu fizer isso vai ser como se tivesse rasgando os pulmões por dentro! Nem ferrando que faço. Prefiro respirar de pouquinho a pouquinho.
Como se tivesse lido meus pensamentos, ele completou: — Não questione, só faça.
Questionando e muito, fiz o que ele mandou, puxei todo o ar que consegui para os meus pulmões.
— Argh! Que merda! — gritei de dor. Foi exatamente como achei que seria: doloroso pra cacete, me deu vontade de morrer.
Depois de fazer essa maluquice, comecei a tossir sem parar.
— Doeu, não é? — ele perguntou na cara dura. Filha da mãe!
— Claro… — Tentei levantar novamente, mas desta vez consegui aos prantos e barrancos.
— Ótimo. Isso quer dizer que ainda está vivo, e, se está vivo, consegue lutar — completou ao ficar de pé e dar as costas, voltando para o casebre.
Pode parecer uma frase poética, mas só é bem imbecil, ao meu ver. A dor é um sinal de que tem algo errado, não de que está tudo certo.
Juntei a minha espada de madeira do chão e entrei na casa utilizando a espada como bengala. Sem ela, nem chegaria perto.
Ao entrar, me sentei na primeira cadeira que vi e fiquei em uma posição meio-deitado para que pudesse descansar um pouco. Sendo assim, estiquei as pernas e amoleci todo o corpo.
Enquanto fazia meu exercício de descanso, escutei alguns passos naquele chão de madeira. Não eram do Alex, porque estava no segundo andar, e esses passos vinham da entrada, então só podiam ser de uma pessoa.
— Boa tarde, senhor — o homem disse para mim assim que entrou, era Allark, o cocheiro do Alex. Éramos meio distantes, mas com o tempo viramos amigos. Só não gosto muito que ele me chame de senhor só por causa do meu título.
— Onde está o Sr. Alexandre?
Ele parecia apressado, então foi direto ao assunto.
Antes mesmo que eu pudesse responder, Alex apareceu descendo as escadas e indo de encontro ao Allark. No momento em que isso aconteceu, logo começaram a conversar.
Eles falaram sobre várias coisas, mas nada que particularmente me interessasse. Isso até ouvir a seguinte frase:
— Querem que você vá a uma missão junto de alguns aventureiros da guilda, senhor.
Aquela frase me fez arrepiar. “Missão” e “Guilda” na mesma frase era coisa de maluco. Como eu ainda não estava sabendo disso antes? Entrar numa guilda é meu sonho de criança depois de tantos jogos, então não poderia ignorar tão facilmente.
Me ajeitei minimamente na cadeira. — Guilda? O que você quer dizer com isso?
— Ah, você não sabe? — Allark respondeu minha pergunta com outra pergunta, mas logo me deu a resposta que queria. — É uma das três forças do mundo, junto do Governo Mundial e todas as Facções espalhadas por aí. E em todas as forças têm seus representantes mais fortes.
— Hum… Mas quão fortes eles são?
— O suficiente para rivalizar com os Heróis, eu diria. Quer dizer, nunca houve uma batalha documentada entre eles, então é só um palpite meu.
Fiquei bem surpreso ao ouvir isso. Desde que cheguei a esse mundo, sempre pensei que os Heróis fossem seres inigualáveis, quase como deuses. Saber que existiam pessoas que poderiam rivalizar com eles era bem… emocionante.
— Então ninguém sabe de uma batalha entre essas pessoas? — perguntei igual a uma criança falando do seu desenho animado favorito.
— Acho que n…
— Claro que alguém sabe — antes que Allark pudesse responder, Alex interveio —, afinal um deles estava diante dos meus olhos. E eu venci facilmente — disse, vestindo sua túnica branca com detalhes cinzas, parecida com a que tinha me dado naquele dia desastroso.
Entendo… Então o Alex só estava de canto, fingindo não se importar, mas na verdade queria só se gabar de mais de um de seus feitos, né? Esse cara é um exibido.
Allark colocou a mão na sua cintura. — Ah, é? O Sr. não contou essa história nem para mim.
— Você nunca perguntou, mas na época eu não era um Herói, então acho que nem vale mais. — Ele colocou a mão em seu queixo, como se estivesse pensativo, e logo completou: — Aliás, acho que foi por causa desta batalha que Engur me chamou para o cargo.
— Quem diabos é Engur? — Nessa conversa tiveram revelações o suficiente para eu acompanhar. Com certeza a melhor fofoca da minha vida.
E, claro, eu tenho que aproveitar aquela conversa para que Alex se esqueça que ainda não terminei o treinamento de hoje.
— Não sabe? Pensei que vocês tivessem conversado antes. Engur é o homem que administra tudo que há, aquele que evita guerras, o detentor dos Heróis e das guildas, o homem que para constantemente o avanço dos monstros.
Me mantive quieto, mas não foi só isso que mantive, afinal ainda mantenho minha pergunta: “Quem diabos é esse?”
— É aquele homem de cabelo branco e aparência jovem que conversou com você logo quando chegou aqui. — Ao ver que eu não tinha entendido, Allark respondeu pelo Alex.
— Ah, entendi! — Com uma descrição dessas, não tinha como errar. — Mas também não tinha como saber. Ele se apresentou como um deus!
Um silêncio foi instaurado no cômodo, todos pareciam bem incomodados. Será que eu falei alguma coisa ruim?
— Então é assim que ele se autodenomina? Tsk! — Estalou sua língua, pareceu que estava desaprovando a atitude daquele cara. Ok que se chamar de deus é meio absurdo, mas continua sendo seu superior, né?
Allark soltou um longo suspiro. — Está pronto para sair?
Alex assentiu e logo se pôs a sair do local, Allark fez a mesma coisa. Em pouquíssimo tempo levantei da cadeira e tentei ir até eles também para que pudesse o acompanhar nessa missão.
Para ter ideia, nesses últimos dois meses, Alex nunca foi chamado. É esperado que os Heróis tenham uma rotina pesada e façam rondas por diversas áreas, então, quando era meu dia de descanso, ele não deixava eu ir com ele nessas rondas.
Por isso ainda não tive a chance de ser testado em combate. Mesmo que isso me dê um pouco de medo ainda, confesso que estou ansioso e um pouco confiante para que isso aconteça.
— Me espera! — falei enquanto me apoiava na lateral da porta para não cair. — Eu quero ir junto!
Allark já estava na posição do condutor, mas Alex ainda não tinha entrado na carruagem que sempre usava. Ainda tinha tempo para convencê-los.
Alexandre parou o movimento e virou para mim com sua cara séria. Senti um arrepio percorrer todo meu corpo assim que trocamos olhares.
— O motivo pelo qual nunca deixei você ir comigo para as rondas era que seu corpo não suportaria mais esforço do que já faz no treinamento. — Sua feição não mudou. Desde aquela fala ele se manteve firme e sério. Que medo.
— Isso não é verd… — Minha mão escorregou do apoio e cairia se não tivesse com as costas encostadas na parede.
— Veja, mal consegue ficar de pé. Aliás, como posso saber que não seria um peso morto? Da última vez mais atrapalhou do que ajudou.
De fato, não tenho como discordar. Toda aquela situação demonstrou o quanto tenho o coração mole para essas coisas, mas pelo menos dessa vez quero mostrar meu valor, só isso.
— Não posso garantir que não vou ser um peso morto nem que não vou sentir empatia pelo monstro, mas vou dar o meu melhor!
Ele me encarou por alguns segundos até abrir um sorriso e cair na gargalhada. Lógico que comecei a rir também, já que devia acompanhar o clima descontraído que havia se formado.
— Certo, então… Vista-se e entre. — Ele secou uma lágrima que havia saído do olho, provavelmente de tanto rir. — Mas se você fizer besteira, eu te abandono no meio do caminho e finjo que nunca conversamos antes, entendeu? — Alex falou ainda com um sorriso, e isso era ainda mais assustador que suas falas mal-humoradas e normais.
— T-tá… — disse após tentar me afastar com alguns passos para trás.
Entrei na cabana e fui até onde ele guardava as roupas e acabei achando meu uniforme novamente. Pelo que tinha ouvido, ele estava todo queimado e destruído, mas agora não está mais!
São bem discretas, mas consigo ver marcas de costura e remendos pelo traje. Um trabalho desses merece ser elogiado.
Depois de me vestir, entrei na carruagem e seguimos o caminho.
***
— E então? Para onde nós vamos? — perguntou Alex a Allark, que conduzia a carruagem. Ele tinha várias funções além de cocheiro, e tenho quase certeza que ele que arrumou meu traje.
Algo me diz que os dois, Alex e Allark, têm uma relação tipo Bruce e Alfred, sabe? Os dois são bem assustadores quando sérios, mas juntos parecem ser bons amigos.
— Primeiro vamos à sede da guilda para buscarmos o resto do grupo, depois, de lá, vocês irão verificar a vila que denunciou os ataques.
— Então você não vai seguir com a gente? — perguntei, meio desapontado.
— Não. O pessoal da guilda têm o próprio veículo que é usado para missões em grupo. E não é como se eu fosse ajudar muito.
Não pude muito contestar a informação que ele passou, mas acho que, pensando no clima que eu estava, seria mais confortável que ele nos acompanhasse.
Não demorou tanto para que chegássemos a tal sede, que ficava em uma das principais cidades daqui, Ojist. De lá descemos rapidamente e me deparei com uma estrutura enorme feita de pedras.
Uma porta dupla estava na minha frente, pronta para ser aberta, mas não tive coragem. Vai que estivessem todos me olhando? Não poderia arriscar isso, então deixei Alex passar na minha frente.
Ele sem medo abriu a porta de uma vez e adentrou no lugar. Eu fiz o mesmo, mas diferente dele eu estava boquiaberto — não literalmente —, afinal era bem diferente do que imaginava.
Quando via nos animes, era quase que um bar, cheio de brutamontes gritando e enchendo a cara. Claro, tinha um aqui e outro ali, mas nada tão sério. Eles conversavam, mas era em um tom aceitável.
Entramos sem mais problemas e Alex me guiou até o balcão e nós sentamos em uns banquinhos que ali estavam. Ficamos sentados em silêncio por um tempo.
Pude perceber que Alex estava meio desconfortável, quase certeza que era por causa da situação em si. Tantas pessoas, ter que trabalhar em grupo, ter que estar do meu lado… Tudo isso deve estar deixando ele puto.
Sabendo disso, tentei puxar um assunto. — E então? Você sabe quem são os integrantes do nosso grupo?
— Me descreveram como bem excêntricos. Um cara alto e musculoso e uma menina baixinha e de cabelo verde.
Realmente, são bem excêntricos. Imagina ter o Guts e a Tatsumaki no seu grupo? Que honra, não é? Agora só esperar eles chegarem.
— Com licença. — Alguém chegou perto de nós.
Ao observar, pude notar. Aquele era nosso grupo.
As descrições batiam perfeitamente. Guts e Tatsumaki estavam conosco.
— E então, senhor Herói? Vamos caçar uns monstros?!