O Espadachim Negro - Capítulo 15
Um tumulto havia ocorrido na sede da guilda de aventureiros. O responsável era nada mais nada menos que um jovem de apenas 16 anos.
O garoto de cabelos grisalhos caminhava de volta até o balcão, onde estavam Marie, a recepcionista da guilda e Sayaka.
— Telas, você não deveria ter feito isso…. Podemos ter problemas.
— Eu deveria deixar aqueles porcos falarem com você daquele jeito? Nem em um milhão de anos.
A jovem ficou corada ao ouvir aquilo, ela pressionava seus dedos indicadores um contra o outro enquanto se perdia em seus próprios pensamentos.
“ Ele fez isso por mim? Será que ele também… Não, não deve ser isso… “
— Ora ora, parece que ocorreu outra confusão por aqui. Vocês pirralhos de hoje em dia são muito barulhentos — disse uma voz masculina vinda da escadaria do andar superior.
Os jovens se voltaram para as escadas, um homem grande e robusto de cabelos grisalhos descia pela mesma.
Ele vestia uma roupa formal e ostentava orgulhosamente um bigode branco em sua face despreocupada, em sua boca um grande charuto emanava fumaça à sua frente.
— Me-mestre da guilda! — gaguejou a recepcionista.
Por detrás daquele terno formal você poderia até dizer que se tratava de um obeso, mas olhando de perto se notava os enormes músculos, suas veias marcavam fortemente sua pele a qual era decorada com inúmeras cicatrizes.
O homem descia com calma, sem fazer qualquer barulho apesar de todo seu tamanho. Seu semblante relaxado dava um contraste com sua aparência bruta.
— Me diga Marie — o velho fez uma pequena pausa, dando uma tragada e após soprar a fumaça continuou. — Que droga de barulheira foi aquela?
O corpo da mulher tremeu de cima a baixo em um instante quando seus olhos tiveram contato com os dele. Gotículas de suor gelado escorriam por sua testa, ela abriu a boca e tentava explicar.
— Se-senhor, fo-foi o grupo do Marcus de novo. Eles começaram uma briga com esses jovens, o rapaz apenas defendeu sua amiga e…. — Antes que pudesse completar, ela foi parada pelo idoso.
Ele retirou o charuto da boca e segurou entre seus dedos enquanto fazia sinal de silêncio com o indicador de sua outra mão.
— Obrigado minha cara, agora entendo o que ocorreu. Essas crianças… — respondeu ele, dando mais um trago em seguida.
Seus olhos agora se fixavam em Telas, ele analisava cuidadosamente cada detalhe. Sua expressão, a postura de seu corpo e até mesmo a forma como respirava.
— Vejo que você amadureceu jovem. Qual era seu nome mesmo? Deixe eu ver….. Ah! Telas! É isso, não é mesmo?
A expressão no rosto do rapaz se mantinha neutra enquanto ele e o mestre da guilda se encaravam. Em contrapartida seus instintos gritavam, enquanto pensamentos inundavam sua mente.
“ Esse velho, ele não está emanando mana. Mas o que é essa pressão? O ambiente parece abafado, essa sensação de perigo. O que é isso? “ Uma gota de suor escorreu de sua testa, enquanto pensava atônito, sem desviar o olhar por um segundo do homem.
— Sim, isso mesmo — respondeu Telas.
O idoso novamente retirou seu charuto da boca, e deu um sorriso enquanto encarava o jovem, um sorriso forte, mas sincero.
Todos os aventureiros que estavam presentes no local empalideceram quando viram aquele sorriso, era algo que estavam familiarizados, porém que temiam com todas suas forças.
— Como você amadureceu, se o garotinho que conheci a algumas semanas fosse um cinco, o homem que estou vendo com certeza seria um nove.
Ele enfim deu uma última tragada, em seguida esmagou o charuto em sua mão e o arremessou em uma lixeira próxima.
— De qualquer forma me siga, quem quiser ver pode vir também.
Telas seguiu o robusto para fora do prédio com certa apreensão, porém não queria causar mais problemas. Sayaka veio logo após, seguido de dezenas de aventureiros e até mesmo a jovem recepcionista.
A guarnição do exército do reino e a guilda ficavam do lado de fora da capital em meio a floresta em direções opostas, entre elas havia uma pequena praça com uma fonte cercada por um enorme campo de treinamento.
Bonecos de treino, alvos, desafios de escalada, e ringues de areia eram alguns dos recursos que o lugar oferecia.
Alguns soldados que estavam treinando também pararam para ver o que estava acontecendo.
— Olha é o Lorde Arcadius! — disse um deles.
— Parece que alguém começou uma briga de novo. Isso vai ser interessante — respondeu outro.
O idoso parou em frente à um ringue de areia, em seguida deu um salto. Pousando no centro do mesmo.
— Agora eu irei aplicar a sua punição garoto, diga-me você sabe por que está prestes a ser punido?
— Acho que foi por que dei uma surra naqueles caras — respondeu Telas, saltando para o ringue em seguida.
O mestre da guilda de uma enorme gargalhada, então respondeu:
— Está enganado, você não está sendo punido por que brigou, e sim por que brigou na minha guilda. Sabe, nós aventureiros não temos as mesmas regalias e trabalhos tranquilos dos soldados reais. Para pessoas como nós tudo que importa é sua força.
Arcadius deu uma pausa em sua fala, ergueu seus braços para cima e contraiu seus músculos. Um som de rasgo ocorreu, as mangas e a parte das costas de seu terno estouraram devido à força da contração.
Em seguida ele retirou seus sapatos, ficando apenas com suas calças.
O volume e densidade daquela montanha de músculos estava ainda maior, suas veias marcavam tanto sua pele que pareciam que iam estourar.
O velho começou a alongar seu corpo, primeiro deu alguns pulinhos, em seguida alongou seus braços, depois as pernas e por fim seu pescoço.
— Como eu estava dizendo, para pessoas como nós que arriscamos nossas vidas levando a luta até o inimigo tudo que importa é se você é forte ou não. Se eu o punisse por defender sua honra ou de outra pessoa, ou por ter ferido outro aventureiro, seria como o punir por ser forte. Eu seria uma desgraça como mestre de guilda se fizesse isso. Porém você fez uma baguncinha na minha guilda e como o mais forte daqui eu não posso tolerar isso entende?
Telas sorriu, finalmente entendendo as motivações do homem e começou a tirar seus sapatos também. Em seguida tirou seu sobretudo negro e sua camisa azul.
— Agora eu entendo vovô, acho que eu também ficaria puto se algumas trombadinhas brigassem no meu quintal — comentou após fazer alguns alongamentos básicos.
Então ambos se postaram em posição de combate, Arcadius assumiu uma postura ofensiva, com os braços abertos, enquanto Telas ergueu seu braço esquerdo enquanto o direito estava para trás pronto para atacar.
— Esse moleque tem culhões, ele vai mesmo encarar o mestre — comentou um aventureiro.
— Ele é um monstro, porém em termos de força física ninguém no reino supera o lorde. Isso vai ser divertido de se ver.
O idoso então esticou os braços para cima, os mantendo levemente curvados, suas mãos apontavam para o oponente como se o chamasse.
— Vamos lá garoto, pode usar tudo o que tiver, magia, espadas, truques. Não precisa se acanhar — disse o velho, com uma voz calma, porém afiada.
O jovem franziu o cenho e saltou contra o homem, desferindo um soco direto na direção do rosto do mesmo.
Porém seu golpe foi aparado pela enorme palma de seu oponente. Em seguida a mesma segurou seu punho.
O velho começou a apertar sua mão que cobria quase que por completo a mão do jovem.
Telas girou o corpo e desferiu um chute no pescoço do homem, isso fez seu pulso que estava preso estalar, porém foi o suficiente para o inimigo solta-lo.
Ele encarava sua mão deslocada, a dor era incomoda, porém suportável graças à sua regeneração rápida. Em seguida olhou para o robusto.
Ele alongava o pescoço, enquanto comentava casualmente:
— Eu terminei meu aquecimento, você pode atacar de verdade agora garoto.
“ O que?! Eu o chutei com toda minha força, porém ele sequer recuou um passo. Esse monstro é insano, como esperado de um grande mestre. Agora entendo por que ele disse para mim usar magia e armas. “ pensou Telas, o espanto em seu rosto logo deu lugar a um sorriso e ele avançou novamente.
Seus olhos agora estavam roxos e sua íris felina fixava-se no velho.
Ele começou a circula-lo em alta velocidade, então desferiu um soco em seu enorme abdômen. A potência do impacto causou um estouro de ar.
Outro estrondo dessa vez nas costas, depois outro, e outro. O jovem atacava cada parte daquela muralha de músculos com uma chuva de golpes.
A cada segundo o barulho do impacto ficava maior, chegando ao ponto de as pessoas taparem seus ouvidos.
— Isso é absurdo! Esses socos parecem explosões.
— E o mestre, ele sequer está se mexendo.
— Espera ele está sorrindo?
O velho agora tinha um sorriso largo em seu rosto, no momento em que ia receber um chute em sua cintura ele agarrou o tornozelo do rapaz e em seguida o ergueu alto e o arremessou contra o chão como um trapo.
O baque de suas costas contra o chão fez um estrondo seguido de vários estalar de ossos, saliva voou da boca do rapaz.
Antes que tivesse tempo de se recuperar ele foi arremessado de novo, seu corpo era batido contra o chão como se fosse um martelo humano, de novo e de novo.
Cinco vezes, esse foi o número de vezes que Telas teve seu corpo esmagado contra o solo.
Arcadius segurava o rapaz de cabeça para baixo pelo tornozelo, a diferença de altura fazia o jovem ficar pendurado.
— Você é impressionante garoto, já fazia muito tempo que eu não me alongava assim — disse o velho, soltando o rapaz que caiu de cara na areia.
O velho deu suas costas para o jovem caído e caminhou em direção da multidão, mais especificamente rumo à Sayaka e Marie.
— Por favor cuidem dele, quando ele acordar vão até a minha sala e…. — Sua frase foi interrompida por um soco, que o mesmo segurou com facilidade antes de se virar surpreso.
— Eu te subestimei… peço perdão por isso. Agora podemos lutar de verdade — disse Telas, ele estava de pé. A energia roxa do vazio cobria partes de seu corpo, formando marcas negras como tatuagens, que aceleravam sua regeneração.
Logo ele estava de pé intacto.
— Que poder interessante, eu não li isso na sua ficha.
— Me disseram para manter segredo, perfil baixo. Mas depois de lutar contra um certo saco de ossos eu to de saco cheio disso.
Ninguém na multidão entendia nada, todos conversavam entre si sobre que tipo de magia seria aquela. Marie estava pasma e Sayaka boquiaberta.
“ Telas o que está pensando, se a igreja ficar sabendo eles podem ir atrás de você! “pensou a garota, engolindo seco.
— Eu nunca vi essa habilidade antes, acho que dessa vez eu terei mais do que aquecimento hahaha — disse Arcadius, dando uma gargalhada.
— Tem algo que eu gostaria de te pedir Lorde Arcadius — disse Telas, dando um sorriso, seu tom de voz e modo de falar estavam mais soltos e relaxado.
— Pode me chamar de Cade rapaz, e o que seria esse favor? — perguntou o velho, uma interrogação pairava sobre sua cabeça.
— Eu gostaria de ver o seu poder mágico, se não for muita insolência daminha parte é claro — respondeu com um tom debochado.
Um silencio se seguiu após essas palavras serem proferidas, o qual foi seguido por gritos e berros de algumas pessoas da multidão. Enquanto estavam pálidas e perplexas sem acreditar no que ouviram.
— Esse garoto é louco!
— Acho que bateu a cabeça forte demais.
— Que audácia!
— Acho que estou alucinando — disse um homem após beliscar a própria bochecha.
Cade encarou o rapaz por um bom tempo e em seguida sua resposta foi uma grande gargalhada.
— Hahahahahahaha você tem fibra rapaz! Acho que me enganei, você sem dúvidas é um dez. Me lembra até meu netinho querido Hahahahahahaha.
Ele se pôs em posição, deixando suas pernas semiabertas enquanto curvava levemente o tronco para frente enquanto fazia força contraindo os braços.
— As coisas que eu mais respeito são força e coragem. Você demonstrou ter os dois de sobra, então considere isso um presente. AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH!!!!!!!
Uma onde chamas surgiu envolta do corpo do velho junto de seus gritos, forçando Telas a recuar para trás assim como a multidão.
Conforme gritava o tamanho, calor e potência daquelas chamas aumentavam. Era como uma fornalha gigante, não, era como um vulcão em erupção.
O velho se pôs de pé, sua pele estava avermelhada, seus olhos eram como duas tochas e vapor era liberado pelos poros da pele.
O vapor quente que exalava causava um mormaço que dava impressão que o espaço envolta dele se distorcia.
Telas olhou para aquilo espantado, mas ao mesmo tempo estava maravilhado.
— Venha garoto, ataque.
O jovem liberou seu poder, o manto de escuridão se formou sobre seu corpo a partir da energia roxa que era liberada. Com toda sua força ele avançou.
Tudo aconteceu em um segundo, ou teria sido um milésimo? Uma enorme explosão ocorreu, levantando poeira e cegando a multidão.
Quando a mesma abaixou, o velho estava de pé, havia um pequeno cortem em seu tríceps direito.
Mas do outro lado, a dez metros dali, estava Telas ensanguentado no chão. Havia uma ferida profunda em seu tórax como se tivesse sido perfurado por uma lança. Sua pele estava com queimaduras e seu manto estava parcialmente desfeito.
— O que foi isso? — perguntou um aventureiro.
— Que poder assombroso isso não é humano!
O jovem se levantou com dificuldade, ele usava sua espada como apoio para se levantar enquanto a energia negra curava seus ferimentos.
Ele deu um passo à frente, porém caiu de joelhos vomitando sangue.
— Você continua consciente após receber o golpe da minha lança dracónica em cheio. E até mesmo conseguiu ferir a minha pele. Eu poderia contar nos dedos de uma mão os aventureiros que conseguem repetir esse feito.
“ Esse cara… eu acertei em cheio com tudo. Eu juro que acertei, mas foi como bater uma espada em uma pedra e em seguida… aquele golpe… “ pensou Telas, tentando organizar suas ideias enquanto se levantava.
O idoso deu um longo suspiro, o vapor em seu corpo sumiu, e sua pele voltou ao normal.
— Bem, terminamos por hoje garoto.
O velho se virou ruma a guilda e partiu, dando as costas para todos. Mas antes chamou a recepcionista, que estava na multidão vendo a luta.
— Marie, pode promovê-los para o Rank B. Esses jovens são dignos.
Sayaka no entanto correu até Telas, preocupada com seu ferimento.
— Você está bem? O que foi aquilo?
— Mais ou menos… e na verdade eu não sei aquilo, foi tudo muito rápido, eu o ataquei com a Masamune, eu podia jurar que tinha o atingido, mas quando percebi eu que havia sido derrotado.
O garoto enfim havia se recuperado, desfazendo seu manto de escuridão. Ele caminhou até onde havia caído seu casaco e o vestiu.
“ Ainda preciso treinar muito. Existem monstros incríveis por aí. ” Pensou o rapaz, enquanto encarava a marca em seu abdômen.
— Ei vocês! — disse Marie, chamando a atenção deles. — Parece que vocês foram mesmo promovidos… bem, acho que depois disso tudo ninguém mais vai questionar sua promoção. Vamos voltar para dentro.
Voltando até a guilda, Marie atualizou seus brasões de aventureiros, antes de prata com a letra C gravada no centro agora eram de ouro com a letra B neles.
— Bem, isso conclui sua promoção. Agora vocês podem aceitar qualquer missão. E por falar nisso, Telas alguém enviou uma missão especial para você.
— Missão especial?
A moça ajeitou os óculos com o dedo e em seguida explicou:
— É quando alguém pede uma missão para um aventureiro em especifico. Se não me engano ela é na cidade de Chateau. Você pode fazer ela junto com a do chamado ao heroísmo de lá para ganhar mais experiência.
— Entendo… e quem pediu ela?
— A sobre isso, foi o Lorde Merlin.
Ambos os jovens levaram um susto ao ouvirem o nome do guardião de repente.
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Nota:
O apelido dele “Cade” se lê algo como “Keide” ou “Queidi”
O próximo capítulo será algo mais leve, focado no desenvolvimento dos personagens. Será mais curto também. E depois finalmente entraremos no segundo grande arco.