O Dualismo de Yuki - Prólogo
O desespero é uma das reações, ações e estado mais normais do ser humano. Geralmente causada pela incapacidade de realizar algo, essa sensação também costuma vir junto com um excesso de aflição e inquietação.
Sim, aflição. Aquele sentimento de ânsia por algo que você normalmente não consegue alcançar. E era nesse estado em que eu estava.
Eu estava em pé, parado dentro de um espaço escuro e vazio, onde nem a mais forte luz tinha coragem de adentrar. Não tinha nada dentro dele, nem mesmo uma fração ínfima de vida habitava aquele lugar.
Algum som ou barulho? Nada, nem um mísero ruído ressoava lá dentro.
Com essas descrições, a primeira coisa a se pensar é que estou morto, certo? Sim, isso. Também foi o que eu pensei quando apareci lá, mas como eu conseguia manter minha consciência ativa, eu definitivamente não estava morto.
A última coisa que eu me lembrava era de chegar em casa cansado e ir direto para a cama. Se esse foi o caso, então esse lugar seria algo como um sonho. Mas diferente de um sonho ou um pesadelo, eu tinha a completa sensação de estar acordado.
Seria esse um dos chamados “sonhos lúcidos”? Eu não sabia.
Após organizar rapidamente as minhas últimas lembranças da noite passada, tentei me mover e, para a minha surpresa, a única parte do meu corpo que eu conseguia mexer era a minha cabeça.
An?
Eu sentia como se meu corpo estivesse preso em milhares de algemas para que eu não pudesse ser capaz de escapar. O fato que eu estava em um lugar completamente vazio foi rapidamente ignorado pela minha mente quando percebi a aflição e a agonia de não poder me mover livremente.
Tentei forçar o meu corpo a realizar qualquer movimento, por menor que fosse, mas o resultado era sempre o mesmo.
— Fuuhh… — dei um leve suspiro de desapontamento ao perceber que nada que eu fizesse poderia reverter a minha situação.
Sem ter nenhum método eficiente para me tirar daquela condição, fechei meus olhos e inclinei minha cabeça em desistência. Mas quando os abri, percebi algo.
O-o que?!
O motivo da minha surpresa era simples: o que supostamente era para ser meu corpo, era na verdade um tipo de “forma astral”.
Era como se tudo da minha cabeça para baixo fosse translúcido
Quando reparei isso, comecei a entrar em desespero. Além de não poder me mexer, eu supostamente tinha me tornado em algo como um “espírito”?! Ah, perfeito…
— Hah… — Soltei uma leve risada irônica.
E sim, como a única parte que eu conseguia mover era a minha cabeça, eu conseguia falar e reproduzir sons normalmente.
Bom, a única coisa que trazia um pequeno sentimento de alívio era o fato de que eu pensava que tudo aquilo era um sonho. Mas mesmo se fosse, era tudo muito real. Era tão realista que eu não conseguia ficar sem expressar minhas emoções.
Depois de ficar um tempo analisando a situação, percebi que eu havia esquecido de algo bem importante:
— Calma, quanto tempo se passou desde que cheguei aqui? — murmurei calmamente para mim mesmo.
— Quanto tempo, huh… — repeti o que eu havia dito e, depois de uma breve pausa, continuei — Espera aí, tempo?!
Sim, eu tinha esquecido completamente do fluxo de tempo do lugar.
Como eu teria coisas para fazer na manhã seguinte, eu não poderia acordar tarde. Caso eu demorasse, com certeza estaria com sérios problemas.
Após notar isso, como aquilo era como um sonho lúcido, tentei me forçar a acordar; mas, como tudo que eu tentava fazer ali dentro dava errado, isso também falhou.
Tentei várias e várias vezes, mas eu nunca conseguia. Com várias preocupações em minha mente, acabei ficando levemente nervoso e estalei minha língua Tch…
Mas, quando eu estava pensando em tentar de novo, algo inusitado aconteceu: pela primeira vez desde que eu tinha chegado ali, o ambiente começou a mudar.
De repente comecei a sentir uma leve alteração na temperatura do lugar. O local que antes tinha uma temperatura levemente fria, agora estava começando a esquentar.
…Calor?
Comecei a ser coberto por uma brisa quente e reconfortante. Todos os meus pensamentos foram deixados de lado quando eu comecei a sentir aquilo. Aos poucos a minha mente foi ficando cada vez mais leve.
O lugar que antes tinha um clima totalmente sombrio, agora estava se transformando no completo oposto.
…O que… é… isso…
Parecia que meu corpo estava flutuando em algum tipo de vapor suave. Me senti como se estivesse no céu.
Percebendo a abrupta mudança no lugar, tentei novamente me mover. Para o meu alívio, parecia que, desta vez, eu tinha conseguido me mexer. Não era nada tão grandioso como andar ou correr, mas eu consegui levemente inclinar o meu corpo. Fora isso, percebi que o aspecto translúcido que estava em mim tinha desaparecido por completo.
Nesse momento, um sentimento de alívio brotou dentro de mim; mas antes que eu pudesse relaxar um pouco, algo atraiu a minha atenção: O calor voltou a subir.
Não era nada comparado a uma fornalha ou algo do tipo, era mais como uma lareira em um inverno rigoroso. Mais quente do que antes, mas não o suficiente para me queimar ou até mesmo me fazer suar.
No meio daquilo, eu sinto meu corpo ficar mais leve. Eu rapidamente tento me mover e percebo: finalmente eu conseguia me mexer livremente
— Hah… que alívio.
Com a mudança no ambiente, a translucidez sumindo e o meu corpo finalmente livre, quase tudo estava perfeito; tirando o fato de que eu ainda não conseguia sair dali…
Coloquei a mão no queixo e refleti.
Tenho que arrumar uma maneira de sair daqui logo
— Ah, claro! É só eu… — Antes que eu pudesse terminar de formular a minha frase, fiquei surpreso com algo — Eh?
A cor do ambiente estava começando a mudar. O lugar que antes era completamente escuro, agora estava começando a ficar levemente vermelho. Mas foi aí que eu me enganei, não era o ambiente todo que estava mudando de cor, mas sim uma certa região, e essa região era exatamente na minha frente.
Como que eu sabia que era só ali que estava mudando? Simples. Eu virei meu corpo para ver se a mudança de cor se aplicava para todo o local, e não, não se aplicava.
Quando eu me virei de volta para a fonte da mudança, me surpreendi novamente. Não muito tempo depois da cor do lugar começar a mudar, de repente uma — coisa — estava se formando. O chamei de “coisa” pois, naquela hora, ainda não tinha um formato definido.
Aquilo não tinha formato, cor e não reproduzia som. Todo o som que eu tinha escutado até então era a minha própria voz.
— Tá bom… O que é isso agora? — franzi a testa.
Eu estava esperando algo acontecer… E de fato aconteceu.
A “coisa” estava ganhando forma. Não só isso, mas como também estava começando a emitir leves sons. Os ruídos eram consideravelmente baixos, mas ainda dava para os ouvir completamente pois o lugar era silencioso.
O som era levemente familiar… Não, eu realmente conhecia aquele som.
Era o som de algo queimando.
Eu realmente não estou conseguindo acompanhar esses eventos. Afinal, o que diabos isso deveria significar? Meu rosto transparecia um semblante de dúvida.
E logo após eu pensar em tais palavras, a “coisa” se transformou em uma chama.
Aparentemente aquilo deveria ser uma chama desde o início. Cor avermelhada, calor, sons de faíscas…
Juntando tudo, só um idiota não conseguiria perceber que tudo se encaixava perfeitamente.
Antes que eu pudesse soltar um suspiro por causa da minha aparente ignorância, senti algo diferente. Um arrepio percorreu todo o meu corpo e eu comecei a suar frio.
O que é essa sensação?!
Minha pele começou a ficar levemente pálida enquanto eu começava a ser suprimido por uma pressão esmagadora. Era tão forte que eu imediatamente fui forçado a ficar de joelhos, pois as minhas pernas não conseguiam segurar o meu corpo.
Foquei meu olhar na chama e, antes que eu pudesse formular uma frase em minha mente, fui surpreendido por uma voz.
— Minha criança.
De repente, uma voz masculina com um tom sério, porém levemente melancólico, estava me chamando.
…Que voz é essa? De onde ela tá vindo? Eram as perguntas que se passavam na minha mente após ouvi-la.
— Minha criança… perdão. — disse a voz misteriosa.
— Perdão? Perdão pelo que? — perguntei com um tom assustado, enquanto tentava me manter perante aquela pressão majestosa.
— Nós falhamos em proteger vocês… — respondeu a voz com um tom um pouco mais desolado que antes.
— …
Só pude permanecer em silêncio.
Eu não tinha entendido o que ele falou — mas no exato momento em que a voz disse aquelas palavras, por algum motivo, algo tremeu dentro de mim —. Uma sensação inquietante começou a queimar dentro do meu ser. Quando comecei a sentir isso, ainda de joelhos, agarrei o meu peito o mais forte que eu podia.
— … Vocês…? — perguntei com uma voz fraca, enquanto tentava diminuir a sensação dentro de mim.
Mas para a minha surpresa, não houve resposta alguma.
O motivo da minha dúvida era: Até o momento, só tinha eu naquele lugar, então não faria sentido o uso da palavra “vocês”. Mas não era só isso, ainda tinha a questão de que eu não sabia de onde vinha.
Hah… tudo começou a fazer ainda menos sentido…
Eram muitos acontecimentos seguidos para uma simples criança de 13 anos que nem eu. A minha mente já não podia suportar mais. Com isso, juntando um pouco de força, decidi falar:
— Proteger? Proteger de que? Eu com certeza não conheço você ou “vocês”. Eu nem sei de onde você está falando…
Naquele momento, eu estava fazendo meu melhor para acalmar a minha mente cansada; afinal, eram coisas demais para eu poder processar.
— De fato, você ainda não nos conhece — respondeu a voz enquanto se preparava para continuar —, mas vai conhecer.
— … O qu…
Antes que eu pudesse terminar a minha pergunta, fui interrompido por algo inusitado – repentinamente, a chama tinha começado a ficar instável. E por algum motivo ela… Começou a se fundir com o meu corpo?!
Ainda de joelhos, fiquei assustado quando vi a chama indo em minha direção. Instintivamente pensei que ela iria me queimar, mas o que aconteceu foi algo muito diferente.
Ela não me queimou; na verdade, só começou a fluir para dentro de mim.
— O que… O que está acontecendo?? — gritei com um tom desesperado por não conseguir assimilar o que estava ocorrendo comigo.
— Um dia… Você entenderá tudo… — Essas foram as últimas palavras daquela voz antes de desaparecer por completo. Da forma que foi dito, a voz expressava um tom levemente feliz.
Após isso, a chama entrou por completo dentro do meu corpo. A pressão que antes me fazia ficar de joelhos tinha desaparecido. Mas junto com ela, também se foram a brisa quente, a coloração avermelhada e os leves ruídos.
Tudo tinha voltado ao estado inicial. Um lugar vazio, escuro e levemente frio.
Percebi que conseguia ficar de pé novamente e decidi me levantar.
Por estar surpreso com aquilo tudo, coloquei a mão no rosto.
O que diabos foi isso tudo…
As dúvidas em minha mente não paravam. Nada do que tinha acontecido fazia sentido. Antes o que eu chamava de “sonho realista”, seria melhor chamar de “pesadelo realista”.
Depois de forçadamente me conformar com a situação, só tinha algo que eu pensava:
Preciso sair daqui o mais rápido o possível, afinal eu ainda não sei quanto tempo se passou…
Sim, a questão de antes retornou. Eu precisava sair do lugar e acordar o mais rápido que desse.
Antes que eu pudesse concluir a minha linha de raciocínio, fui interrompido novamente.
— Hah… esse lugar realmente gosta de ficar me interrompendo, hein? —Soltei um suspiro e murmurei para mim mesmo.
De repente, o lugar começou a ficar claro. Diferente de antes, agora não era em um único ponto, mas sim o lugar como um todo. Do preto fosco, a coloração estava indo cada vez mais em direção ao branco puro. Tudo foi gradualmente mudando de cor.
Foi aí que senti algo. Percebi que meu corpo estava sendo levemente atraído em uma direção, e a atração ficava cada vez mais forte…
O-O que…
Antes de ser completamente puxado, senti algo mais entrando no meu corpo. Diferente do anterior, era um sentimento mais delicado, frio e tranquilizante.
Após isso, fui completamente puxado e… acordei.
FIM