O Druida Lendário - Capítulo 20
A Fortaleza Toca dos Lobos ficava sobre uma elevação nas proximidades da cidade de Salem. Suas muralhas escuras de pedras retangulares formavam um quadrado em torno da construção principal de três andares.
Para os padrões de Nova Avalon, aquela era uma fortaleza pequena, reservada para guildas de médio porte estabelecerem domínio sobre uma região.
Ragnar e Havoc caminhavam lado a lado, subindo o pequeno morro que os levariam até o portão da fortaleza.
Durante o caminho, Ragnar teve a oportunidade de conhecer a espadachim. Pelas conversas que tiveram ela parecia uma mistura de Artic com Niki, era calma e focada como o cavaleiro, mas quando se tratava do jogo, exibia uma empolgação digna da assassina.
No meio do caminho, Havoc parou para apreciar a paisagem quando uma lufada de vento empurrou seu longo cabelo loiro para trás. Ragnar aproveitou para fazer o mesmo, fechou os olhos e sentiu o vento balançar os fios de seu cabelo desgrenhado.
— Dá para acreditar que é apenas um jogo? — A voz dela era suave, carregada pela tranquilidade do ambiente, soando como uma melodia nos ouvidos de Ragnar.
— Quando parece que eu já vi de tudo que esse mundo tem a oferecer, são momentos como este que me surpreendem e me fazem refletir.
Ele abriu os olhos a tempo de vê-la navegando por uma janela do sistema. Instantes depois, uma mensagem apareceu.
Havoc gostaria de reparar a Perdição das Víboras por 20 rubros
Mas ele protestou:
— Vinte rubros? Foi você quem quebrou ela.
— Esse é o preço do pedaço de ferro necessário para o conserto. Eu não estou lhe cobrando a taxa de serviço, então considere isso um pedido de desculpas.
Ragnar suspirou antes de aceitar a oferta de reparo, pois não sabia se veria a assassina tão cedo. Já fazia um tempo que eles não se encontravam dentro do jogo.
— Você gosta dessa guilda? — Ele perguntou assim que voltaram a caminhar.
— Aham — Havoc murmurou. — Eu acho que você também vai gostar. No começo pode ser estranho o jeito que a gente se comporta. Zed, o nosso líder, criou a Pata Negra aos moldes de uma organização paramilitar. Então é tudo questão de role play, você embarca na brincadeira e se deixa levar.
Aos moldes de um exército de picaretas, Ragnar pensou. Mas ele queria saber uma coisa a respeito dela:
— Você tem alguma ambição nesse jogo?
— É só um sonho idiota, mas… eu sempre quis ser uma jogadora profissional.
— E você acha que a Pata Negra pode te ajudar com isso?
— Ela já ajudou me presenteando esta espada.
Ragnar ficou feliz por confirmar a ambição da garota em ser uma profissional, mas acabou decepcionado por ela estar feliz dentro da Pata Negra. Trazê-la para o seu lado poderia demandar muito trabalho.
Havoc virou-se de costas e começou a caminhar para trás.
— Sua lança é muito bonita. A ponta no formato de cabeça de serpente é de impor respeito. Como você conseguiu ela?
— Em uma câmara super secreta.
— Ah, entendi…
Ela deu um passo em falso, seus braços tatearam o vento enquanto seu corpo envergava para trás. Ragnar conjurou suas raízes por impulso, elas brotaram do chão embaixo da garota e a seguraram pelo torso, impedindo-a de cair.
— Obrigado. Essa foi por pouco, e… que reflexo assustador.
Ragnar agradeceu o elogio e eles voltaram a caminhar até ficarem em frente ao portão da muralha, guarnecido por dois soldados.
Havoc os cumprimentou com um gesto de mão. Eles se curvaram e abriram o portão. A dupla seguiu adiante. Dentro da muralha havia um grande pátio abarrotado de caixas. Aquilo mais parecia um armazém do que o quartel general de uma guilda.
Conforme caminhavam, jogadores e NPCs cumprimentavam Havoc, alguns faziam gestos em sinal de respeito, se curvando ou batendo no peito.
— O pessoal daqui respeita muito você — disse Ragnar.
— Vantagens de ser tenente — ela disse batendo no peito.
Eles chegaram na construção central da fortaleza. Ela repetiu para os guardas o mesmo gesto que fez aos soldados no portão da muralha. A porta foi aberta, e eles entraram.
Ragnar permaneceu atrás de Havoc enquanto caminhavam sobre o tapete vermelho. Então pararam em frente ao trono onde sentava o líder da guilda, que se ergueu, juntou as mãos, e proferiu:
— Tenente Havoc, espero que traga boas notícias, pois os soldados de seu esquadrão estão furiosos com o druida.
Zed voltou seu olhar incisivo para Ragnar, que só tinha olhos para o machado encostado na lateral do trono. Sua curiosidade o fez usar o comando analisar, trazendo uma janela com as informações do item:
Machado de Ébano |
[Categoria: Machado de Guerra] [Nível: 50] [Raridade: Raro] [Dano Físico: 320] Arma forjada pelos destemidos guerreiros de ébano Efeito Especial: os ataques dessa arma fortalecem seus ataques subsequentes por 10 segundos. |
Havoc deu um passo para frente e respondeu à pergunta do chefe:
— Eu trago sim boas notícias, general Zed. Após uma longa e difícil batalha, Ragnar decidiu se juntar a nós.
— Ótimo. Nós estamos precisando de gente nova em nossas fileiras, ainda mais um druida, vocês são raros como unicórnios.
O guerreiro percebeu para onde se dirigia a atenção de recém-chegado. Ele retornou ao trono e empunhou o machado lá encostado.
— Druida, o que você acha dessa arma?
— Visualmente impressionante, razoavelmente boa para o seu nível.
Zed pousou a mão direita em sua barriga e soltou uma gargalhada. Havoc acertou Ragnar com uma cotovelada nas costelas.
— Você é ousado. Gostei de você — disse Zed, apoiando o machado no ombro. Ele abriu o menu do jogo e navegou pelas opções. Uma mensagem apareceu para Ragnar:
Zed convidou você para se juntar a guilda Pata Negra
Ragnar aceitou o convite. Agora poderia consultar as informações básicas da guilda, como seus integrantes, estrutura organizacional, posses, conquistas e outras informações disponíveis no painel especial.
Sua primeira ação foi confirmar o número de membros: ao todo haviam 104 integrantes registrados, 31 estavam online naquele momento. O nível médio dos integrantes era 34, havendo três jogadores de alta patente próximos do 50, sendo Zed o único a atingir esse marco.
— Meus parabéns — disse o líder. — Agora você é um integrante oficial da Pata Negra. Espero que sua participação seja proveitosa tanto para mim quanto para você.
Havoc virou-se sorridente para Ragnar, batendo palmas em comemoração.
— Seja bem-vindo — disse ela.
Ragnar não se manifestou, a feição de Zed denunciava sua intenção de ir ao que lhe interessava.
— Tenente Havoc, recruta Ragnar, me acompanhem até a Sala dos Tesouros.
Nem mesmo um “por favor”. O cara realmente vê essa guilda como um exército particular, refletiu o druida enquanto se dirigiam para a saída lateral do Salão do Trono.
Zed os liderou, seus passos firmes e postura ereta, somados ao machado preto preso em suas costas, faziam dele uma caricatura de um militar casca grossa. Havoc não era diferente, pois desde que entraram na fortaleza, adotara uma postura idêntica.
— Relaxe um pouco — disse Ragnar.
Ela sacudiu a cabeça em negação.
Ragnar reparou como a fortaleza era grande demais para aquela guilda. Haviam dezenas de corredores e dúzias de cômodos, mas tudo estava vazio ou pouco mobiliado, isso fazia os passos das grevas metálicas do guerreiro reverberarem ao ponto de dar nos nervos.
Mas não era apenas a ausência de mobília que o incomodava, também faltavam pessoas, não apenas membros da guilda, mas funcionários controlados pela inteligência do jogo, fossem empregados ou solados.
Era de se esperar que a guilda no controle de uma região nova e de nível baixo não fosse organizada como as guildas de alto nível, mas Ragnar não esperava tamanho desleixo. E isso era bom, pois ficaria mais fácil de converter a espadachim para o seu lado.
— Este é nosso arsenal — Zed falou quando adentraram no único cômodo bem decorado fora a sala do trono.
O arsenal era um corredor largo com grades e divisórias. Nas grades ficavam guardadas as armas sobressalentes da guilda, para retirá-las era necessário pertencer a uma patente específica dentro da organização ou possuir uma permissão de alguém do alto escalão.
Ragnar caminhou até a grade onde as lanças ficavam expostas. Recrutas como ele só poderiam retirar as armas abaixo do nível 5, enquanto tenentes como Havoc tinham acesso até as armas do nível 20. A mesma regra se aplicava às armaduras nas paredes, estantes e as encaixadas nos bonecos de madeira.
— Felizmente, druida — disse Zed. — Seu equipamento é melhor que qualquer coisa que temos aqui. — Ele se pôs a caminhar. — Venham, estamos quase chegando.
Foi necessário atravessar mais três corredores e subir um nível de escadas até chegarem à Sala dos Tesouros.
Ragnar se imaginou entrando e se deparando com baús cheios de moedas, vitrines com joias e uma fileira de cofres abarrotados com as maiores preciosidades da guilda, porém, aquilo não passava de um depósito glorificado com dezenas de caixotes abertos, um cofre do tamanho de um armário e várias estantes guardando as quinquilharias acumuladas por eles.
— Impressionante, não é mesmo? — disse Zed, abrindo os braços.
— Muito, muito impressionante. — Ragnar quis ser educado.
— Eu gosto de valorizar meus recrutas, por isso vou dar a você uma coisinha que encontramos em um calabouço.
Você vai jogar em mim a primeira tralha de druida que não conseguiu se livrar, e ainda vai fazer parecer que é alguém generoso, e que eu deveria ser grato por isso.
Zed foi até uma prateleira ao lado da janela e retirou um livro cujo título dizia: “O Círculo da Lua”, aquele era um item raro.
Livros eram uma incógnita em Nova Avalon, eles poderiam conter feitiços a serem aprendidos, pistas de uma missão especial, ou nada mais do que uma boa leitura para se aprofundar na história e nos folclores de Nova Avalon. E, como a última opção representava 99% dos livros dentro do jogo, era comum ver jogadores novos ou menos atenciosos jogando-os fora ou ignorando-os por completo.
Mas aquele poderia ser o melhor presente do mundo, pois para compreender suas escrituras era necessário pertencer a classe druida e estar acima do nível 10. Ragnar se aproximou do líder da guilda e aceitou o presente, dizendo:
— Obrigado.
— Agora vamos tratar da sua dívida — Zed começou. — Apesar de agora sermos colegas, isso não muda o fato de você ter acabado com um de nossos negócios, mas vou ser generoso, darei a você dois meses para pagar os vinte mil rubros que nos deve.
Ragnar sentiu o sangue ferver, não por sentir-se ameaçado com a exigência, mas pela cara de pau do figurão.
— Obrigado — respondeu sem a menor intenção de pagar.
— Você aprende rápido e não é de ficar reclamando. Você se dará muito bem na Pata Negra. — O líder voltou-se para Havoc. — Tenente, quero que você o acompanhe em sua primeira missão conosco.
Ela assentiu, e Zed prosseguiu:
— Nossa mina de ferro foi tomada por goblins. Precisamos que ela volte a operar o mais rápido possível. Acredito que vocês dois darão conta do serviço. Se cumprirem a missão, prometo que deduzirei mil rubros da dívida.
Eles aceitaram a demanda. Zed esboçou um sorriso e retornou à Sala do Trono, quando seus passos mal podiam ser ouvidos de dentro da Sala do Tesouro, Havoc se falou:
— Vamos indo?
— Para onde?
— Para a mina. Eu gostaria de terminar a missão o mais cedo possível.
— Mas já? — disse Ragnar, impressionado com a dedicação dela com a guilda.
— É claro. Ou vai dizer que você tem algum compromisso? A gente pode ir mais tarde se esse for o caso.
— Eu gostaria de ficar um pouco mais, quero me familiarizar com o pessoal daqui.
Havoc sorriu e acenou com a cabeça. Ragnar então virou-se para inspecionar os itens guardados na Sala dos Tesouros. A única coisa que lhe chamou a atenção foram os caixotes abarrotados de rochas. Ele retirou uma rocha e a analisou de perto, era ferro.
Assim como no mundo real, o ferro era um recurso abundante, porém muito utilizado, então sempre havia demanda por ele.
Por curiosidade, segurou uma pepita na mão e, depois, a guardou no inventário, esperando ver a mensagem berrando que sua patente era baixa demais para retirar itens, mas nada aconteceu.
Se esforçando para disfarçar sua euforia, ele abriu o painel da guilda e verificou as restrições de cada patente. Como era de se esperar, os recrutas não podiam retirar itens, porém, havia uma categoria cadastrada como exceção: os minérios.
Eles definitivamente fizeram besteira, Ragnar pensou.
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