O Conto da Bruxa: A Última Flor - Capítulo 8
A caminho de Erebor, já se passavam dias desde o incidente com Clémentine. Até agora, nenhum ataque ocorreu, o que, para Serena, parecia estranho. Ela permanecia perturbada com a falta de ação hostil, deixando-a intrigada.
— Já se passaram quase duas semanas desde o último ataque que sofri… — Serena murmurou baixo, sem obter resposta, apenas o ruído da carruagem.
Sarah e Serena decidiram deixar o acampamento, já que permanecer lá poderia resultar em mais perigos. A escolha era difícil, entre arriscar enfrentar consequências desastrosas ou colocar mais pessoas em perigo. Qualquer opção traria complicações.
— Realmente faz muito tempo desde que tivemos paz… — Sarah disse, escolhendo cuidadosamente suas palavras, mas acabou expressando algo completamente diferente do que pretendia.
Inicialmente, o plano era ir até a antiga cidade das bruxas, chegar à igreja principal e coletar informações relevantes. No entanto, nada aconteceu como Serena planejou. Não encontrou pistas sobre a localização da cidade ou informações que a aproximasse do sucesso.
“Não é possível encontrar a cidade; ela não existe mais”, pensou Serena, mas estava determinada a descobrir as motivações de Clémentine. Não fazia sentido brincar de gato e rato.
Serena tinha questões mais importantes para lidar, como recuperar parte de sua memória desconexa e voltar à sua terra natal para entender o que havia acontecido. Missões intensas como resgatar Anne, fugir de Clémentine e lidar com a morte de sua mãe se misturavam em sua mente.
Tudo que Serena conseguia recordar eram memórias vagas de uma grande escassez de alimentos no reino das bruxas. Eram lembranças que ela preferia não reviver. Focar na paisagem pela janela da carruagem a ajudava a suprimi-las.
Naquele momento, não havia espaço para diálogo. Serena e Sarah trocaram olhares, mas não havia motivação suficiente para iniciar uma conversa. Sentadas, Anne dormia, e os problemas teoricamente estavam sob controle.
— Ei, fala alguma coisa, é desconfortável ficar olhando para a sua cara! — Sarah falou.
— Ah, desculpe por ter um rosto feio. Então me desculpe… Não sabia que você era tão exigente com a aparência das pessoas.
— É? Quer que eu dê um jeito?
— Tenho um porrete aqui, pesa cerca de oitenta quilos. Um humano comum não conseguiria levantá-lo com facilidade. Lembra quando esse mesmo porrete passou a centímetros da sua cabeça?
— Saiba que naquele dia foi um “puro milagre” eu ter sobrevivido. Se eu tivesse morrido, voltaria para assombrá-la pelo resto da sua vida!
— Então, quer experimentá-lo?
— Aah…
— Aaah… — Serena soltou um estranho som ao se chocar com força na parte da frente da carruagem.
Algo interrompeu a discussão. A carruagem parou bruscamente, arremessando Sarah e Serena para a frente. Anne acordou assustada, e Serena olhou pela janela com expressão de pânico. Lá fora, uma densa neblina começou a se formar, envolvendo a carruagem e tornando impossível enxergar além de alguns metros.
O céu claro e ensolarado agora estava completamente escuro. O vento aumentou, as árvores balançavam violentamente. Um som estranho e perturbador ecoava ao redor, um murmúrio inquietante que parecia ecoar entre elas. Serena, com seu olhar treinado, notou sombras se movendo entre as árvores.
— Sarah, vamos pegar Anne e sair daqui, não podemos ficar aqui!
Diante dessas palavras, um estrondo ensurdecedor sacudiu o ambiente. Sarah e Serena foram atiradas para o chão. Anne, sem entender o que aconteceu, chorava. Uma onda de choque as atravessou, fazendo uma sensação indescritível de pânico percorrer seus corpos. Serena pensou que não havia chances de saírem vivas.
— Serena, isso não é bom, nada bom… Onde estão as pessoas que estavam aqui antes? — Sarah perguntou, levantando-se com dificuldade.
Serena também se levantou, suas mãos começaram a brilhar com uma fraca luz mágica. Ela estava pronta para enfrentar o que quer que fosse lá fora.
— Não sei, mas não estamos mais em nosso mundo, Sarah. Algo nos trouxe para este lugar, e acho que não fomos as únicas. As sombras que vi… elas estão se movendo, se aproximando. — Serena sussurrou, preocupada.
Anne chorava, sem entender a situação. Serena a abraçou, tentando acalmá-la.
— Vai ficar tudo bem, Anne. Vamos descobrir o que está acontecendo e como sair daqui. Sarah, fique alerta, não sabemos o que estamos enfrentando.
As sombras se aproximavam, e o murmúrio sinistro se transformava em risadas macabras. O mundo parecia estar contra elas. O que quer que fosse, estavam prestes a enfrentar um desafio maior do que imaginavam.
Serena abraçou Anne ainda mais forte conforme a neblina se dissipou, revelando uma grande ruína. As sombras não passavam de formas corpóreas daqueles que foram atingidos pelo cataclismo. A ruína erguia-se majestosa, claramente não pertencendo ao mundo delas.
Serena deixou sua clava cair no chão, fazendo um barulho abafado. Lágrimas fluíam de seus olhos, e ela não sabia se era choro de alegria, tristeza ou indecisão.
— Que lugar é este? — Sarah perguntou com curiosidade e apreensão. Ela notou as lágrimas de Serena, mas resolveu não dizer nada. O mundo que ela sonhou retornar um dia, agora estava totalmente devastado.
— Eu… não faço ideia. — Serena disse, palavras que não saíram de sua boca.
Sem saber onde estavam e por que estavam ali, Serena apenas balançou a cabeça, incapaz de fornecer uma clara noção. As pessoas não desapareciam assim do nada, mas a explicação plausível parecia distante.
Sarah ergueu sua arma e avançou dois passos.
— Quando repentinamente a neblina se dissipou completamente, revelando um mundo deslumbrante. De fato, aquele lugar não pertencia a aquele mundo, a paisagem verde combinava com as ruínas que um dia já foram prósperas.
O imenso lago à frente estava parcialmente escondido pela grama alta, com uma cachoeira visível à distância. Ao mesmo tempo, as palavras “lindo e sombrio” surgiam, a única maneira de descrever aquela paisagem.
— Serena, este lugar… Pode ser que tenhamos as respostas que precisamos. Eu acho que tem alguma coisa a ver com a garotinha; ela não era a chave?
Serena se recompôs, enxugou as lágrimas, adotando uma postura digna de uma descendente de uma renomada bruxa. Anne havia se acalmado, mas não entendia o que acontecia.
— Ei, Anne, pode ficar tranquila, estamos juntas nisso. Sarah, você tem alguma ideia de onde podemos começar a procurar?
A voz de Serena ainda carregava nuances de incerteza, mas ela se esforçou para expressar clareza. Serena queria empurrar o fardo de decidir o que fazer para Sarah, que a olhava perplexa.
— Pensei que poderíamos explorar um pouco a cidade e procurar por documentos antigos ou algo assim. E, talvez, entender o que aconteceu com as bruxas no passado.
Elas começaram a caminhar pela cidade das bruxas, cercadas pelas sombras do passado. À medida que avançavam, mais perguntas surgiam do que respostas, e o mistério que envolvia aquele lugar sombrio se aprofundava ainda mais.
Logo à frente, havia uma estátua, parte de seu rosto quebrada e outras partes deterioradas pela vegetação. Houve dias melhores. O fato mais bizarro era que a estátua estava de cabeça para baixo. Não havia nada que explicasse o motivo, e Serena apenas a observou.
— Por que esta estátua está de cabeça para baixo? — perguntou Sarah.
— Talvez seja um rito pós-guerra? — Serena respondeu, perplexa.
Serena se aproximou da estátua e tocou em seu rosto.
— Seja o que for que esteja acontecendo, teremos que dar um jeito de sair logo daqui. Este lugar está me dando arrepios, Serena, vamos sair logo. Não estou gostando nada de passar mais nem um segundo aqui… — Sarah, com um tom choroso, disse, o que irritou Serena, que franziu a testa em resposta. Aquela ladainha era algo que Serena conhece bem.
A sensação indescritível ao olhar as ruínas deixava Sarah e Serena espantadas. Não era comum algo similar, então decidiram que deveriam continuar seguindo em frente até encontrar algo que desse respostas.
Havia algo mais sinistro naquele lugar, era inexplicável o quão complexo se daria o ambiente daquele lugar.
— Aquilo, o que é aquela coisa ali?
Serena apontou para os pés da estátua. Algo estava brilhando intensamente, parecia reluzir em uma intensidade extremamente alta.
O objeto emitia luz própria, assustando Serena e Sarah. No entanto, ambas hesitaram em pegá-lo, temendo ser uma armadilha ou conter alguma maldição.
Serena abaixou-se, tocou no objeto, e sua consciência foi instantaneamente tomada. Toda a sua existência parecia esvair-se em um único momento. “O que é isso?”, pensou Serena, ouvindo vozes ressoando como sino. Era difícil prestar atenção nos sussurros que clamavam por ela.
A dor e o calor tomaram conta de seu corpo a cada segundo. Ela tentou desesperadamente retornar à consciência, mas ouvia apenas sussurros desesperados.
“O que está acontecendo?”
Diante de sua visão turva, ela notou um ser encapuzado, uma silhueta. Sua respiração descoordenada deixava aquela visão com sensação de calor em seu peito. Não tinha como voltar atrás.
“Me arrependo…” Foram as únicas palavras que ela sussurrou, sem peso ou razão aparente. Um ato desesperado de alguém encarando a morte, embora não fosse exatamente isso. Em seu ser, entrelaçam-se uma sensação dolorosa, um intenso calor.
Uma sensação que cobria todo o seu corpo, ao mesmo tempo uma sensação familiar de tranquilidade.
“O julgamento da bruxa começa agora”, uma voz gentil, doce e suave disse.