O Conto da Bruxa: A Última Flor - Capítulo 13
A cena se desenrolou, nem o frio, nem o impacto na água conseguiram fazer Serena recuar. Ao abrir os olhos, ficou atônita ao ver Sarah chorando desesperadamente, lágrimas inundando seus olhos enquanto seus gritos ecoavam.
“Ela é mesmo Sarah que conheço?” Questionou Serena consigo mesma. Uma vaga lembrança perturbadora apertou seu peito. Piscou várias vezes, tentando entender o que acontecia, percebendo que estava deitada em uma superfície macia. Algo havia ocorrido, mas a visão de Sarah em desespero provocou um novo aperto em seu peito, uma angústia profunda que talvez fosse a razão de seu desconcerto.
A cena refletida sobre a água podia ter sido uma ilusão ou realidade. Isso fez seu coração pulsar forte; o sentimento que experimentava não passava de resquícios de um mundo ilusório. A verdade residia numa tênue linha entre existir ou não. Esse era verdadeiramente o dilema que enfrentava.
— Ei, Serena! Acorde! — Sarah gritou, fazendo Serena se levantar instintivamente. Sarah soltou um grande suspiro, carregado de alívio e felicidade.
— O que aconteceu…? — perguntou Serena, sem entender completamente, mas lembrando-se de algo importante. — Meus sentimentos por minha mãe não mudaram… Sarah, Anne, ela é… Não! A Perséfone, foi ela… E tem a Alpha. Precisamos ir à Torre de Babel, é lá.
— Está maluca? Acabou de apagar e agora vem falando essas besteiras? Sabe o quão preocupada eu fiquei? — Sarah gritou furiosamente, correndo em direção a Serena para abraçá-la, pulando sobre ela.
— Nós ainda não saímos deste lugar? — Serena perguntou, empurrando o rosto de Sarah para longe. Sarah havia enterrado o rosto nos seios de Serena, erguendo a cabeça lentamente. Seus olhos brilhantes estavam marejados de lágrimas. Ela tinha dois grandes motivos para ficar feliz.
Serena estranhou a proximidade. Elas se conheciam há pouco mais de dois anos e não haviam dado muitos abraços. Sarah tentava manter sua amizade, mas Serena era ríspida demais para contato físico íntimo. Essa era uma das poucas vezes que Sarah abraçava Serena, e sempre que podia, abusava da proximidade.
— Grandes como sempre… — Sarah disse, sorrindo.
— Como? — Serena perguntou, sem entender o que Sarah queria dizer.
— Você sabe, é claro. — Sarah riu. — Sempre tão grandes e bonitos.
Serena ficou vermelha de vergonha. Nunca havia pensado em seus seios como algo bonito, e agora Sarah estava falando sobre eles em voz alta. Mas era claramente uma brincadeira, Sarah, notou que não havia nada de errado com Serena. Então decidiu parar.
— Pare com isso! — Serena disse, empurrando Sarah para longe. Sua expressão de medo e pavor fez Sarah repensar suas ações.
— Aí, doeu! Bruta como sempre. Tudo bem, tudo bem, parei. — Sarah riu novamente. — Só estava brincando. Pode ficar tranquila, eu estava apenas brincando…
Serena ficou aliviada em testemunhar novamente a fala mansa e brincalhona de Sarah. Mas ela não costumava fazer esse tipo de brincadeira, e neste momento, deixou-se levar no calor do momento. Ela estava aliviada em ver Serena recobrar a consciência. Serena respirou fundo, tentando se acalmar. Ainda estava confusa sobre o que havia acontecido, mas sabia que precisava pensar com clareza.
— Sarah não é de fazer isso… — pensou Serena perturbada enquanto a olhava com perplexidade.
— Vamos sair daqui. — Serena disse, levantando-se. — Precisamos chegar à Torre de Babel. — exclamou Serena, apontando para um pequeno traço branco que quase cortava os céus. Sarah assentiu e se levantou também.
As três estavam sobre uma grande e majestosa árvore que quase alcançava os céus. Sarah e Serena discutiam como chegariam à Torre de Babel, cientes de que não seria fácil. Provavelmente passariam a noite ali. Anne estava dormindo, então decidiram permanecer até o amanhecer.
Serena preparou o local para dormirem. Como precaução, fez um ritual típico de proteção das bruxas, desenhando um círculo mágico em um pergaminho.
— O que você está fazendo? — Sarah perguntou, curiosa. — Que nostalgia, não vejo isso desde que vi a minha mestre pela última vez. Já faz anos!
— Ah, isso? É um amuleto de proteção. É um símbolo de boa proteção para quem o carrega. — respondeu Serena entusiasmada.
— Ao mesmo tempo que parece legal, é meio brega e vergonhoso. Não vejo ninguém usar magia assim nos dias de hoje — Sarah falou, olhando o céu arroxeado. — É até triste.
— Sim. Eu sei, por mais que eu ache isso brega, mas funciona.
— De fato. Essa eu acho que foi a primeira magia que foi ensinada a mim, que nostalgia.
— Não sei como vai ser o dia de amanhã, se vamos viver, ou não. Tudo o que podemos fazer é acreditar. — monotonamente Serena falou. Sarah havia abaixado a cabeça. Ela tinha uma expressão complexa em seu rosto, a maior parte era medo e insegurança. Ela passou um bom tempo refletindo as palavras: “perder alguém importante novamente”, isso a fez ficar com medo.
Sarah observou Serena completar o círculo mágico. Não era incomum o uso de círculos e pergaminhos mágicos até meados da era da magia. Com a dizimação do mundo das bruxas, o uso de magia ficou escasso. Algumas pessoas tinham aptidão, mas precisavam de catalisadores. Bruxas, como Serena, não precisavam. Eram poderes limitados, como água, fogo, terra, vento e raio. Apenas pessoas da linhagem das Bruxas eram capazes de usar esses poderes.
Serena olhou para o céu noturno e disse:
— Acho melhor irmos descansar. Amanhã será um dia complicado para nós, precisamos sair cedo, então acho que descansar é nossa prioridade principal, até porque não sabemos como sair daqui.
— Tem razão. Acho que descansar seria melhor… — Sarah comentou.
Sobre a grande árvore, elas levantaram acampamento. Não daria para saber qual horário era, o céu não deixava observar além de poucas nuvens e um tom roxo que sobrepunha o domo.
Sarah ainda estava perdida em pensamentos, Serena havia se deitado um pouco.
— Sabe, tenho medo do que está acontecendo agora — Serena falou. Ela fechou os olhos e suspirou.
— O que me preocupa é o fato de apenas nós três estarmos aqui.
— Talvez isso seja o suficiente para encontrarmos respostas. — Serena completou.
Sarah concordou, ela direcionou seu olhar para o horizonte, não podia encontrar sentimentos naquele gélido olhar. Não era um evento isolado, naquela altura, Sarah estava com medo e foi para onde Serena e Anne estavam. Depois de um momento de hesitação, elas foram dormir. O trauma passado ainda a afetava profundamente.
Embora não possuísse muitas coisas importantes, Sarah percebeu que, se perdesse outra pessoa querida, perderia a razão de viver. Esses sentimentos a atormentavam, mesmo que significasse a partida de outra pessoa. O mundo, antes vivo e cheio de cores, agora parecia desprovido de vida; até mesmo os lugares que antes eram considerados paraísos não tinham mais esse encanto. Por mais que tentasse encontrar beleza e significado, tudo parecia sem cor. Diante da possibilidade de enfrentar novamente a perda, Sarah se viu em conflito: deveria se aproximar mais de Serena ou agir com cautela.
Ela se perdeu em pensamentos até adormecer completamente. E mais tarde naquela noite, um barulho estrondoso seguido de uma grande luz branca ecoou violentamente através do ambiente. Isso foi o suficiente para fazer Sara e Serena acordarem.
— Ei, Serena, pegue a Anne, precisamos sair daqui rápido. Não sabemos o que é, se apresse!
Sarah rapidamente levantou-se após o barulho horripilante. Sua reação foi instantânea, não deixando margem para erros. Naquele momento não passava das quatro da manhã, então, “um ataque surpresa poderia ser descartado”, pensou Sarah, ainda atordoada tentando entender o que estava acontecendo. Ela olhou para um lado, não notou nada, olhou para o outro, também não havia nada. E foi quando ela olhou para sua frente, notou que um exército de mortos vivos marchavam em sua direção.
Ela poderia não ter todas as habilidades de um combatente experiente, mas, naquele momento, ela conseguiu reagir mais rápido que qualquer soldado que treinou boa parte da vida.
Ao notar que não existia muitas opções. Sarah escolheu apenas uma e decidiu que deveria lutar com todas as forças que tinha.
— O que está acontecendo? — Serena gritou.
— Como isso foi acontecer? — indagou Sarah, olhando com horror para a lâmina ensanguentada em sua mão. Ela já estava lutando há algum tempo, e não conseguia mais ver o fim.
Sarah deu um passo para trás e golpeou com força, partindo um zumbi ao meio. O sangue respingou em seu rosto, e ela gritou de nojo.
— Droga! — ela exclamou, tentando limpar o sangue com as mãos.
Serena, desatenta, foi arremessada para trás por um dos zumbis. Ofegante, ela caiu no chão, observando a crescente aproximação de mais inimigos. Sarah virou-se para auxiliar a amiga, mas já era tarde. Serena foi atingida por um zumbi e desabou.
— Serena! — Sarah gritou, correndo em sua direção.
Serena empurrou Sarah, que também caiu. Furiosa, Sarah se levantou e bloqueou o ataque de um zumbi com sua clava.
— Se isso pegar, vou quebrar a minha mão! — ela gritou, partindo a barra de metal ao meio, acertando a cabeça do zumbi e esmagando completamente seu corpo.
Sarah avançou, derrubando outro zumbi com um único golpe. Ele bateu contra a parede, inconsciente.
— Sua tarefa é proteger a Anne, eu consigo me virar! — disse Serena, tentando se desembaraçar da roupa. Elas já haviam derrotado inúmeros inimigos em sucessão.
— Isso não vai acabar? E por que não está usando seus poderes? — perguntou Sarah. Serena olhou para ela, que segurava Anne, e respondeu:
— A única opção é correr; eles não param de vir! E quanto aos poderes… bem, corra!
Sarah concordou e dirigiu-se a Anne, que estava sob a árvore onde haviam acampado na noite anterior.
— Anne, entre sob minha camiseta e me abrace o mais forte que puder!
Sarah colocou Anne sob sua camiseta, pedindo que a abraçasse com força. Anne obedeceu, abraçando-a com toda a força que conseguiu e cruzando as pernas nas costas de Sarah, que gritou para Serena enquanto lidava com um zumbi.
Ao notar o sangue na testa de Serena, Sarah encheu os pulmões para avançar. Abraçou Anne mais forte, calculando sua próxima ação. Um ar gélido emanava de onde Sarah estava; um forte pulso de vento facilmente eliminou todos os inimigos ao redor.
— Chega de brincadeira. — exclamou Sarah enquanto levantava a sua espada apontando em direção aos inimigos.
Arcanas ancestrais surgiram ao seu redor, espíritos que flutuavam graciosamente em forma de luzes fracas. O brilho efêmero dessas luzes assemelhava-se ao de feras míticas girando, criando uma cena que ninguém ousaria interferir. Fogo, água e ar. Sua lâmina brilhava palidamente; com um movimento rápido, uma lâmina de vento impulsionou os inimigos para trás. Uma cacofonia de gritos e urros se misturava aos ataques coordenados das arcanas, preenchendo o momento com terror e caos. Uma chuva de estacas de gelo gélido desabou sobre os zumbis, formando uma parede impenetrável para afastá-los. Serena observava tudo, atônita, sem compreender o que se desenrolava diante de seus olhos. Sarah fitou Serena, que captou instantaneamente a mensagem em seus olhos.
— Dádiva…? — sussurrou Serena surpresa.
Serena não sabia, neste instante, tudo que ela poderia fazer era apenas contemplar a cena mística que acontecia à sua frente. Dádiva, era uma força sobrenatural rara. Apenas os mais fortes poderiam possuí-la.
— Vamos sair daqui enquanto podemos! — gritou Serena, conduzindo Sarah e Anne para longe da horda de zumbis desorientados.
No entanto, à medida que avançavam, perceberam que a situação ao redor não melhorava. O caos reinava, e mais criaturas se aproximavam de todos os lados. Era evidente que ambas precisavam formular um plano rapidamente para sair dessa situação.
— Para onde vamos agora? — perguntou Sarah, mantendo Anne próxima — Vamos ter que achar uma saída, o número deles diminui, acho que temos uma chance de escapar.
Enquanto Serena examinava o entorno, tentando encontrar uma rota segura. Nesse momento, as arcanas ao redor de Sarah pulsam com intensidade, indicando que seus poderes ainda estavam ativos. A maior parte dos mortos vivos tinham sido derrotados, mas não havia espaço para baixar a guarda. Enquanto isso, Sarah, que estava em estado de alerta, notou que o número de inimigos diminuiu.
— De onde surgiu tanto zumbi assim? — Sarah respirou fundo enquanto deixava suas Arcanas Originais se dissiparem. — Não lembro de ter feito algo que chamasse atenção.
— Provável que tenha algum necromante por perto. Não é normal aparecer um exército de zumbi sem explicações. Eu consigo lidar, mas isso é demais para mim…
— Vamos correr em direção à Torre de Babel. No caminho vamos discutir melhor quais os planos!
— Sim. — afirmou Serena enquanto estavam correndo em direção a uma torre branca que cortava os céus.
A Torre de Babel estava mais perto do que elas imaginavam. E algo ainda mais assustador, era o seu tamanho imponente. Não era algo que simplesmente se construía em uma década; levaria milênios. Serena pensava que aquela visão era diferente da que tinha quando era criança. Talvez ainda fossem apenas resquícios de memórias que ela guardava, mas aquele lugar parecia horripilante. Não havia passado tanto tempo para Serena esquecer do lugar onde nasceu e passou uma parte da vida. Enquanto corria em direção a Babel, Sarah assentiu para Serena, avisando que não havia inimigos seguindo-as. Passaram-se alguns minutos até que diminuísse o ritmo.
— Acha que despistamos eles? — perguntou Sarah.
— Talvez sim. Não vejo mais nenhum sinal de inimigos próximos. E mais importante, Anne está bem? — respondeu Serena.
Sarah olhou por baixo de seu cardigã, Anne se agarrou ainda mais forte.
— Se acalme, está tudo bem. Não precisa ter medo. Já pode descer. Ou quer que eu ainda te carregue? Aliás, ainda estou pensando que aquilo foi um ataque surpresa. Talvez queira um pouco de atenção?
— Olha, se não quiser ouvir uma resposta sarcástica, não faça comentários idiotas! Você sabe que entramos aqui por algum motivo, então, algum motivo tem de sermos atacadas.
— Piadinhas sem graça não são a única coisa que ofereço. Tenho um pacote inteirinho de serviços que ofereço, sabia?
— Chega! — retrucou Sarah.
— Opa, acho que exagerei um pouquinho, hehehe…
— Não me lembra dessas suas piadinhas. Vamos esquecer isso por enquanto. Agora precisamos pensar em como sair dessa. Não sabemos o motivo de estarmos todas aqui.
— Realmente, não conseguimos descobrir nada — disse Sarah enquanto abraçava Anne. — A única pista que podemos contar com certeza é o fato de você ter apagado ao tocar aquele colar e suas memórias dispersas.
— Até agora não faço ideia de como entramos aqui e como vamos sair deste lugar. Até parece que estamos em um sonho. Talvez seja uma projeção astral ou algo similar. É só uma hipótese minha, mas quem quer que seja que me trouxe aqui, quer me contar algo, ou talvez…
— Acho que estamos esquecendo algo extremamente importante. Sabe, tipo, nós estamos juntas há quase dois anos, nos conhecemos bem para ficar de brincadeiras infantis. Eu tenho uma sensação ruim de que algo bem horrível vai acontecer com a gente quando entrarmos naquela coisa.
— Eu até entendo a preocupação, mas todos os caminhos se convergem para um único lugar — disse Serena enquanto apontava para a Torre de Babel. — Aquele lugar. Até parece que nós fomos forçadas a ir em uma única direção.
— Isso me faz lembrar que sempre estamos fugindo, lutando ou encrencadas por algo ou alguma coisa. Não foi diferente com os zumbis que apareceram agora pouco, me parece que eles queriam algo ou estavam indo em direção a algo — disse Sarah relutante.
— Nós lutamos contra, se bem que você acabou com todos os zumbis em um único golpe.
— Espere, espere! — gritou Sarah.
— O que aconteceu agora? — desesperada perguntou Serena.
— Vamos colocar todas as nossas hipóteses em ordem. Não estamos chegando a lugar algum. Se é que não vamos mesmo! — Sarah falou com ironia. — Primeiro de tudo, precisamos deixar as coisas mais claras. E se tem algo que pode nos ajudar… Esquece. Lembra da mestiça?
— Sim — respondeu Serena com indiferença.
— Então, você ainda lembra o que havíamos perguntado a ela? Acho que você não esqueceu, mas nós a interrogamos. E aquele dia em questão, você! É, você quase me mandou dessa para melhor!
Enquanto caminhavam em ritmo acelerado, Serena olhou para o lado, refletiu algum tempo antes de voltar a falar.
— Sim, havíamos perguntado quem a mandou e por qual motivo…
— Então, lembra que ela tinha roubado a Drómi? Clémentine estava por trás disso. E um dos principais motivos que ela mandou aquela ladra era…
— Roubar a Drómi para negociar com a gente. Se entregasse a Anne, teríamos a Drómi de volta. — Serena respondeu monotonamente.
— Exatamente.
Serena estava relembrando de tudo que havia escutado da mestiça, eram apenas algumas informações não concretas. Toda a cena dela interrogando-a passou em sua mente, todas as perguntas. Talvez por relembrar as poucas palavras que a mestiça havia dito para Serena e Sarah. Ela ficou apreensiva por não saber o que deveria fazer neste momento. Isso era óbvio pelo olhar distante e sem brilho. Não foi algo que ela poderia simplesmente esquecer, mas, também não poderia ignorar. Cada vez que ela pensava sobre o assunto, sentia como se seu coração fosse explodir de medo e ansiedade. Serena não sabia mais o que estava fazendo ou que ela deveria fazer. Os problemas estavam escalando cada vez mais.
A pouco tempo, houve uma emboscada. Conseguiram superar o problema sem maiores problemas devido a Sarah e seus segredos escondidos que sempre há algo que ela mostra em um momento crucial. Serena havia se perdido completamente em pensamentos. Mesmo que naquele momento precisasse de uma líder forte e confiante, Serena não se classificaria para liderar.
“Como faço para sair disso? Alguém, por favor, me diga como eu posso sair disso? Isso dói tanto, machuca tanto, quero me livrar disso. A única coisa que tenho é apenas lembranças vagas. Não posso viver fugindo para sempre, tenho que encarar o destino de cabeça erguida.” Não demorou muito para Serena se perder em pensamentos, elas estariam bem perto da Torre de Babel naquele momento. “Se não fosse aquela desgraçada daquela vampira, talvez não estivéssemos nessa situação.”
— Não vão.
Uma voz fraca trouxe de volta Serena que estava em transe em meio aos pensamentos.
— Sangue. Tem sangue lá!
A fonte da voz fraca foi Anne. Pela primeira vez ela falou, Serena olhou-a com seus olhos marejados de lágrimas.
— O sonho. Tem algo lá, não vão! Sarah vai… — disse Anne chorando.
— Serena, isso é sério? O que devemos fazer? — perguntou Sarah aflita.
— Nós acabamos de chegar. Estamos de frente para Babel, nunca vi Anne ficar com medo assim.
A visão da Torre de Babel é imponente, assim como o medo que percorria o coração de Serena que olhava desesperada para aquela construção. A mesma frustração de antes ainda atormentava-a. “Tudo bem!”, pensou Serena. Era uma forma de confortá-la e encorajá-la a seguir. Mas algo ainda dizia que não poderia ser uma boa ideia entrar em um lugar que fica a mercê do destino entregá-las o motivo de estarem neste lugar. Serena, no fundo do seu coração, desejou que aquilo tudo terminasse ali mesmo e que fosse apenas um sonho; não, não era. Tudo é tão real quanto o fato dela respirar euforicamente antes de abrir a porta imensa que protegia o local.
— Eu sei que é um sinal ruim. Não temos escolha a não ser entrar e encarar o destino. Logo atrás desta porta pode ter o seu inimigo, Serena — Sarah disse preocupada. — Eu acho que já entendi como isso funciona. É simplesmente uma distorção no espaço tempo que nos trouxe aqui. Alguém deve ter manipulado tudo até estarmos neste local exato.
Serena silenciosamente colocou a mão na grande porta. Não aconteceu nada. Tudo permaneceu calmo. O portão reagiu, até que um fraco brilho emanou da base do portão. A fugaz luz que era emitida da porta se dissipa rapidamente. A porta começou a rugir ferozmente enquanto se abria, não havia luz dentro do imenso salão, apenas lampejos de luz exterior atravessavam o portão enquanto abria.
Dentro do salão havia escuridão. Uma escuridão de profundidade insondável, não havia fim, não havia começo. Talvez aquela escuridão advinha de um colossal abismo. O som de passos foram ouvidos indo em direção às três pessoas que estavam esperando ansiosamente de fora. Eram tão sincronizados e calmos que até parecia emitir uma aura ameaçadora.
— Vejo que conseguiram chegar até aqui. Parabéns! Foi como eu pensei, você são mais espertas do que eu pensei, hehehehe — riu ironicamente a mulher, sua silhueta estava coberta por escuridão.
Não daria para perceber quem era, mas sua bela voz era hipnotizante a ponto de seduzir qualquer um que ousasse entrar em contato com ela.
— Serena para trás!
Dizendo isso, Sarah empurrou Serena e Anne para trás. Um som nítido de um projétil sendo atirando em direção a Sarah ecoou atravessando-a. Sarah apenas gemeu de dor e caiu no chão inconsciente. Sarah mal teve tempo de reagir. No momento em que ela tentou se virar e empurrar Serena, seu corpo foi arremessado com o impacto do projétil.
Ela chocou-se contra o chão. Sua vida parecia se esvair. Neste momento seus pensamentos voaram para os confins, seus pés e mãos congelaram.
— Urgh… — Sarah soltou um grito, ela percebeu que foi inútil. Ela mal teve tempo para perceber o que estava acontecendo, quando percebeu que foi atingida por algo. Sua preciosa arma foi arremessada para longe, no entanto, ela não prestava atenção nisso.
“Aí, quente, quente, quente, está queimando…”, uma sensação esmagadora de que seu corpo fora atingido por “chamas ardentes” se espalhava.
“Caramba, isso não é bom.”, pensou Sarah enquanto levou as mãos trêmulas até a fonte do “calor”, ela não sentia nem mesmo as pontas de seus dedos. Uma sensação estranha havia tomado conta do seu corpo.
Sarah tossiu, foi como se sua fonte de vida saísse garganta a fora. O sangue fluía por sua boca a ponto de deixá-la com a respiração afoita. Quando ela olhou para o chão com sua visão enevoada viu o chão encharcado de sangue.
“Isso é o meu sangue?”, pensou Sarah.
A clareza de seus pensamentos havia sido tomada pela sensação de calor que estava recebendo naquele momento. Quando seus dedos dormentes perceberam a gravidade do ferimento, Sarah teve certeza que ela estava confundindo dor com calor. Além da deságradavel sensação de tocar o próprio sangue e ossos.
Em outras palavras, esse foi o ponto mais crítico que Sarah havia chegado em sua vida, resumindo, o vislumbre da morte iminente.
A confusão entre ‘dor’ e ‘calor’ se dissipou, assim como sua efêmera consciência. Tudo se foi num simples bater de asas de borboleta. Seus medos se desvaneceram junto com sua percepção.
Diante de sua visão turva, ela ouvia gritos desesperados enquanto passos ritmados criavam ondulações no chão. Havia mais alguém ali, além de Serena e Anne, provavelmente o responsável por seu estado. Não havia motivos para tentar identificar o rosto dessa pessoa; sua única preocupação era a segurança das duas.
— Eu definitivamente…
Sarah ouviu sons de sinos, como uma voz suave implorando para que ela vivesse. O fato de ouvi-la, de ainda ter a capacidade de ouvi-la, era como uma salvação. Ela se agarrava à consciência com todas as forças, mas sua alma lutava bravamente contra sua vontade de viver.
“…vou salvá-las!”
E naquele momento, Sarah perdeu a consciência.