Lumen Saga - Capítulo 28
“Uma hora…”, pensou Luanne, observando Theo na mesma condição. Sentado no chão com as pernas cruzadas, segurando apenas o vórtice de vento em suas mãos.
O vórtice na mão direita de Theo começou a oscilar rapidamente. O feitiço se desfez de baixo para cima, mas logo retornou, caindo em um looping até se desfazer novamente.
Luanne bateu palmas. — Ótimo, este é o seu limite.
Respirando profundamente para recuperar a energia perdida, Theo perguntou à sua madrinha: — Vai me contar mais sobre aquela “essência”?
— Bom! — exclamou Luanne. — Não será necessário. Pelo menos não para você. Acontece que a essência varia entre desviantes. Contudo, nós seguimos alguns estereótipos, como: a essência elementar, que aumenta colossalmente nossos atributos; a essência familiar, como a do seu pai, que vem de um laço familiar. E existe a essência espiritual, uma essência que seria a personificação do nosso poder, da nossa alma. Existem outros tipos, porém… descartáveis. Serão inúteis para você.
— Ok, se são inúteis para mim, onde eu me encaixo?
— Nesta última hora, eu entendi sua essência. E é uma essência espiritual. Mas… ela já está tão avançada que não será mais necessário treinar esse fundamento.
— Como assim avançada?
Ela coçou a cabeça procurando palavras para dizer. — Bom… aparentemente, você tem tanto ki, que sua própria alma teve que se personificar para além do corpo, assumindo o papel de essência. Isso não deveria acontecer, já que só é possível para quem domina a própria essência por séculos… Tem que viver muito tempo para ter tanta energia vital…
“Pelo menos algo útil Liam Mason me deixou. Com certeza essa é a energia acumulada dele.”
— Então… Vamos para o próximo passo: sua entrada na seita de Alunne.
— Hã? Seita?
Luanne abriu os braços e girou olhando para o céu.
— Os três costeiros nesta montanha representam os três grandes celestiais. Os primeiros seres a terem o dom da vida, por isso, guiam os humanos até o topo. Alunne é a celestial da lua, ela representa a estratégia, a força espiritual e a calmaria…
— São religiões — interrompeu Theo, com desdém.
— Praticamente. Nós seguimos eles, e eles nos concedem bênçãos. Eu não te trouxe aqui para segui-la, mas sim para te treinar. O que fará após isso, você quem decidirá.
— Se alguém tentar pregar a palavra de algum deus para mim aqui dentro, culparei a ti.
— Muito bem, muito bem.
Luanne deu um passo em direção a Theo e, subitamente, ambos apareceram em frente a um enorme portão. Observando o ambiente, Theo notou que haviam se movido mais de cem metros em um segundo.
— Este é o “Luna Matrix”. Uma rocha lunar coletada de um meteoro. Ela ressoa com a sua energia e indica a qual lua você pertence: lua cheia, super lua, etc. Nós somos divididos em grupos então, a ressonância que ganhar aqui, definirá a qual grupo você irá frequentar lá-dentro. Basta apenas repousar a mão no símbolo da lua e despejar energia…
Antes que sua madrinha terminasse a explicação, Theo concluiu a ação. Sobre uma esfera polida, simbolizando uma lua, ele repousou a mão e aplicou energia. A pedra foi tomada por uma energia translúcida — éter —, entretanto, ilusões carmesim banharam o oráculo.
Um choque de energia se mostrou, afetando a mente de Theo diretamente.
— Hum… então já existem planos para ele? — indagou uma voz prepotente.
Liam estava num deserto de areia fina e céu turquesa, como um paraíso. Olhando para a frente, Liam se deparou com um enorme trono, tão colossal que transformava o general num grão de areia se comparado à pessoa sentada nele.
Uma criatura que, por si só, distorcia a própria existência. Não dava para raciocinar ou sequer tentar compreender se ela realmente existia. Mesmo Liam não conseguia.
— Que pena. Porém, um homem como você não pode existir no mesmo plano novamente.
Um estalar de dedos ecoou pelo ambiente.
Theo soltou a esfera e coçou os olhos. Ele tentou processar a visão que teve. Ao se aproximar, Luanne foi até a esfera lunar e murmurou:
— Lua de sangue? O que isso significa?
— A senhora não sabe?
— Não. Esse grupo não existe…
— Eu nasci durante uma lua de sangue, talvez tenha ligação? — comentou, ainda coçando os olhos.
— Será? Talvez tenha. Não sei. O que importa é que agora você pode abrir os portões do templo — disse sorridente. Recuando um passo, a sacerdotisa abriu caminho.
Confuso e com seus olhos lacrimejando — por irritá-los —, Theo pressionou levemente o portão. Uma luz tomou sua vista, seguida por uma pressão assustadora que quase o levou para trás.
Seus olhos entreabertos arregalaram-se com a visão: uma mulher coberta por um véu, sentada num trono de marfim e estendendo sua mão para o céu. Os olhos de Theo brilharam em admiração.
— Esta é Alunne. A grande divindade da lua — disse Luanne, calando-se em seguida e fazendo uma oração.
— Para onde ela olha? — indagou Theo.
— Para a lua. A vidraça acima dela é onde a lua fica na exata meia-noite. Em todos os santuários dela isso acontece, contudo, este é o santuário principal de Alunne.
Eles desceram uma escada, indo diretamente para a estátua. Vislumbrando a celestial da lua, Theo conseguiu enxergar outra estátua nas costas.
Theo rodeou um enorme círculo central que protegia as estátuas para então conseguir decifrar a figura: um homem coberto por uma armadura, intercalando entre tecido e placas, supostamente de ouro. Uma espécie de saia cobria suas pernas, também protegida por algumas partes de placas. Seus cabelos eram ondulados e longos o suficiente para cobrir as orelhas. Seus olhos eram calmos e acompanhados por um sorriso sincero.
— Esse é… — murmurou Theo.
— Sim — assentiu Luanne. — O senhor da guerra pacífica, aquele que lutou pelo fim dos deuses… Lumen, o herói da luz.
O rapaz admirou calado, soltando suspiros pesados.
— O rosto dele é parecido com o meu…
— Exatamente. Um homem que enfrentou a morte e o trauma. Um deus que, mesmo imerso num mar de sangue, jamais desistiu de sorrir enquanto enfrentava o Deus da guerra. Este é o “deus da lua de sangue”. Por esse sorriso genuíno, concordei em te apelidar de Lumen.
As palavras não combinavam com o comentário de Theo. Luanne parecia ignorar, desviando a atenção para admirar novamente Lumen.
— Hã?
Luanne sentou num degrau e alisou suas pernas. Ela suspirou antes de explicar.
— Eu jamais pensei que algum homem poderia ser igual a ele. O único que foi genuíno em todas as suas ações. Pensei que seu pai conseguiria, mas nem mesmo Ethan reagiu muito bem à morte dos seus entes queridos. Porém, quando soube que o cataclismo negro atingiu Midian, e que você estava lá, eu pensei que chegaria em Loureto e veria uma criança vazia, sem expressão…
Parando para tomar ar, Luanne engoliu em seco olhando para o chão.
— Mas não. Você estava feliz, mesmo sentindo o peso da morte dos outros. Observei você tentar passar uma imagem poderosa para Agnes, mesmo agindo de maneira inadequada. Você estava mesmo convicto de quem queria ser. Eu admirei isso, porque, sabe? Sua madrinha viveu tanto tempo que não tenho mais esses objetivos como você.
Theo, silenciosamente, caminhou até sua madrinha enquanto ela discursava. Subindo um degrau, ele a envolveu num abraço confortável. Ela graciosamente suspirou, retribuindo o abraço.
— Então… Eu lembro ele? — indagou Theo, se afastando do abraço, porém, ainda segurando no ombro de Luanne.
Luanne sorriu.
— Sim. Espero que não encare isso como uma comparação…
— Naturalmente eu odeio expectativas e comparações. Contudo, já que é por sua causa, eu aceito. — Theo entrelaçou os dedos e esticou os braços para cima. — Então, eu sou o segundo abençoado pela Alunne?
— Mais ou menos. Você é o segundo homem que Alunne realmente abençoou. Os demais foram permitidos a entrar no templo pelas sacerdotisas.
— Entendi. Quem é esse lobo? — indagou Theo, apontando para uma estátua de lobo ao lado da estátua de Lumen.
— O primeiro ser da espécie Sirius, chamamo-lo de “Lumen Sanguis”. Ou apenas Sangue. Foi crucial no antigo Ragnarok.
— Ele é imponente — comentou. — Então, madrinha. O que viemos fazer aqui?
— Ah, claro — despertou, lembrando do objetivo.
Luanne começou a caminhar pelo santuário, subindo os degraus dos pequenos relevos. O santuário era uma enorme sala circular, com as estátuas no centro. Durante toda a estrutura, estavam espalhadas algumas portas em formato de arcos. Foi para uma dessas portas que Luanne seguiu.
— Atrás de cada uma dessas portas, temos um andar ou campo diferente do templo. Contudo, você irá entrar por esta porta — disse, apontando para uma porta já aberta.
Subindo os degraus, Theo se deparou com um brilho verde escapando da porta.
— É para mim… — assentiu para a porta.
— Sim. Pode passar, não precisa ter medo.
Primeiramente, Theo verificou de onde vinha aquela energia. Sabia que, mesmo sendo apenas um tipo de portal, a energia emanada vinha de algum desviante. Não demorou para concluir que era mana, uma versão tão bem refinada que trazia a sensação de éter.
Ainda indeciso, Theo decidiu atravessar aquela cortina densificada de mana. Após uma parede de pura mana e ter as células do seu corpo sido tocadas diretamente pela descarga de energia, ele atravessou.
Não deu tempo de Theo sequer tentar vislumbrar o lugar, que uma flecha foi atirada contra ele. Por instinto e puro reflexo, Theo conseguiu agir e criar uma barreira de ar densa que diminuiu a aceleração do projétil.
Instantaneamente, uma moça surgiu ao lado de Theo, segurando um arco em mãos. Num movimento brusco e forte, ela golpeou Theo na altura do rosto. Porém, o garoto conseguiu se proteger, somente um pouco, já que foi lançado para dezenas de metros de distância, entre escombros.
— Lady Luanne, a deusa Alunne realmente escolheu esse cara? — indagou, pondo o pé direito no ombro de Theo, que estava caído no meio dos destroços. Ela o encarou com desdém enquanto o sol ofuscava um pouco de seu rosto.