Knight Of Chaos - Capítulo 487

A pergunta de Raul era como uma pedra caindo em um abismo profundo, sem retorno algum.

Não só Dimitri estava pálido e tremendo, mesmo o próprio Fernando ficou chocado com isso.

Cavaleiro da Presa Voraz? Desde quando provoquei alguém assim? pensou, nervosamente, lembrando-se sobre o que havia ouvido falar a respeito dessa pessoa.

Até mesmo ele, alguém ignorante sobre o mundo, havia lido sobre o mesmo nos jornais. Kaisar, o Marechal da Guerra dos Lobos de Batalha, uma das Dez Grandes Legiões! Um poderoso Cavaleiro que havia enfrentado até mesmo alguns Clãs Marauders nas linhas de frente, conseguindo conquistar vários territórios para a humanidade. Não só isso, como também já tinha ouvido da boca de Argos a respeito de seu passado sombrio com os Leões Dourados.

Como alguém como ele, um Tenente que mal havia começado a construir sua reputação, poderia provocar alguém desse calibre? Eles simplesmente estavam em mundos diferentes!

Inicialmente imaginou se era uma questão envolvendo os recrutadores dos Lobos de Batalha que foram mortos por terem tentado o sequestrar em Belai, ou sobre o caso com a Cidade Mil flores, onde ele estragou os planos da Legião Pantera, subordinada a eles, também havia a questão sobre os espiões de Vento Amarelo que levou para si, como Argos. Ao parar para pensar nisso, Fernando percebeu algo.

Eu meio que não tô sempre entrando no caminho deles? Será que é por isso? supôs, com algum receio.

Mas logo descartou a ideia, dentre os recrutadores que ele lidou, não havia ninguém importante. Quanto a Argos, como ele não estava em Vento Amarelo e sua deserção ainda não era sequer conhecida pelo outro lado.

Boom!

De repente, Dimitri avançou, chegando bem a frente do jovem Tenente, agarrando-o pelos ombros e levantando-o como um espantalho de pano.

“Diga a verdade, rapaz, o que você fez? Isso não é brincadeira!” O General falou, gritando. “Estamos falando de um Marechal da Guerra de uma Grande Legião, se ele agir, estamos acabados!”

Mesmo que os Lobos da Batalha tivessem alguma inimizade com os Leões Dourados de longa data, não se atreviam a mexer diretamente com a outra parte, devido à pressão das demais Grandes Legiões. Mas se Fernando tivesse, de alguma forma, dado um motivo plausível para que o Cavaleiro da Presa Voraz se envolvesse, a situação se tornaria totalmente diferente.

“N-nada?” Fernando respondeu, com algum nervosismo, nunca tendo o visto tão fora de controle como agora, então resolveu fingir ignorância e esconder o que sabia sobre Kaisar.

Mesmo quando estavam cercados pelas tropas Orcs em Belai, o homem não vacilou, mas agora parecia estar completamente em pânico. Já Raul, não parecia surpreso com as ações do General. De repente, o velho virou seu olhar em direção a ele.

“É melhor explicar o que você quer dizer com essas palavras, Capitão Raul.” exigiu, largando Fernando, após ver que o rapaz estava tão confuso quanto ele próprio. Na verdade, ao respirar e pensar com calma, percebeu que não fazia sentido que um Tenente como o garoto, que estava em Avalon a tão pouco tempo, conseguisse irritar aquela pessoa. Mesmo se ele se esforçasse ao máximo para isso, não conseguiria.

Raul, recebendo a atenção do General, respondeu, sem ousar esconder nada.

“Eu também não tenho certeza sobre as circunstâncias, mas há alguns dias, um General dos Lobos de Batalha, chamado Baison, chegou em Belai. Ele parecia estar investigando algumas coisas e fez muitas perguntas sobre muita gente. Se fosse um General qualquer, não seria um grande problema, mas pelo que ouvi falar, essa pessoa só responde e age ao comando do próprio Presa Voraz.” O Capitão explicou, de forma séria. “Ele perguntou principalmente coisas relacionadas a Ferman, o Cavaleiro Branco de Condor, mas depois de um tempo fez algumas perguntas sobre Fernando.”

Ouvindo isso, tanto Fernando, quanto Dimitri, ficaram chocados.

Era de conhecimento de muitas pessoas, que o Cavaleiro Branco tinha se reunido com o jovem Tenente em Belai e havia até mesmo intervido a seu favor no julgamento militar que o rapaz passou. Mas não era algo realmente digno de nota, afinal ele foi apontado na época como aquele que criou a tática que levou a quebra do cerco na cidade.

Não era estranho que uma alta figura como Ferman quisesse dar algumas dicas a um talento emergente que havia tido uma conquista que o ajudou indiretamente. Até mesmo Dimitri havia tido a oportunidade de se reunir algumas vezes com o homem, mesmo que brevemente.

“O que diabos está acontecendo? Então isto está relacionado ao Cavaleiro Branco? Espero que não nos envolvam em conflitos dessa escala.” Dimitri disse, pensando profundamente, temendo que os Leões Dourados fossem arrastados numa disputa entre Condor e os Lobos de Batalha.

Mesmo que gostasse muito de Fernando e sentisse que seu talento era um dos maiores que já havia visto, será que valia realmente a pena se colocar entre ele e um monstro como Kaisar?

“Essa pessoa, não é possível conversar com ele para compreender qual é exatamente o seu problema comigo?” Fernando perguntou, lembrando-se do que Argos havia contato sobre ele.

A expressão de Dimitri era feia ao ouvir isso. Como subordinado de Kalfas, Dimitri conhecia muito bem Kaisar, tendo até mesmo ajudado a treiná-lo quando jovem, ainda na época que o mesmo fazia parte dos Leões Dourados. Mas era exatamente por conhecê-lo e entender sua personalidade deturbada, que qualquer coisa relacionada a esse homem lhe fazia sentir calafrios.

Por um tempo, quando soube a respeito da invasão dos Elfos Negros no Norte, até pensou em pedir por sua ajuda. Afinal, o homem era filho de Kalfas, por mais que estivessem em Legiões diferentes no momento, ainda tinham um laço sanguíneo que não poderia ser negado, entretanto, rapidamente descartou essa ideia.

“Isso é impossível!” Dimitri disse, franzindo o cenho, lembrando-se do passado distante. “Essa pessoa jamais vai aceitar falar comigo ou qualquer outra pessoa dos Leões Dourados. Na verdade, acho que se pudesse, já teria nos atacado há muito tempo.”

“O que exatamente houve?” Fernando questionou, fingindo interesse e surpresa, mesmo que conhecesse parte do passado, seria difícil explicar que ele tinha um ex-espião dos Lobos de Batalha como subordinado. Além disso, mesmo que não soubesse do porquê Kaisar estar atrás dele, precisava fingir não saber sobre o mesmo, pois caso Dimitri deixasse de apoiá-lo, sabia que estaria em apuros.

Raul, ao ver o jovem Tenente agindo de forma tão descarada, pensou em interrompê-lo, mas rapidamente desistiu, interessado em observar seu teatro e ver até onde iria.

Dimitri tinha um rosto franzido, mas não parecia muito incomodado. Normalmente era um tema que ele evitaria, mas dada a situação atual, achou que seria melhor que o Tenente soubesse.

“Kaisar, o Marechal da Guerra dos Lobos de Batalha. Mesmo que seja uma das pessoas mais poderosas e influentes dentro dos Lobos, ele, na verdade, já pertenceu uma vez aos Leões Dourados e não só isso, ele é filho de Kalfas.” Dimitri disse, com alguma reminiscência em seu olhar. 

Essa informação surpreendeu Fernando completamente, ou pelo menos era isso que aparentava em sua expressão.

Moleque sem-vergonha, cara de pau. Raul pensou, indignado. Mesmo ele não se atrevia a mentir para um General dessa forma.

“Antes de se tornar um Cavaleiro e obter o título de Presa Voraz, ele era um General dos Leões Dourados, um dos mais talentosos e destacados que já tivemos. Ainda na época em que acabará de se tornar Paladino, pouco após começar a ganhar destaque dentro da Legião, seu talento incomum e conquistas sucessivas incitou a inveja de muitas pessoas, principalmente por ele ser um Usuário de Habilidades e não do Sistema de Magia.” disse, com alguma hesitação se deveria continuar ou não. “Mas o fator que causava ainda mais rancor entre os demais Generais, era o fato de ele não ser da Terra, mas um nascido em Avalon.”

Fernando não ficou surpreso, não apenas por já ter ouvido a mesma história da boca de Argos, como pelo fato de ser um Tenente, estando ciente das diferenças sociais que havia entre os Humanos Errantes, que vinham da Terra, e dos Avalonianos. Devido ao seu baixo talento, o segundo grupo sempre era marginalizado e usado como mão de obra barata. 

Mesmo sabendo disso, nunca pensou muito a respeito, afinal não era um assunto que ele poderia resolver de qualquer forma, então apenas aceitou a situação como ela era. Porém, por mais que entendesse que pessoas avalonianas eram discriminadas devido ao seu baixo talento, o que fazia sentido num mundo onde havia tanta luta pela sobrevivência e disputas por recursos, não deveria ser o mesmo para Kaisar, que tinha tal tipo de talento.

“Se ele era tão capaz, então por que havia pessoas tentando causar problema?” O jovem Tenente perguntou, tentando sondar por novas informações.

Inicialmente ele não se importava com as brigas entre Kaisar, os Leões Dourados ou qualquer outro, sentindo que não lhe dizia respeito, mas agora as coisas eram diferentes. Com um Cavaleiro buscando por ele, precisava estar o mais preparado possível!

Tanto Dimitri, quanto Raul, ficaram desconcertados com a pergunta do rapaz, cada um por um motivo diferente. Enquanto o General ficou levemente surpreso com a ingenuidade do rapaz, Raul não pode deixar de xingá-lo mentalmente por ser tão cínico.

Esse pivete de uma figa… pensou, coçando o punho para ensiná-lo uma lição.

Balançando a cabeça, Dimitri prosseguiu.

“Mesmo que sejamos todos Humanos, algumas pessoas veem os avalonianos como seres de segunda categoria, pelo fato de não serem abençoados pela Matriz do Mundo, enquanto outros os enxergam como um recurso para o plantio e outros serviços braçais. Somando isso as diferenças culturais e educacionais das pessoas desse mundo, que são tão rasas, é muito fácil criar essa perspectiva. Então quando aparece um avaloniano com talento, muitos vão vê-lo como uma ameaça a nossa sociedade atual.” Dimitri disse, sentindo-se um pouco envergonhado, afinal mesmo sendo um General, era uma realidade muito além de seu poder. 

Fernando fingiu estar pensativo e acenou com a cabeça.

“Além disso, culturalmente, dentro dos Leões Dourados e na maioria das Legiões, o Sistema de Habilidades não é muito aceito devido à dificuldade de implementá-lo em massa. Mas alguém poderoso com Habilidades ainda tem uma grande vantagem sobre pessoas do Sistema de Magia em batalhas individuais.”

Mesmo sem a explicação de Dimitri, o jovem Tenente já entendia a situação. Ter um Usuário de Habilidades extremamente poderoso circulando entre eles, provavelmente gerou apreensão em Generais e outras pessoas importantes do Sistema de Magia da cúpula dos Leões Dourados. Se por acaso Kaisar quisesse emboscar algum deles numa área como o Salão da Recepção de alguma cidade, muito provavelmente teria sucesso! Esse era o nível de ameaça que um Usuário de Habilidades representava para um Mago.

“Alguns Generais e membros do Conselho Dourado, passaram a dificultar a vida dos Usuários de Habilidades dentro da Legião, visando diminuir principalmente a influência de Kaisar. Porém… eles simplesmente não sabiam com quem estavam lidando!” O rosto de Dimitri era escuro ao falar disso. “Ele começou a usar os atos hostis do Conselho para angariar seguidores dentre os Usuários de Habilidades e no fim, planejou um golpe dentro da Legião. Seu objetivo era derrubar o Conselho e tomar o lugar de Líder Legionário para si!”

Fernando ouviu tudo atentamente, extremamente interessado, principalmente a respeito do ‘Líder Legionário’. Mesmo que não se importasse com as pessoas poderosas desse mundo, esse era alguém que ele havia feito questão de pesquisar sobre. Ele já havia tentado investigar coisas a respeito do atual Líder dos Leões Dourados, mas informações sobre ele eram poucas e desconhecidas. Tudo que se sabia é que ele era uma pessoa reservada, que raramente deixava a Cidade Dourada. Questões como sua idade, aparência ou mesmo força, simplesmente não existiam.

“Quando ele estava reunindo aliados secretamente, tentou convencer seu pai, Kalfas, a ajudá-lo, pois o General tinha muito prestígio na Legião. Mas mesmo que fossem pai e filho, Kalfas se recusou a apoiá-lo.” Dimitri disse, com alguma melancolia. “Mas ele nunca imaginou que Kaisar havia vindo preparado para isso, nos emboscando. Naquele dia, eu, Wos, Kolovs, Lenon e muitos outros seguidores lutamos ao lado Kalfas contra seu filho. No fim, Kaisar foi subjugado por seu pai, mas mesmo com essa agressão a sua parte e sendo leal a Legião, no fim, ele não teve coragem de matar seu próprio filho e lhe permitiu sair, rompendo todos os laços com o homem. Após isso, Kaisar abandonou a Legião e informações a respeito de seus planos de rebelião chegaram aos ouvidos do Conselho Dourado, que reagiu rapidamente, expurgando muitos de seus seguidores e aliados, e pressionando ainda mais os Usuários de Habilidades da Legião no processo, mesmo quem não era Avaloniano.”

Fernando ficou sem palavras com isso, pela primeira vez surpreso, não imaginando que tipo de pessoa era capaz te tentar matar o próprio pai. Ele havia ouvido falar de Argos que ambos tinham rompido suas relações, mas não imaginou que a situação chegou neste ponto.

“Mesmo com os esforços da Cidade Dourada em capturá-lo após sua partida, Kaisar de alguma forma acabou conseguindo escapar. Na época, um exército com 25.000 homens e cinco Generais, liderado por um membro do Conselho, o perseguiramiu, mas apenas um mensageiro retornou trazendo notícias da derrota. Naquele dia, os Leões Dourados, que estavam a um passo de se tornarem uma Grande Legião, tiveram o início de seu declínio. Não só perdemos muitas tropas e Generais sem ter conseguido matar o rebelde, como os Lobos de Batalha, com quem tínhamos apenas uma leve rivalidade, o acolheuram como forma de provocação, tornando-se nossos inimigos em todos os sentidos. Como consequência, muitos Usuários de Habilidades, que odiavam o tratamento recebido e outros seguidores que conseguiram fugir, acabaram por seguir Kaisar.” Dimitri disse, com uma expressão pensativa, então voltou seu olhar para o rapaz. “Agora você entende, por que não há como conversar com essa pessoa?”

A expressão do jovem Tenente era incomumente tensa, não imaginando que havia esse tipo de passado problemático. Mas apesar de soar como um drama melancólico para a Legião, seu ponto de vista era bem claro a respeito.

Um bando de idiotas causou tudo isso por medo e inveja? Eles apenas cavaram a própria cova. pensou, com um rosto calmo. Para ele, se os cabeças da Legião não tivessem causado problemas, nada disso teria acontecido para começo de conversa. Mas apesar de ter essa opinião, não se atreveu a compartilhá-la com Dimitri, temendo sua reação.

“Então, por que alguém assim, mandaria um General atrás de mim?” perguntou, franzindo o cenho. Nesse ponto, ele já havia começado a fazer algumas especulações mentais, mas não podia dizê-las ao General;

“Isso é o que eu gostaria de saber!” Dimitri exclamou, irritado, fazendo o jovem Tenente se encolher. “Primeiro o problema com a Família Lopes e agora isso, rapaz se você não fosse tão talentoso, eu mesmo acabaria com você!”

O Capitão, ao perceber que o General estava ficando fora de controle, rapidamente interviu.

“Não sei exatamente o porquê esse General sob o comando do Presa Voraz estava buscando informações sobre Fernando. Mas o General Telles, como um bom amigo do Cavaleiro Branco e sendo relacionado a ele, o despistou com informações falsas, alegando que ele foi enviado para o Norte. Vai levar algum tempo até perceber que foi enganado.” Raul esclareceu.

Dimitri ficou mais aliviado ao saber disso, já que lhe dava tempo para pensar no que fazer a seguir e quais medidas tomar. Após isso, o General continuou questionando o rapaz com uma série de perguntas, mas acabou saindo de mãos vazias, desistindo no final, acreditando que o mesmo acabou por ser implicado em algo que não tinha relação direta, apenas por conhecer Ferman em Belai.

Quando o velho homem saiu, de forma apressada, para fazer algumas coisas, Raul levantou-se, indo até a porta. Após certificar-se de que o velho tinha realmente partido, olhou para Fernando.

“Bem, moleque, agora que estamos a sós, e você não tá mais quase batendo as botas, vamos conversar direito.” disse, olhando para o jovem Tenente com um olhar sério, incomum para ele. “O Cavaleiro Branco, você mostrou aquilo para ele?”