Kami - Capítulo 3
Antes que meu colega pudesse cair direto na boca da criatura eu pulei do Alogo e me agarrei a ele. Criando uma rajada de vento abaixo de nós, eu pude desviar e reduzir o impacto da queda…
—Mais que porr… — Ele parou de falar assim que viu o que nos lançou para os céus.
—Um monstro… e um dos grandes — Falei mais para mim mesma do que para ele.
Uma enorme criatura com um formato semelhante ao de um urso havia emergido das terras, isso se os ursos tivessem 10 metros de altura e fossem feito de rochas e espinhos.
—Eliza, você está…
O monstro gigante deixou apenas um borrão da sua imagem para trás, rapidamente me agarrei ao Waru novamente e saltei para o mais longe possível.
Foi por um triz! Uma enorme cratera havia sido criada onde estávamos, se tivéssemos demorado mais um único segundo… Foco Eliza! Seu oponente é extremamente forte, seria suicídio lutar frente a frente…
Ele é grande, muito ágil e extremamente forte… e ainda por cima, possui a natureza Ena… Pense Eliza… Pense!
—Waru! Estado do seu corpo! RÁPIDO!
—60%… — Ele sussurrou.
Merda! Foi realmente grave… Ele absorveu quase todo o impacto no Alogo, e eu também não estou no meu 100% pra matar essa criatura… Droga!
—Descanse e concentre-se no seu corpo…
—Eliza! Você não vai conseguir vencer…
—Sim, sim… Quem vai matar aquele grandão ali é você, então não demore muito ou eu acabarei morrendo no processo de distração. — Disse eu com um sorriso fraco em meu rosto
—Tsk! Preciso de apenas alguns segundos… consegue?
Antes que pudesse responder, o monstro já estava voando em nossa direção, deixando apenas um enorme borrão para trás.
Esse truque não funciona mais! Rapidamente girei meus calcanhares e lancei uma rajada de vento na direção do Waru o retirando da zona de combate, me deixando pouco tempo para esquivar do próximo ataque, porém foi o suficiente…
—Muito bem urso medonho, talvez eu brinque com você por um tempo…
Baixo! Baixo! Baixo! Imbui o máximo de vento comprimido em minhas pernas e saltei o mais alto possível.
Meu Deus! Que bom que estava certa, esse monstro também possui uns truques… Enormes espinhos de arenito surgiram do solo e por centímetros eu não perco a minha mobilidade ou até mesmo minha vida!
No canto da minha visão eu vi um enorme borrão negro se movendo em minha direção… Espera! Como? Ele não deveria saltar tão alt…
Mesmo me defendendo, a enorme pata da criatura me atingiu em cheio… de repente minha visão ficou turva e o mundo estava girando ao meu redor…
…
—…za…
—…liza…
—ELIZA!
Recuperei o pouco de consciência que eu tinha e com muito esforço imbui uma camada de vento sobre minhas pernas, e me levantei. Eu devo estar em 40% agora… sem contar que meu braço esquerdo já era, e provavelmente minhas pernas não vão durar muito… eu realmente não tenho escolha…
—Eliza! Desvie desse próximo ataque e se manda pro mais longe possível! Só preciso que faça isso!
Minha respiração já está pesada? Que patético… Então, só preciso desviar e correr… desviar e correr…
Entrando na minha posição de disparada, comecei a focar o máximo de vento nas minhas pernas, e sem hesitar desembainhei a Ikyria e comecei a imbuir jinh nela.
Seu brilho azul celeste ficou cada vez mais forte enquanto a pressão do vento esmagava o solo abaixo dos meus pés, é tudo ou nada agora…
—O VÓREIOS ÁNEMOS ME EVLOGEÍ
O monstro se virou para me encarar.
—ME TIN TACHÝTITÁ SAS.
Um enorme rugido de raiva e rancor ensurdeceu mais ainda minha audição.
—STIN ÁGRIA ZOÍ SAS.
O borrão da criatura foi o que eu vi, e logo em seguida o enorme monstro estava a poucos metros de distância do meu corpo.
—NIÓSTE TON THÁNATO!
Quando as enormes garras do monstro iriam partir a minha cabeça o mundo parou diante dos meus olhos, os ventos se fundiram ao meu corpo, a sensação da dor e do poder correndo em minhas veias era estranhamente familiar, eu me sentia mais leve, mais rápida e mais… mortal. Eu girei meu corpo e me impulsionei na direção da enorme criatura e sem dó ou arrependimentos eu desferi um ataque em alta velocidade no seu peito, eu podia sentir meu corpo original queimando e se rompendo com o ataque, mas… Mesmo que por um segundo… só um único segundo… eu me senti como se eu fosse o próprio vento, correndo com suas violentas brisas por um campo vazio…
…
O calor da lareira sempre me acalma… É tão bom estar aqui com você mãe… Eu senti tanto a sua falta… Achei que tivesse te perdido para sempre… Espera, calor? Mãe?
Abrindo meus olhos desesperadamente me deparei com um enorme lustre feito de cristais e adornos de prata.
Pelo visto eu acabei em uma situação bem grave… Eu não sinto meu braço esquerdo e minhas pernas mal respondem aos meus comandos…
Utilizando meu braço direito e o pouco de jinh que havia em meu corpo, consegui me aproximar e escorar em uma das paredes gélidas desse local estranho.
Observando melhor os arredores, havia um enorme pedestal feito de mármore no centro. A chama emitida na ponta dele iluminava toda a sala circular me permitindo ter uma visão do que havia nela.
O teto era feito de pedregulhos e cabos de aço que o sustentava pelas paredes, parecia uma gaiola submersa nas pedras, o chão era feito de mármore liso, o que era muito estranho ao julgar pelo estilo “rústico” da sala.
Olhando a minha direita, havia uma enorme porta de madeira branca adornada com prata.
Voltando o foco ao meu corpo acabado, comecei a juntar pequenas partículas de jinh que pairavam na atmosfera para os meus membros feridos. Ao todo, tanto meu braço esquerdo quanto meu ombro direito estavam em uma situação muito mais crítica quanto ao resto do meu corpo, meu torso e minhas pernas iriam se recuperar logo, eu só precisarei de muito jihn… Então acho que o melhor a se fazer, seria reabastecer e expandir as minhas reservas de jihn.
Inspirando o máximo de ar possível, prendi a minha respiração e comecei a contar até dez…
Um… Dois… Três… Quatro… Cinco… Seis… Sete… Oito… Nove… Dez…
Soltando todo o ar que eu havia acumulado em meu pulmão, eu inspirei novamente o máximo de ar e repeti todo o processo até que eu conseguisse implementar o jihn na minha respiração.
Todo esse processo lento e demorado me lembrou das aulas de Práticas Elementares, eram bons tempos… Às vezes sinto falta daquela época, da escola, dos professores e da minha mãe…
…
O vento soprava pela janela ao meu lado fazendo os meus cabelos voarem, a sala estava quieta e focada na aula do professor Lidel.
—Bem, alguém aqui sabe me dizer como funciona o jihn? — Perguntou o professor, enquanto ele se sentava na sua mesa.
Um garoto sentado na segunda fileira ergueu a mão com empolgação.
—O jihn pode ser encontrado em pequenas partículas na atmosfera e assim que ele é absorvido por alguém ele dança no corpo da pessoa a fazendo ficar mais forte, rápida e resistente, além de conseguir melhorar os cinco sentidos que nós temos…
—Ótima resposta Kale, porém e se eu mudar um pouco a minha pergunta. — Ele respondeu enquanto escrevia no quadro. — E se eu perguntar a seguinte coisa… Como o jihn funciona em diferentes naturezas e quais as diferenças ele provoca… Alguém saberia me responder…
A sala toda ficou em silêncio curiosa pelo o que o professor queria dizer.
—Hmm… Professor, como assim diferenças? Isto não faz sentido, já que para um usuário utilizar as naturezas ele precisa de uma boa prática com o jihn… Mas não existem tecnicamente diferenças para isso…
—Você está correto, porém existem sim diferenças causadas de natureza para natureza…
—Isso quer dizer que o jihn se comporta dentro de um corpo de natureza Aurus é diferente de um corpo de natureza Otus?
Ele apenas assentiu com a cabeça.
—Professor… — Falei enquanto erguia a mão — Isto está relacionado com as fraquezas elementares e com as regras das naturezas?
—Exato! Boa observação Eliza… — Ele falou enquanto batia leves palmas — Vocês nunca se perguntaram porque os Ena tem bem mais vantagens contra os Aurus? Ou porque é proibido e tecnicamente impossível um usuário de natureza Aurus também possuir a natureza Otus?
Apenas murmúrios e as cabeças dos alunos em negação foi o que ele teve de resposta.
—Todos aqui sabem que existem quatro tipos de usuários de jihn… Poderiam me dizer quais?
—Eles são os No-Natus, os I-Natus, os Do-Natus e também os A-Natus… — Falou o garoto que sentava ao meu lado.
Aplaudindo com suas mãos o professor continuou a falar.
—Muito bem! Muito bem mesmo! Começando pelos No-Natus… Eles são pessoas que nascem sem nenhuma natureza em seu organismo, ou seja, eles não conseguem manipular nenhum elemento básico seja água, fogo, terra ou vento, mas… Isso não impede pessoas No-Natus de serem incríveis, pois como eles não podem controlar nenhum elemento, suas características e afinidade ao jihn é no mínimo espetacular, além de também ter uma reserva gigantesca de jihn localizada no seu estômago.
—Professor, isso explica o porquê usuários No-Natus ficam com fome após utilizar o jihn?
—Exato! Assim como se forem acertados em cheio na barriga, pode até matar um No-Natus…
Anotando tudo em meu caderninho, voltei a prestar atenção no professor.
—Os I-Natus e Do-Natus são tecnicamente a mesma coisa, apenas se diferenciando em um único aspecto… Os I-Natus nascem apenas com uma natureza e já os Do-Natus nascem com duas naturezas… O caso os Do-Natus é algo raro, já que para um usuário nascer com duas naturezas elas precisam ser compatíveis, ou seja, elas seguem a Regra da Sobreposição… — Ele se virou para escrever no quadro novamente — A Regra da Sobreposição funciona do seguinte modo: Ena a terra sobrepõe Hydrat a água / Hydrat a água sobrepõe Otus o fogo / Otus o fogo sobrepõe Aurus o vento e por fim… Aurus o vento se iguala ou é rebaixado por Ena a terra.
—Rebaixado ou igual? Mas porquê? Aurus não deveria sobrepor Ena? — Eu exclamei em indignação.
—Sim Eliza… Isso é injusto… Até hoje em dia não descobrimos o porquê isso acontece, a única coisa que sabemos é que se o assunto é Ena contra Aurus, tudo depende no nível do usuário… — Ele falou enquanto limpava seus óculos no seu manto carmesim — Mais voltando aos Do-Natus, só existem dois tipos deles. Os Enopotus que dominam as terras e as chamas e os Hyrus que dominam os ventos e as águas.
A classe toda estava com a cabeça baixa escrevendo anotações sobre o que o professor havia dito.
—E os A-Natus, eles são pessoas anormais… Eles são pessoas que nascem com alguma deficiência na sua natureza, fundindo-a com outros aspectos, seja regiões do corpo, o jihn e até elementos que tecnicamente são proibidos… Então pensando que um A-Natus nascesse com suas veias fundidas com o jihn e o elemento Otus nada o impediria de ter uma reserva de Hydrat em teu corpo… Sendo assim teríamos um usuário com capacidade de manipular o fogo e água, mas isso é só uma suposição… Então não deve ser considerada como algo real.
Ele deu uma pausa para terminarmos as nossas anotações enquanto bebia água do seu cantil.
—Bem, já que ninguém me deu a resposta sobre como o jihn funciona em diferentes naturezas e quais as diferenças ele provoca, eu irei dizer-lá no lugar de vocês… Basicamente uma pessoa No-Natus tem sua reserva de jihn no estômago, justamente para conseguir obter um reservatório maior, agora um usuário de natureza Aurus como um exemplo, ele não terá um reservatório de jihn no estômago… E sim nos pulmões… Tanto para facilitar a saída de vento guiada por jihn quanto para o fortalecimento do corpo utilizando os ventos, e é por isso que usuários de Aurus ficam com a respiração pesada após movimentos mais complexos… Entende? Cada natureza tem sua própria reserva em um lugar especial para ela… Os Aurus tem suas reservas localizadas nos pulmões, os Otus tem suas reservas na pele e nas glândulas sudoríparas, os Hydrat tem suas reservas nas articulações e músculos e os Ena têm suas reservas nos ossos… Por isso existem vários treinos diferentes para cada natureza!
Diversas palmas foram feitas para apresentação do nosso professor.
Então se eu quiser ficar forte, eu tenho que treinar e aumentar a capacidade dos meus pulmões…
—Eliza…
Uma voz familiar estava me chamando, mas ninguém da sala disse algo…
—Eliza… Acorde…
Acordar? Espere o que?