Kami - Capítulo 2
Urgh, onde… estou?
—Bom dia bela dama…
Eu soltei um grito de espanto ao ver o rosto do meu melhor amigo bem na minha frente, eu parei e olhei ao nosso redor, a gente estava em uma tenda fechada e em suas paredes havia gravuras do símbolo da minha guilda.
—Nossa! Eu sou tão feio assim pra você gritar dessa maneira? — Ele falou enquanto franzia a testa.
—Não… não! Eu só tive um sonho estranho, foi… só isso Waru.
Ai! Minha cabeça dói! Mas que droga de sonho foi aquele? Me levantei da cama feita de caixas e feno e me sentei em um dos caixotes ao lado dele.
Tirando a minha cabeça ainda desnorteada, o resto da atmosfera estava até que agradável.
—Se quiser conversar… — Ele respirou fundo— Você do nada caiu no chão e então começou a resmungar sem parar… coisas como, “quem é você!” ou “o que aconteceu!”, cara você quase me matou do coração quando começou a gritar isso do nada, está tudo bem?
—Foi só… sei lá, nem eu entendi direito, era um monstro falante e muito forte, aí do nada um garoto apareceu e ‘boom’ aí depois ele havia perguntado se eu acreditava e… argh! por que minha cabeça está doendo tanto!
—Deve ser porque você a bateu com tudo no chão?! — Ele se inclinou para a frente e sussurrou — Estou preocupado! Nós estamos indo a uma missão de alto nível, e como isso está acontecendo frequentemente…. e se você… acabar desmaiando no meio da batalha?
O silêncio preencheu a pequena tenda dando apenas pra ouvir apenas o som da nossa respiração e os murmúrios vindo de fora.
—Sinceramente… Eu agradeço pela sua preocupação, mas… eu estou pronta para o combate Waru…
A luz do sol banhou a entrada da tenda que acabara de ser aberta, de lá surgiu a imagem de um homem alto com uma túnica negra acompanhada de sua enorme e chamativa ombreira de aço.
Rapidamente eu e o Waru ficamos de pé e fizemos uma reverência ao homem.
—Hoho! Parece que minhas crianças aprenderam bons modos?
—Obrigado pelo elogio capitão! — Disse Waru com um sorriso.
—Hmmmm — Ele parou seus olhos frios e afiados sobre nós — Espero que tenham descansado bastante, porque eu irei mandá-los para o Sul e pelo relato das outras duplas, é lá onde tem maior concentração de anomalias e extra ranks…
Ele falou enquanto nos mostrava uma foto.
—Urgh! mais que tipo de… “treco” é esse? — O Waru disse fazendo uma careta.
—Esse é um cachorro que estava por perto antes do desastre começar… Então se encontrarem uma anomalia, oblitere-a imediatamente, e se caso falharem em matá-la… Rezem para fugir inteiros.
E pensar que um cachorro tão fofo poderia se tornar esta aberração! Como é possível um cachorro ganhar mais de dois metros de altura e duas bocas cheia de espinhos de terra? isso é bizarro e cruel…
—Mudando um pouco o assunto… Zero, você conseguiu aquilo que te pedi? — Perguntei mantendo minha postura rígida.
—Sim, eu arranjei aquilo… — ele falou enquanto apontava para uma caixa preta que estava no canto da tenda.
Eu caminhei e peguei a pesada caixa negra, com muito esforço a coloquei sobre a cama, eu podia ver a ansiedade e animação estampada nos rostos da minha “pequena plateia” e sem esperar mais um único segundo eu destravei as laterais e assim que a abri, fui recebida por uma luz azul celeste que se refletiu em meu rosto.
—Uma cimitarra feita do mais puro e raro “Blue Steel” e com uma lâmina capaz de cortar até mesmo o aço puro… às vezes você me assusta com seus pedidos, sabia?
—Que? Blue steel? Ma-mais… esse tipo de aço é muito raro, ainda mais neste país! O que realmente é assustador aqui, é como você conseguiu isso!
A surpresa e a cara de espanto do Waru foi algo irresistível para não cair na gargalhada, essa sem dúvida foi a melhor risada que já consegui esboçar em toda minha vida.
—Ai ai! Agora parando com a palhaçada, se arrumem logo, porque a montaria já está pronta e preparada para enfrentar esse desastre.
—Ahhh… Capitão Zero, qual será o desastre que vamos enfrentar? — O Waru falou enquanto se sentava na minha cama.
—Um terremoto… mesmo que ele esteja ocioso por agora, alguns monstros não estarão… então tenham um extra cuidado ao entrar em campo…
Ele saiu da tenda sem dizer mais nada, me deixando a sós com Waru novamente.
—Beeem… eu irei para minha tenda me trocar e me preparar… A não ser… Que queria que eu veja a senhorita se trocando…
—Se manda logo! — Falei enquanto atirava o caixote nele
Ele apenas riu como resposta e rapidamente saiu da tenda.
Um terremoto né? Realmente vou precisar ter um cuidado extra nessa missão… criaturas de pedra e anomalias, acho melhor deixar os monstros rochosos para o Waru lidar enquanto eu mato as anomalias, isso se eu conseguir…
Ahh é uma droga ter a natureza de Aurus o vento, principalmente contra a natureza Ena as rochas, eles têm bem mais resistência aos ventos assim como se fortalecem muito lutando contra um… Espero que esse novo presente me ajude, não é mesmo… verdade, ainda preciso nomear você, deixe-me pensar… Já sei! Que tal Ikyria ? Este é um bom nome pra você… falei para minha nova cimitarra, a minha nova parceira, Ikyria.
…
Inspira… Expira… Concentre-se… Ataque… Agora estou pronta.
Peguei a Ikyria guardada na sua bainha negra e a coloquei no meu cinto, dando uns últimos reparos na minha armadura e nos meus pontos fracos só me faltava uma única coisa, juntando minhas mãos e me ajoelhando eu sussurrei.
—Eleftheróste me apó to thánato.
Uma onda de calor sutil cobriu toda minha armadura com a Escrita Antiga, que na minha visão, não passava de um monte de letras brilhantes espalhadas por todo meu corpo, após esperar a luz branca desaparecer junto com as letras eu me levantei.
—Senhorita Eliza, irei acompanhá-la até sua montaria — Falou a criada que estava na entrada da tenda.
Eu assenti com a cabeça e segui rumo afora.
Minha tenda estava localizada em uma enorme clareira, mais a frente eu pude ver um enorme círculo rodeado por pedras, provavelmente isso seria uma futura fogueira, observando os arredores haviam várias outras tendas coloridas, umas azuis outras verdes e até pretas.
Então foi assim que eles se organizaram… Interessante.
—Por aqui, senhorita.
Voltando minha atenção para a criada, eu continuei a segui-la.
—Tem várias tendas e pessoas… Planejam construir um posto de vigia aqui? — Perguntei enquanto caminhávamos pelas tendas.
—Exatamente, nós esperamos que isso se torne uma cidade! Descobrimos que estabelecer uma boa base aqui, nos ajudará nos transportes tanto contra os desastres, aliás é aqui onde todas as estradas se encontram, então basicamente podemos ir a quase qualquer lugar do reino. — Ela respondeu enquanto passamos por uma ponte que cruzava o pequeno riacho.
Foi até que uma boa e curta caminhada, eu já podia ver o Waru se alongando mais à frente. Ele estava “equipado” com uma blusa preta de manga longa e uma calça cinza com suas botas de couro, parecia mais que ele estava indo pra um jantar em família do que pra um campo de batalha mortal.
—Bom, está preparado? — Perguntei a ele.
—Hehe, eu só estava à espera de você. — Ele respondeu com um uma piscadela.
Ignorando minha vontade de meter um soco na cara dele, apenas revirei meus olhos em resposta.
—Cof cof… A montaria já este ativa com a Escrita Antiga. — Falou a criada
Acenando a cabeça para ela, uma enorme estrutura de aço apareceu de dentro da barraca mais próxima, ela era enorme e feita de puro aço, tendo uma roda na sua parte traseira e mais outra na parte dianteira.
—Mas o que é isso? — Perguntei em espanto.
—Isto é um Alogo… É uma antiga relíquia que resgatamos do mundo antigo, pelo visto nossos antepassados se locomoviam com isso e pelo que estudamos, essa relíquia consegue ser dez vezes mais rápida que um cavalo comum.
—Como vamos andar nesse Alogo?
—Nã nã ni na não! — Disse Waru — Nós não vamos andar, mas sim voar nessa belezinha! e para sua sorte… Eu pratiquei muito enquanto você brincava de dormir.
Soltando um leve sorriso para meu colega bobo, eu subi na parte traseira do Alogo enquanto ele se sentava na minha frente. Assim que nos posicionamos dentro do Alogo, Waru pronunciou a seguinte palavra:
—Fotísoun!
A estrutura inteira começou a tremer e a gritar como uma fera raivosa e de repente uma camada de vidro negro cobriu o teto e as laterais nos deixando isolados do mundo externo.
—E agora, o que fazemos senhor sabe tudo?
—Apenas observe a paisagem e puxe um assunto, vai demorar um pouco para chegarmos ao local.
Em questão de segundos a paisagem afora ficou turva, era como se o mundo corresse para trás em alta velocidade…
—Uau…
—É incrível né? Mas o que eu acho mais incrível, é saber que nossos ancestrais construíram isso…
—Sim, a minha mãe costumava dizer isso…
—Sério? Uou, uou, se você souber de qualquer outra coisa do mundo antigo, já pode ir contando garota, principalmente se isso estiver conectado com as pesquisas da tua mãe! — Ele falou em um tom sarcástico.
—Ok, ok… Senhor curiosidade. Quando eu ainda era uma pequena garotinha, minha mãe costumava me contar histórias sobre os antigos deuses… Ela sempre dizia que este mundo está perdido e que ele ainda existir é uma falha… Eu não entendia o que se passava na cabeça da minha mãe e até hoje eu não entendo direito, ela falava o tempo todo sobre nossos ancestrais e como o mundo antigo era incrível, um mundo sem desastres, um mundo sem mortes, um mundo sem guerras, um mundo habitado por deuses…
—Uou, uou, uou… Se ta me dizendo que ela achava que nossos ancestrais eram deuses?
—Pode zombar se quiser… Eu não me importo…
—Não! Eu não quis dizer nesse sentido, eu to curioso! Sua mãe foi uma importante exploradora, mesmo que muitos a considerassem apenas uma lunática… Eu só… acho
que as explicações dela faziam sentido, então por favor continue…
Respirando fundo, eu olhei para os vastos campos de grama que nos rodeavam. Só de pensar nesta história eu conseguia sentir o calor da lareira e do abraço aconchegante da minha mãe, é como se eu tivesse revivendo uma memória.
—Sabe, os nossos ancestrais eram muito evoluídos e poderosos!
Eu ainda sentia as mãos macias dela penteando o meu curto cabelo loiro.
— Eles eram tão poderosos que conquistaram até mesmo a lua! eles eram realmente incríveis… Porém, alguns deles foram ficando gananciosos, invejosos e se corromperam. E como punição pelos seus atos, os outros deuses os transformaram em meros mortais, nomeados de “humanos”. Os primeiros humanos ficaram enlouquecidos e cheios de ódio pelo ato dos deuses, e então eles se desfizeram de todos os presentes que a Mãe natureza os deu para fins de conseguir sua vingança.
—Babacas… Fazem merda e depois ficam bravinhos… Parece até nosso governo atual…
Ignorando por completo o comentário sarcástico do meu amigo, eu continuei a contar a história.
—Eles usaram o fogo para escravizar, destruíram as terras de seus povos por dinheiro, roubaram os ventos dos outros seres por ganância e envenenaram as águas do mundo por poder. Mas mesmo após tudo isso, a natureza os perdoou… porém eles não se importavam com as ordens da grande Mãe e continuaram a destruir o mundo mais e mais…
As vastas planícies verdes em que estávamos foram ficando cada vez mais sem cor… era como se o ambiente estivesse morrendo. Isto só significava uma coisa, nós estávamos próximos da missão…
—E então um dia eles fizeram a pior coisa que alguém pode ter feito…
—O que eles fizeram?
O silêncio mortal me lembrou das lágrimas da minha mãe enquanto ela me contava essa parte da história.
—Eles amaldiçoaram seu próprio povo em desgraça… Uma maldição que dura até os dias de hoje… A maldição da Morte Eterna.
—Hmmm, e isto estaria relacionado com os desastres que enfrentamos hoje em dia?
—Não me lembro ao certo, mas provavelmente sim…
Nós ficamos em silêncio por um bom tempo, apenas observando a paisagem ficar cada vez mais cinza e morta.
—Obrigado pela história Eliza… Eu não posso dizer com toda certeza que isso é verdade, porém acredito na sua mãe.
Aquelas palavras… me acolheram e me abraçaram, aquelas eram as palavras que eu sempre quis ouvir das pessoas.
—Eu que agradeço…
Os rugidos que o Alogo soltava haviam ficado consideravelmente mais altos, tanto que era estranho…
—Aliás Eliza… Qual é o seu objetivo? Você nunca me falou…
—Hm? Eu quero provar que minha mãe estava certa… E também descobrir toda verdade sobre nosso passado…
—O que faz você acreditar que nosso governo está mentindo sobre o passado?
—Intuição… Apenas intuição…
—Hahaha… Okay, espero poder te aju…
Um enorme estrondo ensurdeceu nossos ouvidos e em menos de um segundo minha visão ficou turva e uma enorme sensação de dor se alastrou pela minha costela…
Mais o que? O vidro negro que nos isolava do mundo havia sido destruído e assim que olhei para baixo engoli em seco e senti um enorme calafrio, a única coisa que eu vi foi o chão a diversos metros de distância de nós e… O Waru caindo na direção de um enorme monstro…