Kami - Capítulo 1
Há muito tempo atrás uma criança nasceu em um pobre vilarejo afastado das grandes metrópoles, mas mesmo vinda de uma família extremamente pobre a criança sempre estava sorrindo, mesmo enquanto ela chorava de fome ela não parava de sorrir e até mesmo no dia que seus pais morreram ela continuou sorrindo.
…
— A todos que receberem essa mensagem, precisamos dos Kamis mais próximos da região! Um monstro nível 9 surgiu próximo a escola Takae! Caso você seja um kami ajude! Mesmo que nossos níveis sejam baixos, juntos poderemos destruir esse monstro…
As pessoas são ingênuas e arrogantes, para elas tudo depende de números, mesmo que isso leve em conta a vidas de outras pessoas.
— Quem seria o louco de ir contra um monstro nível 9?
— Tem que ser muito imbecil ou depressivo o suficiente!
— Ninguém irá salvá-los uhuhuh, aquela escola é problemática! Ninguém ligaria se todos de lá simplesmente morressem!
…
Muitos consideravam a história dessa criança muito bela, porque ela passava a mensagem de que devemos ser gratos a nossas vidas e se manter otimista até mesmo nas piores condições, se essa história fosse realmente assim, eu mesmo a consideraria bela.
…
— Socorro! Meus amigos… Eles estão debaixo dos escombros… Eles precisam de ajuda! Por favor alguém!
Escombros, fumaça, sangue, corpos e o doce pavor na atmosfera… Tudo isso poderia ser contornado se um simples humano corajoso lutasse contra o monstro? ou só haveria mais um cadáver no chão? então como podemos culpar aqueles que simplesmente fingiram que esse lugar não existia? como podemos culpar aqueles que foram fracos e morreram? eu…
— Você aí! Fuja daqui agora! Esse lugar está acabado, é impossível sobreviver aqui até mesmo pra mim, uma Kami… Fuja agora garoto!
Eu? fugir? pra onde? realmente existe um lugar onde esse cenário não seja recorrente? ou é somente desespero dela?
— Se você não fugir, os meus esforços e dos meus amigos terão sido em vão! Fuja agora seu pirralho de merda!
Verdade… Nenhum humano se importaria com os outros assim do nada… é tudo pelas suas próprias ações… próprios desejos… próprios objetivos… egoístas.
— O que você está fazendo? Pra onde está indo! O monstro fica nessa direção, você por acaso planeja morrer?!
— Estou ciente de tudo isso senhorita… Tenha um bom dia.
…
Essa história me fez lembrar um ditado “não julgue um livro pela capa” eu não acho que esse ditado esteja errado, mas sim incompleto. Se fosse para eu corrigi-lo seria “formule sua opinião depois que acabar o livro” porque o antigo ditado serve apenas para livros feios, acabados ou velhos serem lidos, mas livros com capas bonitas, novos e chamativos as pessoas apenas passam o olho e formulam sua opinião com base na capa e nos primeiros capítulos lidos, assim como na bela história da criança.
…
— Solte ele! Solte-o! Por favor! — Gritou a estudante ensanguentada.
— Sinta-se grata por eu deixar uma colegial deliciosa como você por último na minha refeição garota.
— Um monstro falante… isso é muito estranho… — Falei enquanto me aproximava da garota.
— Ho ho! Mais um colegial para minha refeição? Mas que azar! É só um garotinho perdido… Talvez queira que eu o guie para casa? — Em quanto ria o monstro voltou a prestar atenção no garoto que estava segurando.
— Me ajude… Salve-nos, por favor.. — lágrimas de desespero saiam dos olhos da garota enquanto se segurava na minha perna.
Lágrimas verdadeiras… somente em meio ao caos conseguimos ser verdadeiros e sinceros? Isso é decepcionante… Eu apenas assisti a cabeça do menino ser utilizada como uma taça cheia de sangue para a boca do monstro deixando a garota em estado de choque.
— Garota, acho melhor rezar por um milagre do que depender desse saco de ossos kekeke!
…
A verdade por trás dessa história é que a criança só sorriu de verdade no dia em que seus pais morreram… os pais que ela mesmo havia assassinado brutalmente com uma faca…
Às vezes até mesmo uma bela e brilhante luz como um sol pode ter uma sombra tão fria e maléfica quanto um abismo, mas será que os atos da garota foram realmente errados?
…
— Seu inseto! Como ousa! Você surge do nada como um fantasma, atrapalha minha refeição deixando-a fugir e ainda se esquiva de todos meus golpes? Como ousa!
Tudo ao nosso redor estava destruído, não havia mais nada além do monstro, eu e o solo rachado abaixo dos nossos pés.
— Você acha que tem direito de matar e comer qualquer um… isso eu já entendi, mas porque pensa assim?
— Kekeke! — Dando uma risada medonha o monstro voltou a me encarar — Todos os humanos não passam de insetos insignificantes, meros aperitivos a mim e a minha mãe! Por isso eu tenho todo o direito de fazer o que quiser com a miserável vida de vocês humanos fracos!
A poeira ao nosso redor estava diminuindo me deixando com uma visão clara do que eu estava enfrentando, ele se parecia com um Orc de rpg. Alto e musculoso, seus olhos brancos davam medo e suas enormes presas causavam calafrios.
— Você come a todos que são mais fracos que você… então me permita fazer uma pergunta a você senhor monstro.
…
A criança havia matado seus pais porque ela era louca? ou porque odiava eles? ou havia outro motivo pra ela ter matado seu pai alcoólatra abusador e sua mãe drogada que vendia seus próprios filhos como produto sexual? Foi realmente errado as suas escolhas?
…
— O qu-quem diabos você é? isso não se parece nada com um saco de ossos! Você é uma aberração? — Exclamou o monstro em agonia.
— haha é irônico um monstro como você chamar um mero humano de aberração… — Falei enquanto esboçava um leve sorriso — Me desculpe, por acaso te assustei com minha pergunta? ou apenas não ouviu direito?
O monstro que agora estava sem seus preciosos braços, estava me encarando confuso, era possível ver o medo em seus olhos, era possível sentir o medo sendo emanado de cada extremidade do seu corpo.
— Eu vou repetir a minha pergunta mais uma vez… Você se alimenta de seres mais fracos que você, não somente isso, você acredita que eles devem render suas pobres vidas fracas a você… então eu te pergunto…
A pressão ao nosso redor aumentou assim que me aproximei do Orc.
— Você rende sua miserável vida para eu devorá-la seu verme?
…
A criança foi pega pela igreja para exorcizar o demônio que havia possuído o corpo dela, belas palavras para um grupo religioso que devora crianças a noite.
Mas eu me pergunto, a aldeia foi tão justiceira ao ponto de matar uma criança espancada, então porque não mataram o padre pelas inúmeras crianças que ele abusou publicamente? Porque não mataram os pais doentes da criança? porque tudo isso é sempre… injusto?
…
— P-p-por favor… — o Orc implorava.
— Sua vida é minha agora. Sua entidade fraca e insignificante não serve nem como aperitivo ao meu paladar… Então acho que devo apenas…
Inspirei e expirei o pouco de ar puro que circulava pela área.
— Devo apenas te obliterar. — falei com um tom mortal ao monstro
— Podemos fazer um acordo…
…
O mundo sempre foi injusto, eu penso se nós realmente vivemos ou apenas sobrevivemos. Desde quando somos meros bebês, brigamos na maternidade pela nossa sobrevivência e nesse processo várias outras crianças morrem, em todas etapas das nossas vidas a morte e a sobrevivência sempre nos acompanham, seja diretamente na nossa vida ou em métodos terceiros.
Todos sofrem com isso, então significa que a injustiça que várias pessoas sofrem não vem pelo seu nascimento ou qualquer outra merda que a sociedade prega, e sim pelos humanos passados que plantaram as sementes para os frutos que colhemos hoje, ódio, pavor, mortes e caos…
É realmente certo lutar contra os monstros e proteger os humanos? ou seria melhor deixar os monstros exterminar todos humanos para finalmente todo esse sofrimento acabar?
…
— Se você me deixar vivo eu contarei tudo o que eu sei sobre os desastres…
— Me desculpe, eu não aceito ofertas — falei com um olhar sereno para ele.
— Mas v-vocês precisam de informações sobre os desastres…
— Sim precisamos — falei me aproximando da criatura que estava sem suas pernas.
— Então porque você não as quer… — Ele respondeu chorando lagrimas de sangue.
— Porque desse modo não teria graça… E porquê…
A expressão de medo e pavor se alastrou no rosto dele quando pressionei seu peito contra o chão usando meu pé.
— E também porque… O mundo é injusto.
…
A história não se baseia em vingança ou em uma mensagem para futuras gerações, ela só conta sobre uma criança que teve uma infância horrível e uma morte terrível, mas o que difere essas histórias em diversos ramos é o próprio ponto de vista.
Assim como teve aqueles que nem ligaram pra história, tiveram aqueles que a acharam bela e emotiva, tiveram aqueles que acharam um conto correto e vingativo, tiveram aqueles que acharam errado e imperdoável…
Porém eu acho… Que a criança matou seus pais para livrá-los daquele inferno, pois a criança via tudo… Tudo o que eles sofriam e o que eles já sofreram, e no final eu esperava que a criança libertasse todos daquele vilarejo e depois tirasse sua própria vida.
…
Ponto de vista: Eliza Ladres
Um enorme barulho de explosão ecoou pelo ar fazendo meus ouvidos doerem… como uma kami é meu dever impedir o monstro, se eu for morrer que seja lutando!
Com o Máximo de esforço consegui me equilibrar em minhas pernas e comecei a andar para a direção que veio o barulho estrondoso, a cada passo sentia meu corpo pesar mais, a cada passo eu via mais sangue espalhado pelo campo de batalha, a cada passo os escombros iam se reduzindo a pequenas pedras, até que eu cheguei no local onde havia ocorrido a explosão…
Uma enorme cratera pintada em um tom de carmesim vibrante, eu não tive dúvidas, aquilo era sangue… No centro da enorme cratera estava uma figura que me deixou desnorteada.
— V-vo-você! o-o que houve aqui? — o choque foi tão grande que minhas pernas cederam.
O garoto que eu havia pedido para fugir, o mesmo garoto com olhar morto e blusa vermelha estava ali, banhado de sangue…
— O monstro foi morto, é isso o que aconteceu.
Eu estava tremendo, era medo? eu não sei…
— Um simples colegial matou um nível 9? Ha-Haha-hahaha — comecei a rir e chorar em desespero — isso é meio que impossível? Que rank você é garoto? rank 9?
— Se eu disser que eu sou um mero rank baixo você acreditaria? — ele perguntou me encarando com seus olhos serenos
— Que tipo de piada é essa? um rank baixo mal consegue invocar suas habilidades para suporte! Você quer que eu acredite que você seja um? Ta de palhaçada comigo!
— Se não acredita, não vale a pena gastar tempo com você. Apenas finja que eu nunca existi e pegue toda a glória por matar esse monstro.
— O que? Quem é você-
—No nível mais profundo, quando o gelo te tocar e desespero bater… Você descobrirá…
Eu não tive ao menos mais um segundo para conversar com ele… pois em um piscar de olhos ele sumiu como a poeira que a brisa levava…
Quem? Quem era aquele garoto?