Jovem Senhorita - Capítulo 1
A cabeça de Maria doía. O desconforto era grande demais para ser ignorado. Com as sobrancelhas franzidas, apertou os olhos ainda fechados e moveu os braços de um lado ao outro.
“Por que eu fui beber tanto? Maldita ressaca…”
O simples pensar na dor fazia com que o latejar aumentasse. Sabendo o que teria que fazer em seguida, bufou com resignação. Tomando um instante de coragem, abriu os olhos e se arrependeu imediatamente. A luz presente no ambiente feriu de tal forma as suas pupilas que a garota chiou de dor.
Depois de alguns instantes, já com os olhos acostumados com a claridade, conseguiu controlar o desconforto crescente. Com isso, levou a mão para o criado-mudo, em busca do celular certamente descarregado. Quando não encontrou nada, sentiu o corpo gelar.
Ignorando as dores, Maria se sentou com a coluna reta. Uma descarga de adrenalina fez com que todo o sono ainda presente se dispersasse por completo. Bem mais atenta, olhou de um lado ao outro e percebeu que não fazia ideia de onde estava.
— Mas… eu não tinha ido pra cama? — Um misto de confusão e terror inundou o coração da garota.
Nada ali era familiar. Bem, não que ela não tivesse visto ambientes com decoração tradicional chinesa, mas foi mais em doramas aleatórios que viu nos momentos de tédio. A cama era baixa, cercada por véus que balançavam com a brisa da manhã. Nas paredes, que pareciam finas, estavam alguns armários baixos com detalhes em ouro. Olhando melhor, toda a decoração do quarto era feita em ouro e prata, com algumas joias que ela não sabia o nome.
Ainda confusa, jogou a coberta para o lado, sentindo a textura fina do pano. Seria seda? Ela não saberia dizer. Pisou no chão de madeira e estranhou as unhas limpas. Já de pé, notou que vestia roupas leves que pareciam trajes de festa, totalmente diferentes dos pijamas usuais.
— Alguém trocou a minha roupa enquanto eu dormia? — Esse pensamento trouxe um misto de vergonha e fúria para a garota. Ela vivia sozinha, não tinha amigos próximos o suficiente para isso, os parentes estavam todos mortos…
Andando de um lado para o outro, percebeu que alguém se aproximou da porta. Nervosa, levou a mão à cabeça apenas para sentir o cabelo comprido.
Quando ia começar a chorar a mudança, a pessoa misteriosa abriu a porta e fez uma reverência com as mãos à frente do peito.
— Jovem senhorita! Esperava vê-la descansar mais um pouco. Está se sentindo melhor? — O tom frio da mulher vestida como uma serva da China antiga fez com que um calafrio passasse pelas costas de Maria.
— Que-quem é você? O que tá fazendo no meu quarto? Pera… Onde é que eu tô?
Um traço de dúvida passou pelos olhos da mulher sem que essa mudasse de expressão.
— A jovem senhorita ainda deve estar confusa para esquecer dessa velha serva. — Deu um suspiro teatral antes de continuar. — A família Huang está preocupada com a senhorita. Devo avisá-los que está de pé?
“Jovem senhorita? Família Huang? Isso aqui tá parecendo coisa de chinês…”, ponderou.
— Que família Huang?
A serva revirou os olhos.
— O clã do prometido da jovem senhorita! Que outra família seria?
— Prometido? Em pleno século XXI você me vem com essa baboseira? — A garota não pôde deixar de rir do absurdo que a senhora falou. — Em que época você acha que estamos? Nos anos de Dom Pedro? Ou será que acha que Dom Sebastião vai voltar?
A serva ficou confusa com as palavras da garota. Porém, antes que pudesse responder, um grupo de jovens servas enfurecidas chegou.
— Velha Feng! O que pensa que está fazendo com a jovem senhorita? Saia imediatamente! — gritou a líder das garotas com o dedo em riste. — A sua mestre que foi responsável por toda essa confusão e agora você vem aqui fingir que se preocupa?
Maria observou a troca em silêncio. Ao todo, contou cinco jovens, fora a serva de antes. Todas elas estavam vestidas com trajes de época chineses e agiam como personagens de um romance de artes marciais.
Bufando, a primeira serva jogou a manga de lado e falou: — Bando de ingratas. Vim apenas mostrar a boa vontade da jovem senhorita Ye e é assim que vocês me tratam?
Em seguida, ergueu o queixo e saiu com passos arrogantes.
Vendo que a mulher estava longe, as servas foram na direção de Maria e a cercaram com preocupação. — Jovem senhorita, por que está de pé? Vamos, volte para a cama!
— Gostaria de um pouco de chá? Está com fome?
— Como está se sentindo? Quantos dedos tem aqui?
— O quarto está muito frio, a jovem senhorita pode se resfriar. Estou indo buscar mais lenha agora mesmo.
— Eu vou pegar sopa!
Maria ficou tonta com a movimentação das meninas e sentiu a dor de cabeça voltar com tudo. A dor foi tão forte que a fez vomitar ali mesmo. Para sua surpresa, sangue escuro saiu de sua boca e um pequeno verme gordo, parecido com uma sanguessuga se contorcia no meio da poça.
Os rostos das servas ficaram brancos ao mesmo tempo.
— Um verme Gu? Como isso é possível? — murmurou a líder. — Quem ousaria envenenar a jovem senhorita Ning Xu com uma técnica tão atroz?
— É… com licença? — Maria interrompeu os pensamentos conturbados das servas. — O que é isso? E quem é essa tal de Ning Xu aí?
As garotas trocaram olhares confusos antes de sentirem um aperto no peito: a sua jovem senhorita tinha sofrido muito.
— Irmã Xu, irmã Xu! — chamou uma voz animada vinda do lado de fora. Logo, um rapaz de cerca de 14 anos chegou no quarto de Maria.
“Cara… esse lugar é um ponto turístico ou o que? Tem mais visitante que o Cristo Redentor…”
Olhando para a cara do garoto desconhecido, Maria sentiu um leve incômodo. Por que todos ali tinham feições orientais? Nada contra os chineses, japoneses e coreanos, mas ela não conhecia nenhum oriental! Como todos eles conheciam ela? E quem era Ning Xu?
— Jovem mestre Piao, tome cuidado! — advertiu uma serva.
— Eu tô bem, Zhizhi. — resmungou o garoto.
Maria olhou para ele e reparou nas roupas e no cabelo comprido. O tecido parecia ainda mais fino que o do lençol que a cobriu, de um tipo que ela poderia apenas sonhar em comprar, ainda mais com o número de impostos que o governo colocava nas coisas. Além disso, o cabelo do rapaz era tão comprido que precisava ser amarrado por alguns enfeites no topo da cabeça.
— Irmã Xu, fiquei tão feliz de saber que você acordou! — disse ele enquanto abraçava uma Maria estupefada. — Você não sabe o quanto eu me preocupei…
A garota se sentiu desconfortável, mas Ning Piao parecia tão feliz em vê-la que ela não conseguia soltar os seus braços.
— Eu estou bem… — resmungou ela, passando a mão nas costas dele.
Lentamente, Maria começou a entender o que estava acontecendo ali. O que ela sempre achou ser o clichê mais clichê de todas as novels que lera tinha acontecido com ela: a transmigração.
Além disso, considerando os nomes chineses e a aparência do lugar, foi parar em um mundo antigo, talvez envolto em artes marciais e outras bobagens.
Querendo testar o ambiente, murmurou discretamente: — Cultivo?
Ning Piao olhou para ela com olhos ainda mais brilhantes.
— Irmã Xu, você percebeu que eu subi de nível? — A alegria era visível nos olhos do garoto. — Papai me chamou de gênio. Falou que sou digno de ser um filho da família Ning.
Por um instante, Maria percebeu que as descrições dos romances poderiam ser, de fato, usadas na realidade. Ning Piao parecia um filhote de cachorro pronto para ganhar os parabéns.
Lembrando do seu cachorrinho de infância — Aslan —, a garota ergueu a mão e bagunçou o cabelo daquele que se dizia seu irmão.
O sorriso no rosto do rapaz se alargou e um leve tom de rosa cobriu as suas bochechas gordinhas.
— Venha! Vamos ver o papai! Ele está doido pra te ver… — convidou o rapaz.
— De jeito nenhum, jovem mestre! — impediu uma serva. — A jovem senhorita ainda está de pijama! A sua presença aqui até que é tolerável, mas ela não pode sair daqui assim de jeito algum!
As orelhas de Ning Piao ficaram vermelhas de vergonha conforme percebeu que a serva tinha razão. Ele resmungou qualquer coisa sobre esperar e saiu do quarto com passos relutantes.
Zhizhi, então bateu na testa como se tivesse acabado de lembrar de algo: — Meninas, alguém precisa ir chamar um médico.
As outras concordaram imediatamente. A mais nova correu para achar o médico da família enquanto as outras começaram a ajudar Maria a se vestir.
A garota fechou o cenho quando viu que as garotas tentavam despi-la e tentou resistir, mas estava tão fraca pela dor que perdeu a batalha e se resignou a ser despida, limpa e vestida pelas quatro garotas. Elas trabalhavam tão bem que Maria teve a sensação de que fizeram esse serviço a vida toda — o que talvez fosse verdade, mas não diminuía o constrangimento que sentiu naquele momento.