Ithy - Sombras de Eberus - Capítulo 5
Uma brisa suave da manhã invadia o quarto de Victoria, a garota usava um vestido vermelho que lhe fora emprestado por Lavine e ajustado ao seu tamanho por Marri.
A criada não teve muito o que ajustar na roupa, já que Lavine era só um pouco mais alta que Victoria e tinha os seios um pouco mais fartos.
Victoria estava sentada numa cadeira quase terminando sua refeição de meio-dia, quando Samuel entrou pela porta. Seu rosto era meigo e seu sorriso era hipnotizante. Ele usava uma camisa branca mais casual e uma calça de couro que lhe servia muito bem.
— Estava boa? — Perguntou ele se sentando próximo a ela.
— As criadas da cozinha fazem um ótimo trabalho. — Elogiou Victoria limpado a boca com um pano.
Ela era uma Zurita, foi treinada para ser fria e mortal, mas também era filha de um nobre e fora ensinada a ter modos.
— Eu e Guliver gostaríamos de lhe agradecer pelo que fez por nós.
— Foi só um detalhe.
— Não, claro que não foi um detalhe. Mas quem é você e por que nos ajudou?
— Digamos que foi coincidência. — Respondeu Victoria sem interesse algum nos agradecimentos do rapaz. Apesar de que teria que confessar que sua voz era boa de se ouvir, trazia uma calmaria.
— Não acredito que fosse uma coincidência, eu os ouvi gritarem Zurita, você realmente é… bom se os boatos forem verdade… você é daquela guilda das histórias? — Indagou Samuel se inclinando para mais perto dela.
— Você fala demais, pergunta demais — falou Victoria se levantando. Não podia deixá-lo confirmar a verdade, seria uma vergonha para a guilda.
Samuel por um segundo se esqueceu do que estava fazendo, admirava como Victoria ficara linda com aquele vestido. Mas logo se sentiu culpado, estava noivo de Lavine e aquilo era inaceitável, desejar outra mulher, como era errado. Ele sacudiu a cabeça para afastar aqueles pensamentos.
A porta se abriu e Lavine adentrou, seu sorriso se desfez quando viu Samuel sentado à mesa.
— O que faz aqui? — Perguntou ela buscando manter a voz meiga.
— Já estava de saída, só vim trazer os agradecimentos de Guliver para a senhorita Victoria. — Respondeu Samuel se levantando e se apressando para sair do quarto.
Lavine observou as costas amostra da garota, pois o vestido era aberto atrás, as alças eram finas e delicadas.
— Ficou lindo em você — disse Lavine se aproximando para ver o que Victoria encarava no quarto.
Não foi difícil perceber que ela se via no espelho.
— Obrigado! — Victoria agradeceu e finalmente se voltando para sua companhia. — Faz tempo que não visto algo tão belo e de boa qualidade.
Lavine sorriu, gostava de quando elogiavam suas roupas.
— Esse vestido veio do Leste, foi feito pelas melhores artesãs de…
— Cerdânia! — Falaram juntas.
— Você conhece?
— E qual garota da nobreza não conheceria?! — Ironizou Victoria indo sentar à beira da cama.
— Não conheço garotas da nobreza que assassinam dois bandidos. — Pontuou Lavine sentando-se ao seu lado.
Victoria sorriu com desdém para a moça e disse:
— A vida não é igual em todos os lugares. Não queria que soubessem, mas é preciso. Eu sou Victoria Sarley, da família Sarley do Norte do reino de Val’Ria.
Lavine levantou uma sobrancelha, gargalhou e em seguida falou:
— Você é bem engraçada, mas essa piada não foi tão boa, dizer que é uma Sarley, ninguém vai acreditar.
As duas ouviram o som da porta se abrir e Marri avançar por ela.
— Senhorita Victoria, Senhorita Lavine. Que bom que estão se dando bem hoje!
— Marri, você não vai acreditar no que ela acabou de me contar, acredita que ela diz ser da família Sarley. Acho que ela ainda não se recuperou direito do veneno.
Lavine parou de contar rindo, no instante que percebeu que o rosto da criada se mantinha sério. Na mão ela trazia a bolsa de couro de Victoria, que continuava apenas observando.
— Me perdoe, senhorita, me perdoe. Enquanto organizava suas coisas, acabei sendo descuidada, deixei que sua bolsa caísse aberta e seu anel saltou para fora.
— Só o anel? — Indagou Victoria.
— S-sim. — Gaguejou Marri numa tentativa vã de responder rápido.
Lavine não conseguia entender nada do que estava acontecendo. Por que toda aquela tensão devido a um anel que caiu e o que mais teria na bolsa?
— Então já sabe que sou a filha de Haniball Sarley? — Interpolou Victoria novamente a criada.
— Sim, o anel tem o brasão de sua casa. Já informei o senhor Baykus e ele me pediu para informá-la que hoje à noite jantara com a senhorita.
— Bom, não queria revelar minha casa, mas já que aconteceu assim, ótimo.
— Você realmente é uma Sarley? Mas eu pensei que a filha do senhor Haniball fosse uma dama refinada que não sai por aí… — Lavine questionava incrédula com o que acabara de ouvir.
— Matando pessoas? — Completou Victoria.
O silêncio tomou conta do ambiente, Marri e Lavine não sabiam o que pensar naquele momento.
Victoria se levantou, caminhou até o guarda-roupa e abriu as portas, mudava as peças de roupas de lugares como se estivesse procurando algo específico, porem nunca encontrava. Enquanto fazia isso, ela ria com certa classe, até que parou e virou-se para visualizar as duas.
— Vocês não sobreviveriam no Norte. — Afirmou Victoria seria. — Meu pai me ensinou a me defender, não só dos perigos naturais e selvagens, como também dos homens.
Victoria fechou as portas do guarda-roupa.
— Gostaria de descansar até o jantar, não estou me sentindo muito bem. Me permite senhora Marri?
Marri confirmou com a cabeça e em seguida soltou um berro para que Lavine se retirasse.
— Vamos senhorita Lavine, deixe nossa convidada descansar.
— Mas, mas…
— Não me venha com “mas”, ou contarei para seu pai que você estava incomodando a senhorita Victoria.
A porta do quarto se fechou e Victoria estava sozinha. Se sentiu mal por mentir para elas sobre estar mal, mas queria ficar sozinha, queria meditar e refletir no que aconteceu. Tudo foi muito rápido, não teve tempo para digerir os fatos.
Victoria retirou o vestido vermelho e vestiu a camisola que havia usado para dormir. Sentou na cama cruzando as pernas e deixando os pés opostos a coxa, a pose de lótus como era chamada, usada para meditar.
As horas passaram e ela ficou ali naquela posição até tombar para o lado adormecida.
Uma brisa gelada percorria sobre sua pele, deixando seus pelos arrepiados, diante dela estava uma chama azul flutuando em um espaço completamente escuro, ela não conseguia distinguir onde estava.
O pequeno foguinho circulou em torno dela e depois começou a ir para frente e para trás.
— Você quer que te siga? — Perguntou Victoria se sentindo tola por conversar com uma bolinha de chamas.
Como se dissesse sim sacudindo para cima e para baixo, a bolinha fez, mas antes que Victoria pudesse dar o primeiro passo, uma voz masculina, longínqua, grave e rouca ecoou dizendo:
— Você veio até mim. Já está quase na hora de se render a mim, porque você me pertence.
Uma luz vermelha surgiu no horizonte escuro e com rapidez a pequena chama azul correu até Victoria e se tornou labaredas azuis que a cobriu completamente e no Instante seguinte ela abriu os olhos e percebeu que estava no quarto.
Foi só um sonho, porem era muito real, podia sentir tudo o que estava acontecendo.
Victoria olhou para fora da janela e viu que já era noite, levantou as pressas para se arrumar, desejava que não estivesse atrasada para o jantar com o senhor Baykus.
Enquanto corria pelo quarto pensando no que ia vestir, parou em frente ao cabide, quando percebeu que Marri já havia deixado um vestido preto preparado para a ocasião.
Sem tardar, ela se trocou, prendeu seus cabelos, se dirigiu até a porta e respirou profundamente.
— Hoje eu descubro onde você está “Corvo”.