Isekai Corrupt - Capítulo 57
27º Dia do Oitavo Mês do Ano – 10:44
Já fazia quase dois meses que Zerafine e eu estávamos de férias. Um tempo necessário, mas que começava a pesar na alma inquieta de alguém como eu. Foi então que Md decidiu entrar em contato, invadindo minha mente com aquela serenidade característica dela, e me passou algumas instruções claras.
Seguindo suas orientações, matriculamo-nos em uma academia local. Fiz questão de pagar tanto minha inscrição quanto a de Zerafine. Havia um propósito claro nisso: ela teria a oportunidade de aprofundar seu conhecimento sobre relíquias antigas, enquanto eu buscava algo muito mais prático — jovens promissores. Pessoas com talento. Almas que talvez, com o empurrão certo, pudessem se interessar pela Corrupt.
Apesar de ter aproveitado as férias, sentia meu corpo ansiar por algo mais desafiador, algo que reacendesse o fogo que parecia estar hibernando dentro de mim.
— Md, como estão as coisas na Cidade das Feras? — perguntei, mergulhando em nosso diálogo mental habitual.
— Tudo está indo bem — ela respondeu com aquele tom calmo que nunca parecia vacilar. — Solus e Aria finalmente marcaram a data de sua junção.
— Junção? — repeti, arqueando uma sobrancelha.
— Algo equivalente a um casamento, mas para os lobos. É uma cerimônia que une não apenas duas almas, mas também duas famílias. No caso deles, Solus e Aria.
Fiz uma pausa para digerir a novidade.
— Agora que Solus é rei, isso faz de Aria a rainha. — Refleti por um momento, então continuei. — Você conseguiu falar com eles sobre as ideias que tinha?
— Sim. — A satisfação era evidente na voz de Md. — Introduzimos algumas coisas interessantes. Por exemplo, agora temos um título chamado Guardião das Feras. É uma honra reservada apenas para as feras mais poderosas, os guerreiros mais notáveis. Solus, como rei, não é elegível para o título.
— Guardião das Feras… interessante. Quem recebeu até agora?
— Douglas, o urso, e a Raposa Avermelhada foram os primeiros a serem nomeados. Os outros lobos estão em treinamento pesado para alcançar o nível necessário.
— É um começo promissor — comentei, ponderando. — Mas a Cidade das Feras ainda é fraca se comparada a um reino inteiro.
— Comparada a um reino, sim, ainda somos pequenos — admitiu Md. — Eles têm mais recursos, mais soldados, mais influência. Mas, dentro do país, já nos tornamos a cidade central mais poderosa.
Um sorriso se formou em meu rosto, quase sem querer. — Isso é excelente. Com o tempo, faremos a Cidade das Feras superar até mesmo os reinos.
Md hesitou antes de responder, sua cautela habitual entrando em cena.
— Pode ser complicado. Já temos espiões observando nossos movimentos. Se perceberem que estamos crescendo rápido demais, podem agir contra nós.
— O plano já está em andamento? — perguntei, ajustando meu foco.
— Sim, mas ainda faltam peças cruciais.
— Então precisamos acelerar as coisas. Você acha que conseguimos consolidar tudo dentro de um ano?
— Um ano?! — A hesitação dela era palpável. — Isso é apressar demais… mas, suponho, depende de como lidamos com nossas missões individuais.
— Então está decidido. Dentro de um ano, vamos tomar o Reino de Xellivia.
— Você sabe que isso é arriscado, certo?
— Sim. Mas como você mesma disse, depende de nós. Confio no que sou capaz de fazer. E confio em você. Agora, só precisamos executar.
Md ficou em silêncio por um momento antes de murmurar, quase em tom de desabafo:
— É reconfortante saber que confia tanto em mim.
— Continue me mantendo atualizada sobre os acontecimentos.
— Tudo bem. Ah, Elzer sente falta de sua irmã.
Suspirei.
— Diga a ele que ela está bem, mas que ainda vai demorar para se verem.
— Vocês podem usar o teletransporte sempre que quiserem, sabe disso.
Um sorriso de canto de boca surgiu.
— Ainda prefiro aproveitar o momento. As coisas estão só começando.
E, com isso, a conexão entre nós se dissipou. O jogo estava em movimento, e as peças começavam a se posicionar no tabuleiro.
⧫⧫⧫
27º Dia do Oitavo Mês do Ano – 08:33
Antes do diretor ir até a sala de aula.
Um homem estava confortavelmente sentado em uma cadeira claramente cara, um móvel que, à primeira vista, qualquer um reconheceria como algo luxuoso. Ele era ninguém menos que o diretor — ou melhor, o dono — da academia mais prestigiada do país. Hoje, como de costume, estava recostado em sua cadeira, com os pés largados em cima da mesa, uma postura que muitos considerariam inadequada.
— S-Senhor, será que… poderia tirar os pés da mesa? — disse Violeta, sua secretária geral, tentando ser educada. — É uma mesa importada, feita de materiais caros, além de estar cheia de documentos importantes.
— Tsc! Puxa vida, Violeta! — ele respondeu com um tom arrastado, cruzando os braços. — Você é uma estraga-prazeres! Me deixa ser feliz, vai!
— Ser feliz? — Violeta arqueou uma sobrancelha, claramente incrédula. — Desculpe, mas o senhor não acabou de retornar de umas férias de cinco meses? Isso mesmo, CINCO MESES!
— E-e-eee… — ele gaguejou, ajustando-se na cadeira. — Não é como se míseros cinco meses fossem suficientes para tirar o cansaço acumulado de três anos de trabalho! Sou humano, afinal de contas.
— Humano comum? — Violeta cruzou os braços, soltando um suspiro exasperado. — Vou fingir que não ouvi isso, senhor.
— Chataaa…
— Senhor! Precisa ser mais maduro!
— Hm…
— Para com esse biquinho! Você não é uma criança!
— Hm…
— Ah… onde eu fui me meter, aceitando essa vaga de trabalho? — murmurou Violeta, já imaginando a pilha de tarefas que viria.
— Reclamando do emprego na frente do chefe? Que ousadia! — Ele riu, mas o brilho malicioso no olhar não passou despercebido.
— Não é como se fosse me demitir, não é? — Violeta rebateu, desafiadora. — Sem mim, teria que encontrar outra secretária geral, e duvido que gostaria de arrumar mais trabalho do que já tem.
Murilo deu de ombros, apoiando o rosto na mesa, como se toda a conversa tivesse drenado sua energia.
— Estou cansado… quero dormir…
— Eu também estou cansada, mas estou aqui, trabalhando. Agora, levanta essa cara! Você tem uma pilha de documentos para assinar.
— Que documentos? — Ele ergueu a cabeça ligeiramente, ainda de bruços sobre a mesa.
Violeta respondeu sem uma palavra. Apenas pegou uma pilha de papéis que parecia desafiar a gravidade e os colocou com um baque estrondoso na frente dele.
— Aqui.
— I-ISSO TUDO?!
— SIM, ISSO TUDO! — Violeta esbravejou, batendo o pé. — O que achou que ia acontecer depois de “cinco meses de férias”? Agora para de birra e começa a trabalhar!
— Ahhhh… não quero.
— Estou lidando com um adulto ou com uma criança?
— Um adulto gostoso.
— …Uma criança. Definitivamente uma criança.
Murilo se levantou lentamente, caminhando até a janela. Ficou lá, olhando para o horizonte, com as mãos cruzadas atrás das costas, num ar quase teatral.
— Durante minha viagem, obtive informações interessantes.
— Informações? — Violeta arqueou a sobrancelha, voltando os olhos para a pilha de papéis. — Que tipo de informações?
— Você sabia que estão organizando uma exploração em uma mina inexplorada?
— Mina? — Violeta deu de ombros. — Não vejo nada de especial nisso. Explorações em minas ou cavernas são comuns.
— Não são a mesma coisa. — Murilo virou-se para ela, um sorriso satisfeito no rosto. — Essa mina não é comum. Segundo minha fonte, o que encontraram lá foi um templo perdido dos arcanjos.
— O-QUÊ?! — Violeta quase deixou cair a caneta que segurava. — Um templo de arcanjos perdido?! Isso é sério?
— Absolutamente. — Ele voltou a olhar pela janela, a luz do sol iluminando seus traços confiantes. — A fonte é confiável.
Templos antigos sempre foram envoltos em mistério. Embora muitos já tivessem sido encontrados, nenhum deles era associado diretamente aos arcanjos. Esses templos lendários eram mencionados em escrituras antigas como locais sagrados, onde pessoas recebiam bênçãos divinas que lhes concediam habilidades únicas. Contudo, com o passar dos séculos, sua localização tornou-se um mistério, e encontrar um era o sonho de exploradores e nações inteiras.
— Quem encontrou isso? — Violeta perguntou, ainda atônita. — Por que o reino não anunciou nada? Será que nem sabem?
Murilo ergueu a mão, pedindo calma.
— Eles sabem. Aliás, estão por trás de toda essa exploração.
— Como assim? — Violeta estreitou os olhos, a mente fervendo com mil possibilidades.
Murilo apenas sorriu, um brilho astuto nos olhos.
— Tudo no tempo certo, Violeta. Tudo no tempo certo.
— O reino não quer que esse tipo de informação chegue ao público. Poucas pessoas sabem disso. Agora, contando com você, no máximo umas trinta pessoas em todos os países.
— O quê?! Por que me contou algo tão importante assim?! — Violeta exclamou, visivelmente inquieta.
— Se eu acabar esquecendo, como você é minha secretária, faria o favor de me lembrar — respondeu Murilo, dando de ombros com um sorriso despreocupado.
Violeta permaneceu em silêncio por alguns segundos, os olhos semicerrados, tentando processar o absurdo daquela explicação.
— …Olha, vou fingir que isso faz sentido. Já que você não pensa como uma pessoa normal.
— Ei! — Murilo retrucou com um tom de falsa indignação.
— O negócio é o seguinte: se o reino sabe e está encobrindo, isso quer dizer que tem uma pitada de verdade. O que você acha que eles pretendem fazer?
Murilo se afastou da janela e encostou as costas na parede, cruzando os braços. Seu semblante assumiu um tom mais sério.
— Eu já disse que divulgaram ao povo que estariam explorando uma mina antiga em busca de tesouros, não disse? Isso é apenas uma jogada do rei para encobrir a verdadeira exploração. Ele vai usar isso como distração e enviar pessoas comuns para a mina, enquanto uma equipe de confiança e altamente treinada é direcionada ao templo dos arcanjos. O objetivo é descobrir o que há naquele lugar antes de qualquer outro reino.
Os olhos de Violeta se arregalaram.
— Não me diga que…
— Não, eu não fui chamado. — Murilo sorriu de forma despreocupada. — Minhas habilidades de combate não são boas o suficiente para algo desse porte. Além disso, como dono da melhor academia do país, seria ruim para eles se algo acontecesse comigo nessa exploração.
— Menos mal. Você só causaria problemas para a equipe.
— Olha, pode não parecer, mas esses comentários realmente machucam meu coraçãozinho… como pisar em cacos de vidro.
— Se tudo isso está acontecendo… — Violeta desviou os olhos, pensativa. — Temos uma grande chance de aumentar nosso poderio bélico! Se conseguirmos uma arma poderosa, poderíamos ser fortes o suficiente para rivalizar com outros reinos!
— Sim, é verdade. — Murilo assentiu, mas logo sua expressão ficou sombria. — Contudo, dada a situação atual do reino, tenho uma visão do que está prestes a acontecer… um vislumbre do inferno.
— C-Como assim?
— O reino é forte, mas duvido que consigam esconder a verdade por muito mais tempo. Quando outros reinos descobrirem o que está acontecendo, haverá um colapso na moral de nosso reino. O rei de Xellivia está apostando alto, escondendo a descoberta para obter algo único antes de dividir as informações. Mas, se outros reinos souberem antes que algo valioso seja encontrado… isso levará a conflitos. Todos vão querer a posse do templo. E como Xellivia demonstrou egoísmo ao ocultar a descoberta, os outros reinos não aceitarão dividir.
— Isso… isso é péssimo. Quanto tempo até a exploração começar? — perguntou Violeta, apreensiva.
— O rei está juntando pessoas poderosas e de confiança, além de uma grande quantidade de recursos. Eu estimo que leve de dois a três anos até tudo estar pronto.
— Dois a três anos?! Isso é muito tempo! — ela protestou.
— Talvez. — Murilo coçou o queixo, pensativo. — Mas se o plano for apressado demais, isso pode ser um erro fatal. Preparação excessiva nos atrasa, mas a falta dela nos destrói.
Violeta cruzou os braços, pensativa.
— Nesse caso, entendi.
Murilo suspirou profundamente e, num movimento repentino, trocou de assunto.
— Você comentou que algumas pessoas interessantes entraram na academia. Quem são elas?
— Mudar de assunto assim tão rápido é o seu forte, não é? — Ela arqueou uma sobrancelha antes de responder. — Dois alunos novos. Hoje é o primeiro dia de aula deles. Um rapaz chamado Mero e uma garota chamada Zerafine.
— Interessante. Se eles foram aceitos mesmo depois de o semestre já ter começado… Que tipo de pessoas eles são? Qual o nível de talento deles que você percebeu?
Violeta hesitou por um instante. Seus olhos brilhavam com uma intensidade especial, sinal de que estava usando sua habilidade de abençoada, herdada diretamente dos arcanjos, para avaliar o potencial extremo das pessoas. Após um momento de silêncio, ela respondeu:
— A garota tem um talento de 6/29.
— 6/29? — Murilo coçou o queixo, pensativo. — Ela até que tem um certo nível de talento, considerando que pessoas normais geralmente têm 3/29. É um achado e tanto.
— Você acha mesmo? — Violeta respondeu, cruzando os braços. — O cara que estava ao lado dela, usando uma máscara… o talento dele é de 29/29.
— O-O quê?! Não é possível! — Murilo arregalou os olhos, incrédulo. — Uma pessoa com esse nível de talento… não, essa pessoa realmente existe?!
— Sim. E agora está estudando na sua academia. — Violeta suspirou. — Achei que seria idiota da minha parte ignorar o pedido dele para entrar. Ele até ofereceu uma quantia extra de dinheiro por conta de querer entrar fora do prazo. Como minha habilidade ocular é um segredo, aceitei o dinheiro para evitar levantar suspeitas.
— Um gênio desse porte… na minha academia? — Murilo balançou a cabeça, ainda processando a informação. — Que modalidade ele está estudando?
— Artefatos antigos.
Murilo ficou boquiaberto.
— Mentira. Não pode ser verdade!
— É verdade. Ele entrou na turma de artefatos antigos. Será que ele não percebeu o talento monstruoso que tem?
Violeta olhou pela janela, refletindo. Em toda a sua vida, nunca havia encontrado alguém com mais de 12/29 de talento. E agora, estava diante de alguém com o potencial máximo… e nem sabia como era o rosto dele. Quando perguntou o motivo da máscara, ele simplesmente respondeu: “É por motivos religiosos.” Ela não pôde fazer nada além de aceitar a explicação e se conformar em nunca ver o rosto da pessoa mais talentosa que já conhecera.
Murilo permaneceu em silêncio por alguns instantes, pensativo, até que uma ideia iluminou seu rosto.
— Eu vou ser o encaminhador dele!
— O quê? Está maluco? — Violeta o encarou com descrença.
— Vou direcioná-lo para o caminho certo! Imagine só! Se fizermos esse garoto se tornar poderoso, nossa academia será mundialmente reconhecida como a melhor! Um talento como esse não aparece todo dia. Temos que lapidá-lo!
— Você quer ser o instrutor dele?
— Isso mesmo! Vou instruir esse jovem e fazer dele um herói! Não, uma lenda viva!
Violeta riu, cruzando os braços.
— Boa sorte. Nesse caso, eu vou te ajudar. Quero observar essa pessoa mais de perto.
— Sim! — Murilo exclamou com entusiasmo. — Vamos juntos moldar esse jovem talentoso!