Inimigo das Trevas - Prólogo
Quando Kerana morreu não chovia, muito menos raios e trovões tomavam os céus, ao contrário, fazia um calor intenso, característica típica das terras maranhenses.
Vivera milhares de anos, e agora encontrara seu fim ali, naquele lugar esquecido pelo mundo. Ao menos morreria feliz. Mesmo com o corpo imóvel, os olhos da índia percorriam o pequeno e empoeirado quarto em busca do seu amado.
ㅡ Romão… ㅡ sussurrou ela lentamente.
ㅡ O que quer, querida? ㅡ perguntou o sertanejo, sentando ao lado da cama enquanto segurava as lágrimas.
Contemplou os olhos negros de sua amada uma última vez, junto de sua pele vermelha e expressão guerreira que insistia em manter mesmo com a sua morte se aproximando. Ela também fitou seu marido, ele tinha uma expressão séria, coisa que ela sabia que era fachada para esconder seu jeito gentil.
Uivos e berros foram ouvidos de fora da casa. Rapidamente, com as mãos trêmulas, o homem agarrou seu sabre. Normalmente enfrentaria qualquer coisa sem hesitar, mas naquele momento estava tão fragilizado que sentia como se até uma leve brisa pudesse derrubá-lo.
ㅡ Não posso, Kerana, não sem você…
ㅡ Lute… sabe o que acontece se eles me pegarem… ㅡ falou ela, cujos cabelos começavam a perder a cor ㅡ Lute pelo nosso filho… ㅡ dando seu último suspiro, Kerana fechou os olhos.
Em seguida, seu corpo começou a se desfazer em cinzas. Tudo parte do ritual planejado por eles, pois nenhuma parte do seu ser poderia continuar a existir. Com sua morte, sua alma não subiria aos céus, tampouco desceria ao submundo, apenas desapareceria.
A índia carregava conhecimentos e poderes que se caíssem em mãos erradas levariam o mundo a um desequilíbrio incorrigível.
Romão ergueu-se, pegou seu chapéu de palha e desembainhou seu velho sabre, abrindo a porta do casebre em seguida. As palavras de sua esposa tocaram fundo em sua alma, ainda havia pelo que lutar, seu filho era o legado que ela deixaria.
Lá fora, como se estivessem paralisados, dezenas de seres malignos dos mais diversos tipos o encaravam com seus olhares famintos. Mas ele não teve medo, não passavam de criaturas de baixo poder.
Porém, um estrondo se fez ouvir. Árvores caíram no chão e uma forte pressão fez o sertanejo tremer até os ossos. Seja lá o que fosse, não deveria ser subestimado.
ㅡ Romão! Então Kerana se foi… ㅡ disse uma grave voz.
Em seguida, uma figura se sobressaiu em meio à multidão. Montado sobre uma cobra enorme com chifres pontiagudos, o ser se mostrou um homem de aparência indígena, repleto de tatuagens vermelhas, porém, sua pele e cabelos eram tão brancos quanto o látex.
ㅡ Anhangá! ㅡ Romão proferiu o nome do temido deus.
ㅡ Por que ainda insistem em lutar? Não há o que fazer, o mundo está perdido. Em breve tudo estará em nossas mãos… ㅡ falava o deus em um tom debochado.
ㅡ Enquanto tiver ar em meus pulmões, juro que vocês não vencerão uma única batalha sequer! ㅡ Os olhos de Romão exalavam sua intensa raiva, estava ali o causador da morte de sua amada. ㅡ Meu maior desejo é fincar minha espada no seu coração, maldito!
ㅡ Essa pequena estratégia de vocês atrasará um pouco nossos planos, mas não ficará barato… você pagará com a vida! ㅡ bradou o albino.
Com um simples movimento de uma de suas mãos, os seres ali presentes avançaram raivosos e famintos na direção do pobre homem, que apenas suspirou juntando toda a energia presente em seu corpo.
ㅡ Posso morrer, mas levo todos vocês comigo! ㅡ disse e partiu para o seu ataque final ㅡ Irmão, seja lá onde estiver, cuide bem do meu menino… tudo estará nas mãos dele a partir de agora…