Guerra, o Legado no Sangue - Capítulo 26
Lucas andou em direção à vampira diante de Arthur. Cada passo mostrava uma confiança sútil, porém inabalável. E todos os poros em seu corpo exalavam uma energia feroz e violenta.
A vampira, auxiliada pela chuva incessante, não demorou para limpar a sujeira do rosto. Nenhum traço de lama podia mais ser visto, entretanto a frustração de ser humilhada dessa forma continuava gravada em sua expressão distorcida pela raiva.
— Lucas! — gritou Arthur. — Eu pensei que você…
O mais velho encarou o garoto ofegante no chão. Era difícil descobrir qual dos dois estava no pior estado, mas Lucas pelo menos tinha a vantagem de ainda conseguir se manter de pé.
A vampira apenas observou a situação. Diferente dos vampiros-inferiores convertidos forçadamente, ela ainda tinha raciocínio. Seus olhos roxos saltavam de um irmão para o outro, analisando a situação e definindo a melhor estratégia.
Arthur aproveitou a oportunidade para se arrastar até sua bengala e, com dificuldade, usou o objeto para se erguer novamente. A perna ruim continuava tremendo, protestando contra o esforço excessivo, mas ele se manteve firme da melhor maneira que podia.
O monstro continuou observando. Sentiu na carne que o conjurador de fogo era perigoso, mas já estava claro que tinha atingido o limite e não faria muito mais. Há algum tempo tinha percebido o quão frágeis eram os humanos, então sabia que o garoto com a espada deveria estar morto, entretanto, lá estava ele — vivo, de pé e exalando a aura de um guerreiro pronto para o combate.
Lucas encarava com tenacidade o vampiro, andando lentamente em direção ao irmão. Seu corpo e até mesmo o sabre apoiado no ombro queimavam como se fosse uma fogueira viva, fervendo a água que encharcou a terra da estrada em cada passo. — Arthur, ainda consegue enfrentar essa coisa?
O irmão mais novo sequer parou para pensar antes de dar sua resposta. — Um ataque forte. Só mais um. — Depois de inspirar profundamente, tentando acalmar seu coração acelerado, complementou: — Depois disso… acho que vou desmaiar.
— Certo. Preciso que você espere até eu encontrar uma coisa…
Enquanto os irmãos discutiam rapidamente o que fariam, a vampira terminou seu planejamento. Primeiro eliminaria a variável inesperada e depois cuidaria do mago. Após a humilhação de antes, não os daria uma morte indolor.
Com esse pensamento macabro, um sorriso corrompido apareceu no rosto da criatura. Com a mão aberta, esticou o braço na direção dos irmãos, depois a fechou com força. Mesmo sem dizer uma única palavra, sua mensagem era clara: vou esmagar vocês.
Com rapidez, avançou na direção dos dois. Na ponta dos dedos, suas garras cresceram exponencialmente, conforme se aproximava.
Em resposta ao recomeço do ataque, Arthur deu um passo para trás, enquanto Lucas avançou adiante. Sua camisa começou a desmanchar, enquanto o calor e o fogo em seu corpo aumentavam. Movendo seu braço esquerdo, cortou com o sabre na diagonal.
A vampira levou a mão esquerda em direção a espada, interceptando a lâmina no meio do caminho. Quando as garras colidiram com o metal quente, faíscas e labaredas explodiram ao redor.
Com o impacto, ambos foram empurrados alguns passos para trás. Após perceber que a diferença de força entre os dois agora era mínima, a vampira mudou de expressão. Com outro salto, moveu novamente a mão esquerda para atacar o humano diante dela.
Outra vez, a espada e as garras colidiram com violência. Com o novo impacto, o sabre tremeu e o metal se deformou na área de contato. O pior resultado, entretanto, ficou com a vampira: suas unhas quebraram e se partiram em vários pedaços.
Mesmo com o ímpeto reduzido pela troca de golpes, a espada continuou seu trajeto em direção à carne do inimigo. Sem ter como desviar ou se proteger, a vampira apenas se preparou para receber o golpe. O metal fervente queimou e rasgou o ombro dela, vaporizando o sangue que jorraria da ferida.
— Aarrg! — Apenas um rosnado contido escapou pela garganta da criatura, que se afastou do oponente assim que pode. Qualquer pessoa estaria em desespero ao receber uma ferida daquelas, mas a guerreira se limitou apenas a este mero rosnado.
Arthur continuava logo atrás, acompanhando o embate de perto. O coração quase saltando pela boca a cada troca de golpes entre a vampira e Lucas. A força do irmão havia o surpreendido, mas sua condição física ainda era grave — aquela luta precisava terminar rápido!
O monstro manteve a distância e passou a mão na ferida recém-feita. Estava claro em sua expressão que aquele golpe excedeu suas expectativas. Mesmo que o humano diante dela estivesse à beira de um colapso, seria necessário mudar de estratégia para vencer.
Com a mão direita erguida para cima, apertou o punho com força. Para pessoas normais, aquele gesto não significaria nada, mas para os irmãos Guerra era diferente. Naquele momento, ambos viam a energia púrpura que emanava da vampira se dissipar como uma onda em todas as direções.
Lucas pensou em atacar, mas não podia se afastar tanto de Arthur. Enquanto nenhum dos oponentes fazia qualquer movimento, um trio de vampiros inferiores surgiu. Vindo de algum lugar mais para trás na fila de carroças, partiram em direção a Lucas.
Os movimentos daquelas bestas eram simples, previsíveis, mas o mesmo não poderia ser dito sobre a criatura que as controlava. Manteve um olho atento aos movimentos da vampira até que o primeiro peão saltou sobre ele.
Por um segundo, foi obrigado a dedicar toda sua atenção ao ataque iminente. Praticamente sem esforço, cortou a garganta do monstro em um único movimento. A criatura caiu, se contorcendo enquanto se afogava no próprio sangue.
Com a ameaça eliminada, moveu novamente os olhos para a vampira. Entretanto, se surpreendeu ao descobrir que ela não estava mais no mesmo lugar — havia sumido durante a brecha criada pelo ataque.
Procurou nos arredores, mas ela não estava por lá. Um calafrio percorreu seu corpo, assim que Arthur gritou: — Cuidado!
Girou o corpo inteiro, movendo também o braço com a espada. Porém, assim que viu o que estava atrás dele, sabia que tinha caído em uma armadilha. Não era a vampira, mas outro dos três monstros subordinados, que conseguiu se esgueirar para trás dele no espaço entre o contra-ataque e o desaparecimento da vampira.
Lucas foi enganado duas vezes seguidas em uma única jogada. Uma abertura causada por uma distração era péssima. Pior ainda era uma abertura criada por duas! Não havia mais tempo para pensar ou reagir, então precisaria confiar puramente nos instintos para sobreviver.
Com o movimento sem poder ser interrompido, e o monstro ainda sendo uma ameaça, só restava seguir com o ataque. Entretanto, quando o sabre ia atingir o oponente, o vampiro fez uma ação impensável: atirou seu próprio corpo contra a lâmina, travando-a com a própria carne.
O rapaz tentou puxar a arma, mas o monstro usou toda sua força para segurá-la no lugar. Transpassada entre as costelas da criatura e com suas garras segurando firmemente a lâmina, o sangue escorria em um fluxo constante e violento, mas o monstro não soltou!
E então veio a sensação de cinco lâminas perfurando o lado direito de seu abdômen. O mundo pareceu ficar mais devagar, conforme sentia as garras da vampira rasgando cada milímetro de sua carne. Instantaneamente lembrou do que havia acontecido com o fuzileiro quando foi perfurado.
Seria transformado em um monstro, apenas mais um peão que se sacrifica de acordo com a vontade do mestre, assim como aquele preso em sua espada nesse exato momento.
“Não pode acabar assim, não agora e não desse jeito!”
O mundo continuava devagar, da mesma forma que acontecia quando se concentrava em um disparo importante. Precisava encontrar uma forma de sair vivo.
Além da sensação das garras do monstro, sentia também a aura corrompida da criatura avançando em seu corpo. Foi aí que se lembrou da própria energia.
Dois poderiam jogar esse jogo.
Concentrou toda a sua mente em uma única tarefa: queimar o mais forte que podia!
As garras do monstro se aproximavam de um limite perigoso, cada vez mais fundas. Mas isso apenas ajudou Lucas a conseguir o que queria.
De dentro para fora, queimou como uma fornalha. A aura ao seu redor aumentou, expandindo também as chamas que cobriam seu corpo e sua espada. Seu próprio sangue, que escorria pelas feridas abertas, começou a incendiar como se fosse gasolina.
O ataque da vampira foi rápido, preciso, perfeito. Absorveria a energia vital do humano teimoso diante dela e depois mataria o outro. Já sentia a energia do inimigo, que controlava tal como a própria respiração, sendo tomada para si mesma.
Mesmo assim, na fração de segundo em que fazia seu ataque fatal, sentiu que algo estava muito errado. O calor e as chamas avançaram mais rápido do que alguém poderia reagir, mesmo um monstro sobre-humano.
E em um instante, o braço inteiro da criatura foi engolido pelas chamas. Ela encerrou seu ataque, levando um pedaço da carne de Lucas junto, mas ainda uma ferida insignificante comparada ao que poderia ser.
A chuva continuava caindo e, mesmo que a tempestade estivesse forte, naquele instante a água não conseguiu competir com as chamas. Encontrando o calor extremo e o fogo sobrenatural, o vapor se espalhou como uma bomba em todas as direções, cobrindo a estrada em névoa.
E o braço da vampira continuava em chamas, mesmo com a chuva, mesmo com as várias tentativas de apagá-lo. Parecia que queimava de dentro para fora.
E era isso mesmo. A energia de Lucas agora corria por dentro da própria vampira, queimando-a com a mesma violência que ela usou para tentar roubá-la.
O primogênito dos Guerra aproveitou o espaço e se livrou do vampiro que segurava seu sabre, cortando-o enquanto arrancava a lâmina. Em seguida, caiu de joelhos, cobrindo a ferida na barriga. O plano tinha dado certo, mas aquele machucado deixaria tudo mais difícil depois.
O tempo que tinha para continuar lutando, que já era curto, ficou ainda menor. Precisava achar aquilo antes que chegasse no limite! Se forçou a levantar outra vez, ainda não tinha terminado.
Procurou a vampira e viu que ela ainda lutava contra o próprio braço em chamas. Olhou ao redor, encontrando em meio a lama um pequeno reflexo da luz de suas chamas. “Bem ali.”
O terceiro e último lacaio, que não tinha feito seu ataque junto aos outros, correu em direção à mestra. Com o braço direito ainda fumegante, usou o esquerdo para perfurar o peito do subordinado. Diferente de antes, as unhas quebradas não garantiram um golpe limpo e rápido — e a criatura agonizou enquanto era apunhalada até a morte.
O corpo do peão convulsionou e em seguida se transformou em pó. A vampira, por outro lado, finalmente conseguiu parar as chamas que consumiam sua carne. As feridas regeneraram, em partes, mas a grande bagunça que tinha sido causada pelo calor praticamente inutilizou seu braço direito. A criatura também chegou no limite.
Lucas correu em direção a sua oponente, movendo seu sabre com violência. A força, porém, tinha diminuído bastante — seu corpo tinha feridas demais e energia de menos. A vampira defendia os ataques e, a cada impacto, empurrava Lucas para trás. Ela havia voltado a vencer o duelo de forças.
Trocaram mais alguns golpes, mas o resultado já estava claro. Foi então que o primogênito fez um sinal com a mão livre. A vampira não entendeu, mas Arthur sim.
Todo esse tempo, estava apenas esperando a oportunidade certa para fazer seu último ataque. Com o cajado apontado para o monstro, usou toda a energia que ainda restava em seu corpo para criar uma bola de fogo. Era pequena comparada ao que tinha feito antes, mas era tudo que tinha sobrando.
Com um pensamento, a esfera avançou em direção ao monstro, atropelando as gotas de chuva que caiam do céu. A criatura percebeu o ataque e ergueu ambos os braços para se defender.
No instante que iria atingir o monstro, a direção foi alterada, explodindo no chão como uma bomba. Sujeira voou e a névoa ficou ainda mais espessa quando o fogo vaporizou instantaneamente todo o lamaçal daquele lugar.
Quando a névoa começou a diminuir, a vampira viu a silhueta do humano irritante próximo ao chão. Um sorriso pretensioso estava estampado na face da criatura. Erraram o ataque anterior e não tinham mais forças para lutar, estava tudo acabado! Seus dentes pontiagudos estavam à mostra em um sorriso diabólico digno de um outro mundo.
Quando Lucas levantou, seu sabre foi erguido o mais alto que podia. A vampira já sabia que a força do homem diante dela não era mais relevante, então posicionou ambos os braços acima da cabeça. Sacrificaria o braço debilitado para impedir a arma, e então cortaria a garganta dele de uma única vez.
O ataque aguardado, porém, nunca aconteceu. Enquanto o sabre continuava no alto, Lucas deu um passo adiante e passou a mão direita pela brecha na guarda da criatura. Um pedaço de metal frio encostou nos dentes expostos da vampira.
“Perto assim não tem como errar.”
À queima roupa, nada mais o impediria; seja um indicador quebrado, costelas fraturadas ou um coração no limite. Com o dedo médio, puxou o gatilho. Um barulho seco de pólvora explodindo foi seguido por um grunhido indistinguível. Uma nuvem avermelhada com fragmentos de ossos e massa encefálica jorrou da parte de trás da nuca da criatura.
O corpo do vampiro caiu para trás como uma marionete que teve as cordas cortadas. Seus olhos sedentos por sangue se apagaram. E sua vida se encerrou na sujeira daquela estrada esquecida.
Lucas se afastou do cadáver e caiu de costas na lama. Ao olhar para o lado, viu Arthur inconsciente, encostado em uma das árvores. Suspirou profundamente, apenas para se arrepender outra vez pela dor nas costelas. Finalmente havia terminado.
Com o corpo inteiro doendo e cansado como nunca esteve, olhou para cima. Estava parando de chover e as nuvens iam embora. O céu já começava a se iluminar e ficar azul.
Crac.
O barulho de um galho se quebrando soou. Lucas instintivamente olhou na direção do ruído, avistando um vampiro-inferior.
“Ainda tinha mais deles?!… Logo agora.”
Tentou se levantar, mas não conseguiu. Sentia dor em cada fibra de seus músculos, não conseguia mais mexer um único dedo. Continuou imóvel, enquanto a criatura corria na direção dele.
Quando o monstro estava próximo o suficiente, saltou na direção de seu rosto. O rapaz fechou os olhos e esperou o inevitável.
A dor, entretanto, nunca veio. Abriu os olhos novamente e viu algo que certamente não esperava. O monstro agora estava morto. A cabeça foi separada do corpo, bem na frente dele.
Logo ao seu lado, uma figura encapuzada estava em pé. Da luva com um símbolo estranho em uma de suas mãos, sangue verde pingava e se juntava à sujeira no chão molhado.
Ainda respirando com dificuldade, perguntou: — Quem é você?
A entidade virou o rosto na direção de Lucas, revelando uma máscara branca sem expressão, com olhos e bocas negras. Depois, olhou na direção de Arthur e sua atenção foi capturada pelo objeto ao lado dele.
Ele sentiu a energia familiar que vinha daquela bengala, e sabia que aquilo não deveria existir neste lugar. Somente um deles teria algo assim.
A figura se voltou novamente para o primogênito dos Guerra. Uma voz grave e antinatural, com um forte sotaque de um lugar distante, escapou pela máscara. — Então eliminaram não um… mas dois Precursores.
O rapaz na lama já estava ficando com a visão turva, tinha passado os limites do corpo há muito tempo, mas mesmo assim questionou o homem desconhecido.
— Não me diga que… matou essa coisa só com as mãos. Quem é você, afinal?
O mascarado apenas encarou em silêncio. A escuridão de seus olhos foi brevemente quebrada por um brilho azulado, que logo se apagou.
— Seu grupo foi o primeiro a manifestar ser uma ameaça. Eles observarão seus movimentos a partir de agora.
— Eles quem? Do que você… — Não conseguiu terminar de pronunciar a frase, sua consciência já estava indo embora.
O mascarado se virou e caminhou lentamente até a floresta. — Sobreviva e nos veremos de novo. — E então sumiu entre as árvores.
E Lucas finalmente desmaiou.