Guerra de Deuses - Capítulo 3
O Brasil era um país constituído de um povo batalhador. Localizado na América do Sul, um pouco abaixo da linha do equador, ele era comumente considerado um paraíso turístico.
Sua cultura era datada há séculos; construída pelas centenas de povos que viajaram para o novo continente.
O enorme país, diferente de muitos outros, não possuía tantos eventos catastróficos da natureza, além do calor, mas nada de anormal.
Quem vivia próximo do mar, não precisava preocupar-se com tsunamis. Aqueles que viviam no interior, também não se preocupavam com terremotos ou furações.
A flora a fauna era vasta e havia até um ditado entre o povo: “Nesta terra, tudo que se planta dá”. Além disso, também possuía recursos minerais, uma vastidão deles.
Sendo assim, este país possuía tudo para tornar-se um paraíso, não só turístico. Contudo, na realidade, isto não ocorreu durante muito tempo por conta da corrupção.
Até que o evento de invocação ocorresse.
Arskan sentava-se no banco traseiro do seu carro. Atravessa por um lugar perigoso e, olhando pela janela, conseguia ver, mesmo em tal lugar, a alegria do povo.
Crianças corriam de um lado a outro descalços e sorridentes, como se nada os afetasse. Ele passava por bares e via amigos batendo papo e bebendo uma cervejinha.
Acabou passando por uma pequena escola de samba e viu, ao longe, a felicidade das pessoas que dançavam e cantavam ao som de uma música melódica e animada.
Eles passaram por ali, chegando a grande cidade. Viram as pessoas vivendo o seu dia a dia. Um povo diferente; nunca antes vira pessoas desse tipo, tão batalhadores.
— Senhor, para onde vamos? — perguntou Henry, o seu motorista.
— Continue seguindo. Vamos pegar um outro avião no aeroporto, mas, antes, quero visitar alguns amigos.
— Amigos, senhor? E o senhor tem amigos? — debochou o motorista.
Arskan não lhe deu muita atenção. Durante estes cinco anos que passaram juntos, ele nunca havia lhe apresentado sequer um amigo.
Passou a maior parte do tempo buscando informações sobre o Mundo Divino e treinando o seu corpo. Esperava o dia premeditado que estava próximo.
— Chegamos, Henry — disse, parando em uma pequena academia de jiu-jitsu.
Arskan e o motorista desceram do carro e entraram no pequeno estabelecimento. Dentro, uma dúzia de jovens treinavam a arte marcial: jiu-jitsu.
As paredes do recinto eram decorados com prêmios, taças e medalhas. O motorista, um gringo de corpo e alma, olhava tudo com atenção.
Ele nem notou que Arskan havia desaparecido e encarou os vários prêmios até que uma foto lhe chamou atenção. Arskan estava nela.
Ele estava parado, de pé, no tatame em posição de combate. Era uma foto de alguns anos antes, então ele era bem mais magricelo.
Parado na foto, ainda assim, parecia um guerreiro preparado para o combate que viria.
— Arskan, o que é isso…? Hã? — O motorista olhou para trás e não viu o seu senhor. Buscou por um instante e finalmente o viu.
Contudo, surpresa lhe bateu. Ele estava em cima de um dia tatames, havia trocado de roupa e, à frente, enfrentava três homens.
Um moreno alto e sem camisa, um jovem de cabelo moicano, sem camisa e com luvas vermelhas em ambas as mãos, e um outro que usava um kimono de jiu-jitsu.
De repente, uma luta estourou. Ele observava toda à cena sem piscar.
Para Arskan, aquele combate lhe lembrou de um outro que teve anos antes em um beco escuro. Contudo o que ocorria naquele tatame não se poderia comparar, nem em nível ou técnica, com o do beco.
Os homens à frente eram mestres em suas respectivas técnicas: Capoeira; Boxe; e Jiu-jitsu.
Caso ele piscasse ou falhasse, perderia no segundo seguinte. Portanto, não agia com leveza. Olhava-os nos olhos e seguia seus movimentos.
O primeiro a atacar foi o lutador de jiu-jitsu. Tentou uma aproximação e um agarrão, mas foi interceptado pelo adversário.
Em seguida, veio o boxeador. Uma série de socos rápidos voou. Sendo impossível de desviar, Arskan apenas defendeu da melhor forma que poderia.
Porém o inimigo deu um passo atrás e se abaixou. Logo em seguida, um chute alto voou do capoeirista, jogando-o para o outro lado.
Arskan levantou rapidamente e limpou o sangue que escorria do nariz.
“Eles são muito bem coordenados…”, pensou “Preciso acabar com o lutador de jiu-jitsu, senão perco em poucos segundos.”
Vencer um mestre de jiu-jitsu em um combate no chão era algo praticamente impossível. Acabar com ele primeiro era de suma importância.
Ele também quase não conseguia acreditar que, ao visitar um antigo mestre, acabaria encontrando-se com três mestres e ainda teria chance de enfrentá-los.
Sorte? Talvez.
— Podem vir — provocou.
❂❂❂
Fora do tatame, observando tudo, estava o motorista, um garoto que limpava o chão, mas ficou absorvido pelo combate e um homem de meia idade, musculoso, de altura mediana e que usava um kimono com faixa preta.
— Mestre, o que tá acontecendo? Nossa! Olha aquele soco — perguntou o garoto, impressionado.
O mestre não lhe deu muita atenção e continuou olhando. Henry chegou perto dos dois e começou o seu falatório.
— Ei. Não é perigoso isso? Olha, Arskan está sofrendo. Não é melhor parar a luta? Ei. Você está me ouvindo?
Uma veia surgiu na testa do mestre que exclamou:
— Tem como vocês dois calarem a boca. Arskan não está sendo pressionado. Olhem.
Ao se virarem para o tatame, viram que, apesar de mais machucados, Arskan estava no centro do tatame, enquanto os mestres estavam na ponta.
— O que está acontecendo? — interrogou o motorista.
— Ele é que está pressionando eles.
O lutador de Jiu-jitsu se reposicionou, tentando outra investida. O suor caia no tatame e, por descuido, ele acabou por escorregar levemente.
Apesar de ser pouco, aquilo deu uma chance para Arskan. Com o tropeço do adversário, ele agarrou-o e o arremessou para fora do tatame.
“Um já foi; faltam dois”
O próximo a atacar foi o boxeador com golpes rápidos e investidas violentas. Cada soco era carregado do movimento inteiro do corpo dele.
Ele pulava de um lado a outro desferindo uma dúzia de golpes e, em seguida, vinha o Capoeirista com chutes potentes.
“Eu preciso acabar com a coordenação desses dois…”
Subitamente, Arskan desviou para o lado e jogou o corpo em cima do boxeador. Ele ficou surpreso com essa ação e colocou o corpo para baixo.
Contudo era uma finta. Arskan mudou o seu alvo para o Capoeirista. Este notou o avanço e preparou um chute alto com toda a força.
“É agora ou nunca.”
O chute veio com uma potência destruidora e, no último segundo, Arskan abaixou-se. Atrás dele, um som potente ressoou quando o chute acertou o rosto do boxeador.
O nariz dele quebrou e o sangue vazou, impossibilitando-o por um instante e deixando o outro confuso.
Aproveitando-se disso, atacou com uma série de golpes o capoeirista. Terminou jogando-o para fora do tatame. Caído com o nariz sangrando, o boxeador já havia perdido.
— Cara, você quebrou meu nariz — reclamou.
— Quem manda ficar atrás do adversário assim!
Os dois começaram a discutir e Arskan respirava pesado. Estava exausto do embate.
“Ainda não é o suficiente…”
Para ele, aquele nível de força não era o bastante. Ele havia acabado de vencer três dos maiores artistas marciais do mundo, mas não estava satisfeito.
Ele se aproximou do boxeador e estendeu a mão. O caído levantou a mão, achando que receberia auxílio para se levantar, mas o que ocorreu em seguida fez ele se arrepender.
Arskan rapidamente colocou o nariz quebrado dele no lugar. Mais uma poça de sangue saiu e ele voltou a se contorcer no chão.
— S-seu desgraçado! Eu quero uma revanche.
O capoeirista ria alto e Arskan não lhe deu mais atenção, indo na direção do seu motorista e do antigo mestre.
— Mestre — cumprimentou.
— Estou feliz em vê-lo novamente. — O mestre deu alguns tapinhas em seu ombro. — Melhorou bastante.
— Agradeço.
— Um homem de poucas palavras, né? Diferente desse aí — Apontou na direção de Henry.
O motorista tinha os olhos brilhantes como estrelas e quase louvava o seu senhor como um deus. Nunca antes viu uma luta desse nível.
— Já estou partindo, mestre.
— Eu entendo. Volte outro dia para ensinar uma lição nesses novatos. — Ele colocou a mão na cabeça do garoto que estava por ali.
— É claro. Henry, já estamos indo.
— Sim, senhor!
Eles então deixaram a academia. O mestre e o garoto olharam por um tempo até que sumiram de vista.
— Mestre, aquele cara era muito foda. Quando vou ficar assim?
— No dia em que aprender a limpar o chão direito. Some daqui e volte ao trabalho!
O garoto correu assustado. O mestre olhou para a porta da academia, para os seus prêmios, cruzou os braços e suspirou.
— Esse meu aprendiz… ele é realmente um monstro.
A memória daquele dia anos antes veio à mente. Parecia um dia comum em que o pupilo desafiava o mestre, mas não era bem assim.
Durante a luta, ele ainda tinha a vantagem contra o jovem magricelo. Porém, de repente, uma aura animalesca surgiu.
Depois, não lembrava de mais nada. Quando acordou, no hospital, descobriu que havia perdido. Depois desse dia, até o de hoje, nunca mais viu seu aprendiz.
“Por que você luta, Arskan?”
Esta foi a pergunta que ele fez antes de despertar o monstro e perder.
E, até hoje, se perguntava:
— Por que você luta, Arskan?
Os olhos negros dele; o mestre sabia que havia muito mais por trás deles.
❂❂❂
Do lado de fora, Arskan encarou o céu azul.
— Para onde vamos agora, senhor?
— Aeroporto.
— Disso eu sei. Estou falando de depois.
— Vamos à Amazônia.