Fate Candelions: Divina Saga - Capítulo 1
Antes do começo
Dizem que a Deusa da Guerra Scaliya, surgiu imponente dos céus quando uma oração singela atingiu os seus ouvidos. Era uma mulher revestida de ouro, tinha consigo duas reluzentes espadas nas mãos; uma lança de duas afiadas pontas nas costas; uma coroa de sete anéis sob a cabeça e asas que batiam mil ventos no ar. Ela olhou para os humanos subjugados e chorou. A escravidão diante de seus olhos doeu-lhe o coração e exigiu que o mal personificado erguesse perante ela. Daraj-Vzan, o rei-demônio conhecido por absorver 100 maldições e por condenar os humanos daquela terra precita, elevou-se das sombras com o seu exército infinito.
A Deusa Scaliya questionou o rei-demônio:
— Criatura perversa… Por que persegue essas pobres almas?
O rei-demônio balançou um de seus muitos braços rugosos em escárnio.
— Tolice sua, Deusa da Guerra. Não há pobres almas aqui. Apenas pecados sendo expiados. Volte para os céus, insolente. Essa terra já me pertence.
A Deusa da Guerra, no entanto, sequer devolveu a palavra para o rei-demônio. A espada na mão esquerda reluziu como a cor do sol, assim como a espada da mão direita reluziu como a cor do mar.
Scaliya brilhou no céu trevoso alcançando com sua luz suntuosa cada canto daquela terra amaldiçoada. O exército infinito a atacou, mas eles não puderam tocá-la. O rei-demônio usou sua lâmina feroz contra a Deusa e os dois travaram uma luta ad aeternum aos olhos dos humanos ali presentes.
Por fim, Scaliya baniu com sua força singular todos os demônios para debaixo da terra, e conteve Daraj-Vzan, mantendo-o preso aos seus pés descalços.
Armando-se de sua fulgente lança, ela encostou a arma no rosto de Daraj-Vzan. A pele rugosa foi rapidamente chicoteada, como se repelisse tamanha nobreza.
— Por quê? — Daraj sussurrou em meio ao próprio sangue. — Por que luta por esses humanos?
A Deusa, então, procurou em meio a multidão que a assistia estupefata, o autor da oração. Ela sorriu ao reconhecer de longe um jovem esguio, fraco e de pele machucada.
O sorriso causou repulsa no rei-demônio.
— Não posso ignorar um coração obstinado. — respondeu ela com seus olhos serenos.
O rei-demônio gritou em fúria, enquanto via a Deusa Scalyia ser ainda mais envolvida no devido resplendor.
Capítulo I. Pegos na Estrada N°6
Atrás da lua, onde a luz nasce e a escuridão se desvanece.
Aquela tarde deveria ter sido como qualquer outra para Damian Montgomery. Em frente ao aeroporto, o jovem esperava por alguém. Sua pose era despreocupada. Um boné lhe cobria a cabeça, óculos escuros protegiam os olhos do sol da tarde. O relógio digital no pulso marcava a hora exata da chegada de seu irmão. Não quis entrar e enfrentar a quantidade exagerada de pessoas no aeroporto, ele preferiu esperar do lado de fora. Mesmo que achasse sem fundamento sua presença ali, ficou quieto no canto, ainda mais quando avistou uma cabeça conhecida.
Era um homem de rosto brilhante e cabelo dourado. Em parte, parecia bastante com Damian, mas era um pouco mais velho e fora de época. Vestido com uma jaqueta jeans, desbotada e antiga, seu irmão mais velho, Elio, vinha caminhando calmamente para fora do aeroporto, trazendo consigo uma única mala de mão.
Será que ele tem mesmo tudo que precisa ali dentro? Um pensamento irônico lhe ocorreu.
Quando Elio chegou perto o suficiente, abraçou o irmão mais novo que aceitou o ato com uma careta no rosto.
一 Sentiu tanto assim minha falta? As pessoas estão olhando. — Damian reclamou, afastando-se. O outro sorriu largamente.
一 Você está tão alto, Dante. — O chamou pelo apelido carinhoso, verificando o corpo do irmão de cima abaixo. — Estou vendo até mesmo uns músculos, é isso mesmo?
一 Vamos indo. — disse, depois de ignorar o comentário do irmão. — Vamos pegar um táxi.
Os dois andaram um pouco. Elio ergueu o braço para um veículo no meio-fio.
一 Estou com fome. Por que não paramos e tomamos um café? Você deve conhecer as melhores cafeterias daqui. — Damian estava com o celular na mão quando o ouviu. Prestes a negar, foi interrompido antes mesmo de começar. — Dante, seu irmão está com fome, vamos parar rapidinho, hein?
Damian suspirou.
一 Elio, não posso demorar. Tenho um compromisso. Tem bastante comida boa na minha casa, não é melhor chegar e preparar algo?
一 Ah, tudo bem. — O irmão ponderou vendo o táxi estacionar. — Você prepara algo para mim, então?
Damian piscou insatisfeito, vendo o irmão entrar no táxi. Então, ele deu ao taxista o endereço de um conhecido café nas redondezas.
A imagem de Elio devorando com fervor um simples sanduíche de ovo lhe intrigou. Quis até mesmo perguntar se na Inglaterra não havia algo assim, mas não o fez. Não queria adentrar uma nova conversa.
一 Por que não pediu nada? — O ouviu falar de boca cheia.
一 Estou sem fome. — Damian disse passando o dedo pela tela do celular. Falava com alguém. O irmão mais velho limpou a boca com um guardanapo para depois dizer:
一 Como anda seu trabalho na internet?
一 Anda bem. — respondeu sem entusiasmo. — Como acha que eu me sustento?
Ele sorriu ao ouvir Damian.
一 Você é um adulto bem feito. Nossos avós fizeram um ótimo trabalho. — Damian franziu o cenho ao ouvir aquelas palavras..
一 Por que falou deles, de repente?
一 E por que não? Nós vamos visitá-los, com certeza. Sinto falta deles.
一 É um dia inteiro de viagem até eles. Eles estão bem, eu os mando dinheiro. — falou Damian sem olhar para o irmão mais velho. — Você já terminou? Preciso realmente ir.
一 Oh, sim, claro. — Elio tomou o resto de sua bebida em um gole só e ficou de pé, em seguida. — Vou pagar.
Damian pensou em tomar partido da conta, mas viu que ele já estava longe. Balançou a cabeça, concentrando-se no conteúdo do celular em sua mão. Um sorriso satisfeito abriu quando leu a mensagem.
Não fazia muito tempo desde que o irmão havia saído, no entanto, a insatisfação surgindo em seu semblante era nítida. Damian realmente precisava se encontrar com alguém. Chegou a deixar seus olhos percorrerem o estabelecimento. Era fim de tarde, a cafeteria estava tranquila e uma música ambiente quebrava as vozes das pessoas. Preferiu voltar a ficar imerso no telefone celular, não querendo perceber nada à sua volta. Torcia para que seu encontro não fosse atrasado por ter parado naquela cafeteria.
Só quando o irmão tocou-lhe o ombro, que o garoto foi arrancado do próprio mundo.
一 Afinal, o que tem nesse celular de tão bom? — O mais velho perguntou, guardando a carteira no bolso da calça. Elio tinha olhos doces quando direcionados ao irmão mais novo, o tom de brincadeira era evidente.
一 Mesmo que eu contasse, você não entenderia. Estou falando sobre relacionamentos, já esteve em um? — Damian inclinou o torso guardando o celular no bolso, sem querer dar aberturas para piadas.
一 O que você está querendo dizer com isso? Saiba que eu sou bastante popular entre as mulheres. — Soltou enquanto agarrava a alça de sua mala. — Não está sendo muito malvado com o seu irmão que acabou de chegar?
一 Eu já busquei você no aeroporto, fui bondoso o suficiente por um ano — pronunciou ficando de pé. — Já pagou?
一 Já sim — respondeu ele. — Mas me diz, quando ficou amargo? — Os dois começaram a andar lado a lado em direção à saída da cafeteria. Damian revirava os olhos por baixo dos óculos.
一 Depois de ficar fora por tanto tempo, não estaria sendo presunçoso dizendo que me tornei uma pessoa amarga?
— Dante! — Elio tentou avisar.
— Urgh! — Damian tombou para trás de susto. — Droga!
O casaco de algodão usado por Damian foi atingido. À frente dele estava a garçonete segurando uma bandeja vazia na mão. A bebida que ela levava havia sido derramada em Damian, ao esbarrar nele. Era uma bebida roxa que exalava um cheiro forte. Com a outra mão vazia, a garçonete segurava o braço de uma criança.
一 Você está bem? — Elio perguntou.
一 Claro que não, olha o meu casaco! — Mostrou Damian zangado.
一 Eu não estava falando com você. — O irmão corrigiu.
Damian cruzou o cenho forçando-se a olhar para a garçonete. Ela estava abaixada, falando com a criança. Não muito tempo depois, uma mulher surgiu pedindo desculpas pelo descuido do filho. Quando saíram de perto, a garçonete encarou os irmãos.
一 Agora posso pedir desculpas apropriadamente. Acabei segurei a criança por um momento para evitar um acidente e vacilei com a bandeja. Peço desculpas pelo acontecido. Posso oferecer algo? — explicou com a cabeça baixa, um sinal de rendição.
一 Nenhum problema… — Elio começou, mas foi interrompido.
一 Você tem alguma ideia de quanto custa esse casaco? — Damian indagou desdenhoso.
A garçonete piscou.
一 Como? — O garoto apontava para a roupa, até então, de alto custo. — Não, eu não tenho.
一 E se fosse uma bebida quente? E se você tivesse atingido o meu rosto, como iria se responsabilizar?! Acha que me oferecer um sanduíche vai pagar por isso?
一 Dante, o que está fazendo? — Elio pegou no ombro dele, mas o irmão o ignorou.
一 Se não é capaz de levar um copo em cima de uma bandeja, acha que esse é o trabalho certo para você?! Apenas se considere sortuda que estou sem tempo para falar com o seu gerente.
A garçonete ouvia tudo com um semblante plácido.
一 Peço desculpas novamente, não foi mesmo minha intenção. — disse ela mais uma vez, subindo o rosto e encontrando rapidamente o olhar de Elio. A garçonete piscou algumas vezes sem controle.
一 Vamos embora. Nunca mais volto aqui. E pode ter certeza que não vou dar cinco estrelas para esse estabelecimento.
Damian deu às costas deixando a garçonete e o irmão para trás. Elio não soube como agir. Apenas balançou a cabeça desconcertado.
一 Perdoe a grosseria do meu irmão mais novo, ele não costuma ser assim. Eu acho.
No entanto, a garçonete não respondeu. Apenas o encarava de um modo que nem mesmo Elio era capaz de entender. O irmão mais velho deixou a cafeteria ainda sob o olhar dela.
No táxi, os dois irmãos seguiram calados no banco de trás. Damian fazia careta quando o cheiro da bebida subia no vento. Ele precisou abrir o vidro do carro. Já Elio jogava olhares reprovativos ao garoto, o que não pareceu surtir efeito. O garoto não parecia abalar-se em nada com aquilo. O mais velho avaliou o perfil do mais novo e brigou consigo mesmo pensando:
A culpa é minha?
Damian tinha olhos afiados, uma fachada grossa que Elio talvez não conseguisse quebrar. Lembrava de quando eram crianças, o mais novo costumava agir com carinho e inocência. Sempre invejou esse lado amoroso dele. Nos momentos mais difíceis, buscava lembrar do rosto amigável de Damian. Aquilo o trazia paz, só aquilo o fazia querer voltar para casa. O que aconteceu, exatamente? Ele tinha o direito de reclamar? Não sabia dizer.
一 Por que agiu daquela maneira? — perguntou. — Dante, estou falando com você.
一 Que maneira? — respondeu sem tirar os olhos da tela do celular. — Do que está falando?
一 Qual o motivo daquela grosseria? Não viu que a moça segurou a criança para que algo mais grave não acontecesse?
一 Ah, está falando da garçonete? — Damian não mudou suas feições. — Deveria ser despedida pela falta de competência.
Elio levantou as sobrancelhas, entregando-se ao momento.
一 Como é?!
一 Você sabe, não sabe? — Damian virou seu corpo em direção ao irmão. — Eu trabalho na internet, preciso do meu rosto intacto. E se algo grave realmente tivesse acontecido? Essas pessoas precisam levar um choque de realidade.
一 Essas pessoas? O quão diferente você acha que é delas? Por que está agindo desse jeito? — As palavras dele fizeram Damian soltar uma risada carregada de ironia.
一 Por que eu me comporto desse jeito? Não acha que está alguns anos atrasado? — O irmão soltou o maxilar que antes estava preso. — Você está perambulando por anos pelo mundo, e de repente volta querendo falar do meu modo de agir, como se houvesse algum direito?
Elio parou por um momento para tomar uma respiração. Juntou as mãos uma na outra, abaixando a cabeça. Encarou os sapatos que usava, procurando distanciar-se do irmão mesmo que estivessem lado a lado. Damian murmurou um palavrão, retirando os óculos escuros para guardá-los em seguida no bolso do casaco. Cobriu os olhos com uma mão, falando:
一 Não vamos insistir nesse assunto, por que está tomando as dores de alguém que não conhece? Vou dar uma saída, mas podemos jantar juntos mais tarde.
Elio, entretanto, agia como se não tivesse escutado.
一 A culpa é minha — soltou. — Eu achava que tinha feito a escolha certa, achava que seria melhor… Não devia ter deixado você para trás. Eu não devia ter abandonado você aqui.
Damian fechou os punhos, ficando quase enfurecido.
一 Mas do que é que você está falando?! Eu nunca, em nenhum momento, me senti abandonado.— replicou. Seu semblante estava irritadiço.
A tristeza criou-se na face do outro. O táxi reduziu a velocidade ao virar numa curva. O silêncio permaneceu e o som do rádio tocando diminuiu a tensão dentro do carro. O clima do lado de fora mudou abruptamente. O sol da tarde partiu deixando carregadas nuvens negras. Uma névoa um tanto fora do comum assomou tomando conta da estrada. O motorista, um senhor já de idade, limpou as lentes dos óculos que usava quando percebeu que adiante, carros buzinavam e desviavam de algo.
一 O que é aquilo? — falou consigo mesmo de olho na Estrada Nº6.
Damian ainda mexia no celular quando notou que o sinal havia caído. Um pensamento rápido de que nada estava dando certo naquele dia lhe passou. Bufou, querendo sair do veículo. Elio nada dizia ao seu lado, aquilo o enlouquecia. Também não queria ser o primeiro a iniciar uma conversa. Não iria dar o braço a torcer. E de fato, não precisou.
一 Dante, nós precisamos conversar. 一 Quando ele concluiu sua frase, Damian não teve a chance de responder, pois o motorista gritou sobressaltado:
一 Tem alguma coisa na estrada!
Os irmãos o ouviram, mas não houve tempo de reação. O para-brisa estilhaçou em choque quando um peso destruiu a dianteira do carro. Os pneus gritaram contra o asfalto, buzinas soaram por todo lugar, o veículo foi de encontro a outro juntando-se em uma colisão.
Por fim, capotou indo parar no meio-fio.
Sair de um carro capotado não seria nada fácil. Foi o que pensou ao abrir os olhos, dando-se conta do que havia acontecido e de que também estava vivo. Foi capaz de capturar seu irmão mais velho, retirando com dificuldade o taxista do banco da frente. Elio estava do lado de fora, até então machucado, conseguia ver um rastro de sangue descendo pelo pescoço dele.
Droga, eu também? Pensou sentindo a cabeça latejar com força. Por que ele não me tirou primeiro?
一 Dante! Você está bem? Dante! — A cabeça de Elio apareceu na janela.
一 Para de gritar, estou lhe ouvindo muito bem. — Damian tentava se virar no banco de trás. Seu longo corpo não foi adaptado para aquelas situações. Não estava usando o cinto, acabou por descobrir como era a sensação de se estar dentro de um liquidificador.
一 Acha que consegue sair? — perguntou o irmão visivelmente aflito.
一 Não é como se eu quisesse ficar aqui por mais tempo. É bem desconfortável.
一 Vem! Me dá a sua mão que eu lhe puxo — Damian obedeceu o irmão, sendo trazido para fora do veículo. Só tinha a agradecer pelos vidros estarem abertos.
O garoto conseguiu ficar de pé com a ajuda do irmão. Ao ver o motorista desmaiado no chão e o caos que estava formado, exauriu-se. Seus ouvidos apitavam, era uma tortura dentro de sua cabeça.
一 O que foi que aconteceu aqui?! — falou alto, esfregando os olhos. — Tenho quase certeza de que alguma coisa atingiu o capô do carro antes de virarmos.
De repente, as pessoas em sua volta começaram a se dispersar. Damian havia estranhado o quão calado seu irmão estava, mas logo esqueceu disso, focando na confusão que ocorria. O garoto tentou compreender em vão. Não apenas os que envolveram-se no acidente, mas também outros largaram seus carros como se fugissem de algo. A maioria corria assustada. Alguns tentaram usar os celulares para gravar, mas desistiram rapidamente.
O que vinha ao longe? Ignorando a dor na cabeça, o garoto deu um passo à frente.
一 Damian! — A voz de Elio o chamando pelo seu nome irrompeu nos ouvidos dele como um berrante. O irmão mais velho ficou na frente e segurou seus ombros. — Você precisa prestar atenção no que eu vou dizer agora!
一 Elio, acho que tem alguma coisa acontecendo ali. Você não está sentindo essa vibração vindo do chão?!
一 Dante, escuta! — O irmão mais velho gritou mais uma vez sacudindo o corpo do garoto com exagerada força. Damian o encarou.
O chão debaixo deles tremeu e um impacto preencheu o ar, o mais novo sentiu como se um pequeno terremoto passasse pelo seu corpo. Elio agora apertava com mais força os ombros dele, mas havia se calado. Damian logo descobriu a razão.
Primeiro, pensou que aquela tarde era para ser como outra qualquer. Segundo, queria ter a certeza de que estava acordado ou que talvez, só talvez, o acidente de alguns minutos atrás não tinha avariado de vez sua cabeça.
Seus olhos o traiam, porque o que via não era possível.
一 O que é isso? O que…?
Era um ser que causava repulsa. E tão próximo deles estava. Uma criatura que não podia ser incluída na espécie humana, ainda que se parecesse com ela. Era alto; a pele assemelhava-se com a de uma cobra, tinha grandes músculos e uma face assustadora. Estava descalço, grandes e sujas unhas marcavam presença tanto em seus pés como em suas mãos. Os olhos eram amarelos, boa parte de seu cabelo verde não estava lá, como se sofresse de calvície. Sua aparência era surrada da cabeça aos pés. Se Damian pudesse falar algo, elogiaria a caracterização daquele cosplay.
Afinal, aquilo não passava de um cosplay, certo? A monstruosa arma na mão dele era falsa, certo? Toda atmosfera disforme que sentia no momento era de mentira, certo?
一 Elio, você está vendo o que estou vendo? ESTÁ?! — Surpreso por ouvir a própria voz, gritou para o irmão mais velho.
一 Gostou da surpresa? — Uma voz que nunca havia ouvido antes, palhaça e cínica. O ser havia falado com eles, e estava chegando perto. O garoto queria dizer algo mais, entretanto sua garganta não permitia. Não conseguia.
Elio não dirigiu nenhuma palavra ao garoto. Damian não podia imaginar que o irmão era tão forte assim, pois foi empurrado para metros de distância dali. Pela loucura do momento, podia jurar que o irmão havia colocado algo no bolso do seu casaco. O garoto foi arremessado com força, e só parou de rolar ao sair do asfalto direto para a grama.
Ele abriu os olhos que haviam se recolhidos sem perceber. O mundo ainda girava, mas a cena ao longe era mais importante. O irmão mais velho ainda estava de frente para aquilo. O coração batia apressado dentro do peito, Damian sentia-se assustado como um filhotinho.
O que está acontecendo? É um pesadelo? Estou dentro de um sonho, é isso?!
O garoto arregalou os olhos com o que veio a seguir. O ser enigmático mexeu no próprio cinto, fazendo com que uma longa corrente prateada caísse no chão. E como se tivesse vida própria, a corrente voou diretamente no pescoço de Elio, enroscando-o diversas vezes. Uma luz forte emanou e o irmão mais velho brilhou junto com a adoba. Antes de evaporar e desaparecer por completo, ele estendeu o braço em direção a Dante.
Fuja, Elio disse.
Em resposta, o garoto gritou.
Mesmo que quisesse fugir, não conseguia. Suas pernas não tinham mais vida.
一 O que acabou de acontecer? — murmurou hipnotizado. — Aquela coisa… Ela evaporou meu irmão? Elio?! Cadê você?
Damian não sabia o motivo pelo qual seu irmão desapareceu diante de seus olhos. Nada fora real, queria dizer a si mesmo que aquilo não aconteceu. Estava dentro de alguma brincadeira, estava sendo gravado, iria passar na televisão. Elio logo voltaria, rindo e dizendo: Peguei você, devia ter visto a sua cara!
No entanto, a situação caótica envolta de si era palpável demais para que tudo fosse mesmo uma invenção de mal gosto.
A corrente que fora usada para evaporar o irmão de Damian voltou obediente ao cinto do ser. A arma que, por consequência, o garoto passou a temer, estava prestes a ser usada. Um machado um tanto grandioso e pesado com uma lâmina férvida em forma de meia-lua. A madeira que o sustentava era traçada por espinhos pontiagudos. Os olhos da criatura encontraram-se com os de Dante e ele pôde sentir a temperatura do corpo cair.
Não venha, pensou, não venha, por favor.
Tudo que podia fazer era esperar. Já compreendia que agora o ser estava caminhando em sua direção. Todos os caminhos naquele instante o levariam à morte.
Que linda forma de morrer. Sempre achei que seria atropelado.
Pensou no irmão mais velho, quase não querendo acreditar que Elio estava de fato morto. Seus olhos ardiam.
一 Parado aí! — Damian moveu a cabeça a ouvir uma voz. A criatura agiu do mesmo modo. Dois policiais apontavam suas armas para o ser desconhecido. É claro, não havia como contestar que ele era a ameaça ali. No entanto, Damian sentiu um frio agonizante subir pela espinha.
一 Solte o objeto no chão e ponha as mãos na cabeça! — falou o primeiro policial.
A criatura nada disse, mas fez como dado a ordem. Agachou-se lentamente, deixando sua arma no chão. Damian estava anestesiado pela dor, mas via que aquilo não ia seguir outro caminho. Não havia nada que os policiais pudessem fazer.
Foi quando o garoto reuniu forças:
一 FUJAM! SAIAM DAQUI, ELE V… — Ele não terminou de falar.
Sem desvios, o machado guiou-se pelo ar até o primeiro policial. O garoto encolheu os ombros, vendo a cabeça do homem pender para trás. Sangue jorrou do terrível corte e o policial tombou morto no chão. Tiros foram efetuados, vindo do segundo policial. O homem tomado também pelo horror, não percebeu quando o machado flutuou por trás, atingindo-o nas costas.
O olhar choroso de Damian capturou tudo. Sentiu a barriga embrulhar e a mente virar diversas vezes. Parecia que ia desmaiar.
Impiedoso, o ser asqueroso logo chamou o machado de volta para si. Ele cheirou o sangue fresco dos homens em sua arma, aproveitando em deleite.
一 Ah, o cheiro dessa terra imunda não é tão ruim quanto eu pensei. É uma pena ter que ficar por tão pouco tempo. Adoraria sentir mais disso. — falava mais consigo mesmo, rindo triunfante. — É claro, eu detesto fazer essas coisas de modo desnecessário, mas preciso tirar a vida de todos aqueles que ficarem no meu caminho. Você acha que estou errado, hein?
Damian engoliu a saliva armazenada em sua boca, atrevendo-se a dizer:
一 O que você fez com o meu irmão?! — A voz chegou a falhar. — O que é você?!
A criatura sorriu sádica e deu pulos onde estava.
一 Ah, que momento delicioso, delicioso, delicioso! Na minha frente, bem na minha frente, eu tenho o irmão do Elio! Elio, o herói! Elio, salvador! Aquele que devia salvar a todos não será capaz de salvar o próprio irmão. — Ele riu descarado, a felicidade saltando nas veias do rosto. — E melhor ainda, o irmãozinho não sabe de nada. Será que eu merecia um presente desses, hein?!
Damian jogava tudo o que ouvia fora, voltando ao início:
一 O que você fez com o meu irmão?!
一 Você nunca vai saber. — disse ainda contente.
O vento brincou com o cabelo de Damian, o boné que antes o protegia se foi em algum momento, assim como seu celular. Nos arbustos atrás dele, era capaz de ouvir grilos cantando. Não havia mais polícia para aparecer, nenhuma pessoa passava por ali. Era um pesadelo que jamais imaginaria ter ou vivenciar. Estava sozinho. Iria faltar o encontro que prometera aparecer.
Será que ela o perdoaria? Caso soubesse do ocorrido? Será que acreditaria?
O machado na mão da criatura ainda pingava sangue como decoração. O ser estava perto demais dessa vez, não havia para onde ir.
Eu deveria começar a rezar agora? Não será tarde demais para isso?
一 Você vai morrer! — declarou a criatura, subindo o machado acima da cabeça do garoto. — Você vai morrer sem saber de nada!
O garoto, mortificado pelo momento, fechou os olhos e rezou. Quando nada sentiu, chegou a achar que a dor fora tão grande que causara o efeito contrário. Estava enganado.
一 O quê?! — Não foi Damian quem dissera isso e sim a criatura.
Ao levantar sua cabeça, entendeu a surpresa explícita no rosto disforme do ser. Entre eles, alguém se meteu. O machado não cortou a cabeça dele e agora via o porquê. Uma reluzente lança de duas afiadas pontas recebeu todo golpe.
O rapaz abriu de leve a boca quando reconheceu quem empunhava a arma para defendê-lo.
一 Quem voc… — O inimigo declarado tentou dizer alguma coisa, mas a dona da lança não deixou.
Ela impulsionou sua arma contra o machado e chutou seu mais novo adversário. A batida se fez presente nos ares, causando um rebuliço no ambiente. O ser foi jogado para longe dos dois. A garota então, virou seu corpo para Damian ainda sentado na grama. Ela segurava a lança com veemência.
一 Você está bem? — perguntou ficando de joelhos. O garoto não respondeu. — Está ferido? Consegue se levantar?
一 É você… A garçonete… Estou enlouquecendo…
Ela enrugou o rosto, observando a confusão dele. Damian ainda a encarava em espanto. A garota vestia o uniforme da cafeteria, o cabelo estava preso atrás da cabeça e a lança em sua mão não condizia em nada com ela.
一 Você não parece estar muito ferido. — disse o analisando. — Cadê o seu irmão?
As pupilas dele balançaram.
一 Elio… O meu irmão, ele…
一 Ele foi morto?
一 Não! Nós fomos atacados por aquela coisa e ele o prendeu numa corrente brilhante que fez o meu irmão sumir! Ele não pode estar morto!
A garçonete ponderou por uns segundos.
一 Aquela coisa que acabei de chutar está querendo matar você. E parece que não vai desistir, enquanto não tiver feito isso.
一 Por quê?! Por quê?! Por que ele quer me matar e o que ele fez com o meu irmão?!
Ela fez uma cara desentendida.
一 Você não sabe? — Damian respondeu com um rosto claro de quem não sabia. A garçonete repensou no que dizer. — Pelos olhos amarelos, acredito que aquele cara seja um híbrido. Uma raça antiga chamada Halvina… Mas o que diabos ele está fazendo aqui?
一 Um híbrido? O que isso significa? De onde ele veio? O que está acontecendo e você… Por que você… — dizia um pouco tonto. A feição da garçonete mudou, os olhos negros ficaram cabalísticos.
一 Ele nada mais que é do que um assassino. O que tinha de humano nele já se foi há muito tempo. São difíceis de matar.
O pulmão do garoto encheu-se de ar.
一 Por que isso está acontecendo?!
Eles não puderam continuar. Como um furioso touro, o adversário corria de volta para ela em pleno voo. A garota preparou-se para o impacto, mas o choque ainda foi grande. Machado contra lança, o ser raivoso a fez ir para trás, enquanto rosnava feito um animal.
一 Como ousa?! Quem pensa que é para me atrapalhar? Ninguém tira o meu prazer!
Ela não o respondeu. Aproveitando a inconsistência dele, o fez tombar para frente, retirando o peso do machado de si. Ele voltou rápido para tentar atacá-la mais uma vez, porém a garçonete foi ligeira. Defendeu-se arrastando umas das pontas afiadas até o rosto dele. Um corte foi feito, liberando um sangue grosso e esverdeado.
O oponente, desacreditado, passou o dedo pela bochecha. Ela afastou-se numa posição defensiva.
一 Que tal eu falar um pouquinho agora? — Soltou para ele. — Quem é você e o que quer aqui?
Ela é rápida, ágil. Sabe bem o que fazer, pensava Damian afastado, com grande surpresa. Quem é ela?
一 Eu não entendo, não entendo, não entendo! — dizia o inimigo insanamente. A garçonete cerrou os olhos para ele. — Não devia ter mais ninguém aqui, não devia ter nenhum deles aqui! Ninguém deveria me impedir. Você me seguiu?! — vociferou.
一 Não acha que está se dando muita importância? Por que eu seguiria um assassino como você?! — Damian a ouviu e quis pedir para que ela não dissesse provocações. Temia ainda mais no momento. Poderia sair algum acordo daquela conversa?
一 Você não é um deles, é? Não, não pode ser um deles. Não está vestindo nada. MAS O QUE É VOCÊ, HEIN?! Por que carrega essa arma?! — O ser apertava o machado com força à medida que gritava.
一 Minha arma? Foi um presente. Por quê? Nunca ganhou um? — provocou ela de novo, movendo a lança habilmente no ar.
一 Maldita. Eu vou… Cortar você… — Os olhos dele pulsavam como se fossem saltar. O sentimento de urgência cresceu.
一 Você precisa sair daqui! — Ela direcionou suas palavras a um Damian ainda paralisado. — Corre e se esconde em algum lugar!
Ele ficou de pé, hesitante.
一 Vou matar… Cortar todos os seus membros… Eu vou… — O ser chamado de híbrido delirava tomando o próprio tempo.
一 Agora! Você tem que ir agora! — gritou a garota.
一 Mas e quanto a você? — gritou ele em resposta.
O horizonte do inimigo clareou. Os primeiros pingos de chuva começaram a cair. O garoto não havia mexido um pé ainda.
一 Eu… Já sei onde vou primeiro. — O ser movimentou-se faminto, buscando por Damian.
A garçonete, prevendo o adversário, juntou-se ao híbrido no mesmo instante em que ele chegou até o garoto. Ela puxou o garoto pelo casaco, impedindo o golpe certeiro do inimigo. O rapaz cambaleou atordoado, não tendo reações para tal situação. Os outros dois — garçonete e híbrido — enfrentaram-se. Damian permaneceu entre eles. O ser horrendo tentava constantemente machucá-lo, enquanto a garçonete o defendia, conforme as investidas do inimigo.
O oponente continuou até agarrar o torso do garoto, como se pegasse um coelho pelas orelhas. Damian debateu-se contra o toque, atrapalhando a ação do ser. A garçonete o libertou, alcançando com a lâmina aguda o braço asqueroso do inimigo. Ela agarrou o rapaz para si, afastando-se o máximo que podia.
Sem brechas, o ser híbrido ficou vermelho. A raiva surgindo nos olhos amarelos.
一 Basta! — O berro potente não era um mero grito de ira e sim um golpe escondido. Uma fenda fina no chão se abriu e a garçonete foi afetada por uma rajada vil, sendo jogada para longe rente ao garoto.
Os dois foram lançados adentro em uma boscagem, sumindo entre as árvores, deixando para trás uma trilha de terra remexida.