Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 97
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- Capítulo 97 - Assim, Shimizu Shou expõe suas frustrações. (1/3)
1º Dia
10h27
O tempo decorrido já passou da grandeza de meses para anos. A insanidade que até então atacava uma pequena minoria espalha-se como um câncer por toda a escola.
Conforme as iterações passam, mais tribos e facções são formadas. A paranoia alcança graus tão elevados de desconfiança que pessoas que até então se consideravam amigas começam a agir com violência entre si causando graves ferimentos, os quais eventualmente acabam levando a óbito.
— Ei, vocês dois, parem com isso. Por que estão brigando?! — grita uma garota.
— Seu filho da puta! — um rapaz golpeia seu colega.
— Vai pagar por isso, maldito! — levanta-se e responde com outro soco.
Ambos seguem trocando socos e chutes, até que alguns minutos depois, um deles segura o outro pelos cabelos e bate a cabeça da vítima contra a parede.
— Morra desgraçado! — bate novamente.
— Morra! Morra! Morra!
Bate. Bate. Bate.
Um fluxo de sangue escorre pela parede lentamente até o chão enquanto o rapaz diminui o ritmo gradualmente até seu adversário parar de reagir.
O solta, constatando o seu adversário com o rosto desfigurado e sem sinal de respiração. Com isso contabiliza-se mais uma vítima desta paranoia que estamos sugestionados.
Cenas como esta se tornam cada vez mais recorrentes.
Já é possível observar uma queda populacional no ambiente. Pelas estimativas feitas por mim e Ailiss, cerca de trinta por cento do corpo discente já se foi. Seja por assassinato, suicídio ou tentativa de fuga da escola.
Dado o grau de ameaça que um indivíduo ocasiona ao convívio escolar, são tratados como casos extraordinários e então executados pelo próprio conselho com o intuito da manutenção da ordem pública.
A violência está tão alta que Mikoto e Ailiss estão sempre com o revólver e a metralhadora em mãos. Elas mantêm-se em um estado incessante de alerta, pois nunca se sabe quando alguém terá um surto e com algum objeto afiado começará a atacar as pessoas à sua volta.
— Por quanto tempo ainda precisaremos passar por isto, Johann-san? Isso nunca vai acabar? — pergunta Haruki ao observar o corpo de um jovem que se jogou do terraço.
— Me fiz esta pergunta diversas vezes. A violência possivelmente só irá acabar quando não sobrar ninguém para cometê-la, mas as estas repetições… temo dizê-lo que estamos condenados para sempre.
— Ele era do primeiro ano… era colega da Natsuki-chan. Acredito que depois de tantos casos eu deveria estar acostumada, mas ainda não consigo deixar de me sentir horrorizada com toda esta situação — comenta Keiko com o olhar perdido.
— Sei que é difícil, mas precisamos nos manter fortes, Keiko — diz Haruki a abraçando — Vou enterrá-lo no pátio, você já trabalhou bastante, pode ir para o bloco descansar.
Isso possivelmente só irá piorar daqui para frente… pergunto-me até quando eles irão suportar.
— Tome cuidado, já está escurecendo — Ela sorri.
Haruki solta-a, então nós pegamos o corpo da frente do bloco principal e começamos a carregá-lo até o pátio.
Após terminarmos de enterrá-lo, eu entro no saguão e me deparo com Natsuki que encara fixamente o local onde nós estávamos.
Esta garota…
…
Durante a noite, estou fazendo a minha vigia habitual para que Mikoto e Ailiss possam descansar.
Caminho pelos vazios corredores do bloco principal.
Como os residentes deste bloco caíram para um terço da quantidade original, desse modo os dormitórios estão menores e mais fáceis de serem vigiados.
Tudo muito quieto, até então não constatei nenhuma anormalidade. A única coisa que posso ouvir ao caminhar nestes corredores abandonados é o som do ecoar dos meus próprios passos.
Um mau presságio não cessa na minha cabeça desde esta tarde.
Paro próximo das escadarias e olho para baixo, tudo continua muito quieto, mas algo estranho parece emanar lá de baixo. Talvez eu esteja apenas pensando demais, mas sinto uma inquietação muito forte.
Decido verificar, então desço um lance de escadas.
Assim como nos andares superiores, ando por todos os corredores cautelosamente.
Após fechar este andar, irei finalizar esta ronda e ir descansar um pouco…
Repentinamente escuto algo que aparenta ser uma conversa. Ou melhor, uma discussão.
Sigo em direção ao som.
— Você disse que não estava interessada no senpai!
O que estão discutindo neste horário? Pelo toque de recolher todos deveriam estar nos dormitórios. Espere… esta voz.
— Natsuki-chan, qual o sentido de discutirmos isso tão tarde da noite? Já falei que o Haruki-kun e eu somos apenas amigos.
— Por que está mentindo para mim? Eu os vi se abraçando, sua mentirosa! Mentirosa! Mentirosa!
— Não grite. Já se esqueceu de que horas são? E o que tem demais no que fizemos? É apenas um abraço, amigos também fazem isso. Agora me deixe ir, pois tenho trabalho para fazer amanhã e por isso preciso dormir. Você também deveria fazer isso.
Natsuki está discutindo com Keiko a respeito de Haruki? Estava claro para mim que Natsuki possui afeto por ele, mas do mesmo modo também gosta de Keiko. Tanto que durante o looping ela atacou Ailiss para honrar a morte da amiga. Então por que estão brigando desta forma?
Não… estou sendo ingênuo. Os meus instintos já haviam me alertado anteriormente e isso era a fonte da minha inquietação.
Provavelmente ela está sofrendo do mesmo mal do Takashi. Parando para pensar, ela sempre teve uma predisposição para a insanidade, e ironicamente isto ocorreu na tentativa de vingar a pessoa com quem está discutindo agora.
— Não! Não vou ficar quieta! Vocês sempre estavam me enganando. Você falou que não estava a fim dele, mas agora eu percebi tudo… Como pude ser tão idiota?! Estava escancarado na minha cara este tempo todo!
— Natsuki-chan, já está tarde, vamos dormir. Você está com a cabeça quente agora, amanhã podemos continuar esta conversa se julgar necessária.
— Achou que eu nunca descobriria?! Sabe o que você é Keiko?! Uma puta! Uma cadela! — Natsuki começa a gritar mais alto.
E então… o que fazer? Talvez tenhamos que colocá-la em isolamento até ela se recuperar desta insanidade. Não… provavelmente só aumentaria a sua loucura assim.
Não temos condições de fazer qualquer tratamento psicológico, isso é um caminho sem volta. De toda forma, quem deve tomar uma decisão sobre o que fazer com Natsuki é a Mikoto.
— Somos amigas, mas não irei permitir que você fale comigo desta forma!
— Não irá permitir?! Pois eu falo, de novo: Sua puta! O que você pode fazer contra mim, hein?! Vadia!
— O que você está fazendo com isso?! Abaixe esta faca!
Faca?! Isto já passou de uma mera discussão, preciso intervir e parar Natsuki antes que ela faça uma besteira. Conhecendo-a, eu sei que não está blefando.
Tento abrir a porta e noto que ela não se move.
Se ela trancou a porta, então ela realmente pretende matar Keiko.
— Eu vou te matar sua piranha mentirosa!
Tento arrombar a porta com um jogo de corpo, mas fracasso.
Droga! Deveria ter treinado meu físico um pouco mais. Neste caso…
Aponto o revólver para a fechadura da porta da sala de aula e dou um disparo. Logo consigo abrir e ver duas garotas agarradas na penumbra.
Uma delas recua alguns passos e cai para trás.
Tarde demais, não acredito… Keiko já foi atingida. Não posso deixar a Natsuki continuar a solta desequilibrada desta maneira, no pior dos casos terei de apag-.
Antes que eu pudesse terminar meus pensamentos, percebo que me enganei no meu julgamento. Na verdade, a garota que caiu ensanguentada era Natsuki.
— Talvez eu esteja gostando mesmo dele. E a verdadeira vadia aqui sempre foi você — Keiko cospe as palavras e deixa a faca cair no chão.
Abaixo-me e constato que Natsuki sofreu uma facada em uma das regiões vitais. Mal tendo forças para replicar Keiko, ela apenas agoniza ao chão. Não há como salvá-la nestas condições, em pouco tempo ela irá morrer.
— Escutei os gritos e vim ajudá-la, porém não consegui chegar a tempo. Não está machucada? — pergunto a Keiko.
— Não está tudo bem… — suspira.
— Poderia me detalhar o que aconteceu aqui?
Então ela me relata o ocorrido. No final das contas ela conseguiu segurar o braço de Natsuki e tomar sua faca. No calor do momento acabou revidando e a matou.
E pensar que as duas amigas que em duas eternidades juraram vingança em nome da outra acabaram num conflito sem sentido…
Para mim a cada iteração fica mais claro que o tempo corrompe tudo. A linha que distingue as emoções humanas como boas ou más, saudáveis ou doentias, em meio ao tempo torna-se cada vez mais tênue.
Julgo o caso como legítima defesa e no dia seguinte enterramos o corpo de Natsuki.