Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 91
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- Capítulo 91 - Mesmo assim, a liberdade não reside aqui. (3/3)
1º Dia
10h27
Da mesma forma que a esperança floresceu repentinamente, esta não durou sequer um suspiro de alívio. Novamente o inverno chegou matando até a última pétala que tentara resistir.
A realidade é injusta. Muito injusta. Nossos desejos, sejam eles bons ou maus, não têm valor algum perante a cruel realidade. O mundo se comporta desta forma, e a nós só nos resta perecer perante ele, ter nossas convicções, valores e nosso ego completamente esmagados.
Tentei utilizar-me do ônibus escolar e inúmeras vezes repetir este procedimento, talvez com uma configuração diferente fosse possível alcançar uma distância suficiente. Mas tudo se demonstrou em vão. Não há garantia que esta distância sequer exista.
O raciocínio de Mikoto faz completo sentido para mim, mas quem disse que a existência está preocupada com bom senso? Esta estranheza pode ter sido plantada justamente para nos fazer criar falsas esperanças e então destruí-las, ou simplesmente só não há propósito algum.
Mikoto e Ailiss também estão sem ideias do que eu possa fazer. Tentei pedir a opinião de Manabu, Shou e Miyu, mas até mesmo as ideias mais absurdas vindas deles apresentaram os mesmo resultados.
Quem sabe não exista nenhuma solução, estou fadado a persistir nesta eternidade até minha alma se desintegrar.
O fluxo cíclico do tempo continua me desgastando mais e mais.
Diferente de mim, aqueles que não têm suas memórias preservadas não aparentam sofrer grandes impactos, pois o que me causa dano é a consciência de estar preso, e não o fluxo temporal em si.
Por isso, deixo de contar a minha história a Ailiss e Mikoto. Talvez isentá-la desta triste realidade seja mesmo o melhor a se fazer e assim poupá-las desta agonia.
Em meio ao desespero, na tentativa de evitar qualquer sofrimento às minhas amadas, retomo as minhas ideias iniciais. E por mais desgastante que isso seja psicologicamente para mim, mais uma vez necessito matar para me posicionar como um vilão digno de sua cooperação sem que estejam cientes do looping temporal.
Não sei até quando conseguirei manter isso antes de me perder novamente na imensidão do tempo, mas o mínimo que eu posso fazer por elas, eu farei sem hesitar. Tenho de matar novamente, depois de tantas repetições aquelas terríveis memórias voltam a ser realidade.
Mais uma vez os massacres tingem e colorem a neve.
No entanto, desta vez é diferente, pois eu conheci mais a fundo cada uma das pessoas que estou metralhando. Sei sobre suas famílias, do que gostam ou do que não gostam, planos para o futuro e afins. Eu parei de vê-los como meras marionetes e passei a vê-los como humanos.
Isto tudo parece ter servido apenas para tornar meu trabalho mais difícil.
Como tudo sempre volta para as condições iniciais, isto me parece um contrassenso, mas não consigo deixar de sentir o cheiro podre das minhas matanças.
Oh, o terrível odor desta pilha de corpos imaginária se decompondo.
Ou estaria este cheiro vindo do meu interior? Sim, já aconteceu uma vez. Novamente a minha alma começou a putrefar e assim continuará indefinidamente.
Iteração após iteração.
Falha atrás de falha.
Disparo, disparo, disparo.
Instintivamente eu penso na vivência que tive com todos que estou matando. Não há condições de pedi-los desculpas por isso, mas não posso deixar de fazê-lo, pois Ailiss e Mikoto são minhas prioridades.
Não importa o que esteja do outro lado da balança, as minhas decisões sempre irão pender para o lado delas. A minha escolha será sempre elas.
Certamente já devem ter se passado centenas de vezes. E assim mais uma vez me vejo caído no mais profundo abismo e ao que tudo indica, desta vez será um caminho sem volta.
Estou preso neste inferno até que a minha última gota de humanidade tenha evaporado.
1º Dia
10h27
O que é esta claridade à minha frente?
Uma janela? O que é mesmo uma janela? Ah, claro… tenho a impressão de que eu costumava usá-la para olhar para fora.
A única coisa que eu sei é que devo pulá-la. Por quê? Esta não é a sua função? Não é para isso que ela está aqui?
Aqui? Onde mesmo é aqui?
Olho em volta e vejo muitas mesas e cadeiras ordenadas em fileiras em frente a um espaço aberto com uma grande superfície escura acoplada na parede.
Acho que já estive num lugar destes antes, definitivamente estive. Mas de modo algum consigo me lembrar do que exatamente era feito por aqui.
No final de contas não importa, nada mais importa.
Somente devo me jogar como venho fazendo.
Um novo questionamento inunda a minha mente. Uma pergunta que esteve sempre na iminência de me assombrar.
Mas quem sou eu?
Meu nome? Acho que existia algo assim. Mas não sou capaz de me recordar do meu nome. Afinal, o nome tem algum propósito? Espero que não seja algo muito importante.
Olho meu reflexo translúcido no vidro da janela.
Não consigo me reconhecer. Tenho certeza de que já vi este rosto antes, mas parece fazer tanto tempo… será que posso dizer que eu ainda sou eu?
Ser… o que exatamente define ser? Algo precisa existir antes de ser alguma coisa, certo? E o que garante que isto exista? Eu existo? Tudo indica que sim… se eu não existisse, não estaria me perguntando sobre isso em primeiro lugar.
O que eu estou fazendo aqui? Não sei… e quem sou eu? Se eu não existisse, nem um destes questionamentos seria relevante. “Não existir”, talvez esta seja a minha resposta.
Recuo alguns passos para pegar impulso, corro em direção à janela e salto quebrando o vidro.
Enquanto caio em queda livre, vislumbro o ambiente ao meu redor. Contudo, não consigo me recordar de nada. Caio no chão juntamente de uma grande quantidade de cacos de vidro.
— Johann-kun! O que você está fazendo?! — grita uma garota — Socorro! Eu preciso de ajuda!
Quem é esta garota? Acho que já a vi fazendo isso antes. Sim, isto é algo recorrente. Ela costuma gritar logo após eu pular.
Não se cansa de sempre fazer a mesma coisa?
Afinal, o que aconteceu para ela buscar tanto por ajuda? Bem, como ela estava olhando para cá, estaria referindo-se a mim? Eu preciso de ajuda? Não me parece que seja o caso.
As minhas ações não são exatamente o que eu deveria estar fazendo? Então não preciso de ajuda.
E a propósito, o que é “Johann”? Por acaso, poderia ser o meu nome?
Não sei… talvez seja, talvez não. Acho que isto não tem mais nenhum significado mesmo.
HA.
Hahaha.
Hahahahahahahahahaha.
HahahahaHAHAHAHahahAHAhahAHhaHAahHAHahHAAHhahAHhahHAHahAHAHahAHHahhAHhahHAhahHAHAHahHAHaahHAHhahHHhaHAHa.
Olho para o lado e vejo um dos cacos de vidro da janela. Pego-o e examino de perto.
Para que serve mesmo isso aqui?
Numa tentativa de me lembrar, o aperto até senti-lo cravar na carne e minha palma começar a sangrar.
Isto… dói?
Ainda pressionando o vidro, observo o vermelho fluir pela minha mão.
Acho que me lembrei do que preciso fazer com isso, aproximo a minha mão do meu pescoço.
Meu cérebro parece estar sendo partido ao meio. A única coisa que eu sei é que tenho um dever a cumprir. Ailiss e Mikoto precisam de mim.
Ailiss e Mikoto?
Mas quem são elas mesmo?
Hahahahahahaha.
Apunhalo.
Hahahahahahahahahahahaha.
Apunhalo.
Apunhalo.
Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo. Apunhalo.
HAHahHAHAHHAhahAHhahHAHahHAHhahAHhahHAhahHAHahHAhahahHAhahHAHhaHAHahHAHahHAHhahAHhahHAHhAHa.
HAhahahaHAHHAhahHAHAHAhahHAhahHHAHhahAHAhahaHAHha.
HhahHahahAHAhaHhaahHAHaHHAhAHhAHaHhHaHAhaHahahahAHhaHAHHAHaHAHHAHAHAHahHahAhAHahahAHAhaHAHAHaHAHahAHahhaHAHahahahahahahahHAAHAHAHahHahHAahhaHaHA.
Hah-
Com a garganta cortada, afogo-me no meu próprio sangue.