Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 87
- Início
- Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem
- Capítulo 87 - Deste modo, Yukihara Mikoto e Ailiss von Feuerstein… (1/2)
3º Dia
14h14
Onde estou?
Ainda tonto e com a visão embaçada, fito a minha volta.
Branco? Certamente aqui não é o local de encontro com os demônios de Laplace pela ausência da névoa obscura.
Também posso afirmar que não morri e estou no pós-vida, pois se este lugar realmente existir o cenário seria tão obscuro e nebuloso quanto.
Agora me toquei de algo importante. O que aconteceu com elas? Não me lembro de quase nada após receber aqueles disparos.
Em todo caso, se eu estou vivo significa que a repetição ainda não se reiniciou. Devo encontrá-las e continuar a nossa conversa de onde parou.
Forço o meu braço e perna intactos para tentar me erguer, todavia o meu corpo não parece estar a fim de cooperar. Acredito que perdi uma quantidade considerável de sangue no processo, talvez eu deva descansar mais um pouco.
Minha visão mais uma vez começa a escurecer.
4º Dia
17h05
Abro meus olhos e vejo de novo o recinto branco, mas desta vez com a nitidez necessária para identificá-lo.
Já vi este teto antes… ah, estou na enfermaria da escola.
Levanto o meu tronco com dificuldade e vejo Miyu sentada em um banco próximo a mim.
— Johann-kun?! — faz uma expressão surpresa — Garotos, venham aqui! O Johann-kun acordou!
— Sério?! — ouço a voz de Manabu.
— Você nos deu um susto, Johann, achei que não acordaria mais — fala Shou enquanto ambos entram no meu campo de visão.
Então eles também estão aqui… mas preciso me certificar logo do que aconteceu comigo e com elas após a nossa discussão.
— Não consigo me lembrar de muita coisa. O que aconteceu? Como vim parar aqui? — pressiono a palma da minha mão contra meu rosto.
— Logo após você terminar de falar com elas, cambaleou para trás e caiu desacordado. Então o trouxemos para cá, fizemos os primeiros socorros e o deixamos descansar — diz Miyu.
Consigo recordar-me um pouco da minha visão escurecer enquanto falava com as duas. O meu último ato consumiu o restante das minhas energias. A surra que levei de Ailiss, e aqueles dois projéteis me deixaram acabados.
Mas ainda bem que eu não morri, pois pelas regras do jogo uma das duas sofreria das mesmas consequências do que eu.
— E então… — solto um longo suspiro — por quanto tempo eu fiquei apagado?
— Quase dois dias. Estamos no final da tarde do quarto dia confinados na escola — responde Manabu.
Entendo, então eu perdi um dia inteiro que poderia ser usado na conciliação das duas. Pelo visto irei fracassar nesta realidade, da próxima vez devo escolher melhor as minhas palavras.
Isto me leva ao questionamento mais importante de todos.
— O que aconteceu com elas?
— Fique tranquilo em relação a isso, ambas cessaram o conflito, ao menos por enquanto. Elas estabeleceram uma trégua e ambas vieram conferir o teu estado repetidas vezes, todavia em horários distintos, é claro — fala Miyu.
Estou um pouco aliviado ao ouvir isso. Porém, elas me visitarem? Bem, eu não deveria ficar surpreso visto do risco que correm com a minha morte. Ainda assim, é um resultado melhor do que o esperado.
Será que finalmente consegui fazer ambas se entenderem de uma forma franca? Sem manipulações e somente com meus sentimentos. Por mais efêmero que tenha sido, será que consegui alcançá-las? É difícil ter boas expectativas depois de tanto tempo preso a constantes fracassos.
— A propósito, Jocchi. Desculpe-nos, fomos desarmados. Não temos muita experiência nisso.
Não me faça passar por isto, Manabu. Vocês são os últimos que devem desculpar-se por algo. Comparar as suas atitudes com as minhas chega a ser enojante, tudo o que fiz a vocês é imperdoável… e ainda assim não tenho sequer a hombridade de me desculpar apropriadamente. O pior é que nem posso me desculpar, pois se eu fosse colocado em um impasse similar, veria-me obrigado a cometer os mesmos pecados.
— Não diga mais nada. Já fizeram demais por mim, começando em aceitarem a me ajudar nesta loucura. Não teria condições de segurá-las no mesmo ambiente por muito tempo sem um apoio. Por isso, muito obrigado.
Nossa conversa é interrompida por batidas na porta.
— Ah, deve ser alguma delas — Shou coça a cabeça, caminha até a porta e a abre — Ah, vocês? Entendo.
Ele retorna até a minha maca acompanhado das duas garotas.
Isso foi bastante surpreendente.
Se ambas estão juntas, posso concluir que deixaram suas diferenças de lado? Acho que posso ficar mais tranquilo.
— Então, você finalmente acordou? Está enfaixado como uma múmia. É bastante fraco para ficar dois dias dormindo somente por causa de dois disparos nos membros — diz Ailiss fitando-me por cima.
O mesmo mau humor de sempre. Nem mesmo após um coma ela consegue ter um mínimo de empatia comigo? Não posso reclamar, é justamente por esta personalidade tóxica que eu me encantei.
— Sim, mas ele ainda está debilitado, precisa repousar mais um pouco — fala Manabu.
— Kaichou, agora que ele despertou. O que vocês pretendem fazer? — indaga Miyu.
— Como foi pontuado, primeiramente o deixaremos descansar. Acredito que vós também estejais cansados por acompanhá-lo nestes dois dias. Não gostaríeis de revezar este turno conosco? Estive ocupada encobrindo o que foi o som dos disparos e não pude colaborar convosco mais cedo — toca em sua testa e exibe uma expressão de exaustão.
De fato, os tiros certamente puderam ser ouvidos por toda a escola e todo o tipo de rumores já deve estar circulando.
— Eu topo! Ai cara… tô morrendo de sono — boceja Shou.
— Não tão rápido, Shimizu-kun! — Miyu o segura pelo blazer e volta-se para Mikoto — Como podemos acreditar em vocês?
— Fique tranquila. Elas não me farão nenhum mal, afinal eu sou o seu passaporte de saída — respondo.
Miyu me encara por alguns segundos e então assente com a cabeça.
— Isto esclarecido, podemos conversar em particular com o Johann? Acredito que tenhamos muitos assuntos pendentes a resolver — fala Mikoto.
Os três olham para mim e eu respondo.
— Por favor.
Eles concordam e deixam a enfermaria.
— Melhoras! — Manabu fala enquanto fecha a porta.
O som da porta se fechando dá margem a um extenso silêncio entre nós nesta sala alaranjada pelo pôr do sol.
Bem, está na hora de verificar os resultados das minhas ações.
— E então? O que vocês querem falar comigo?
— É um pouco difícil para eu colocar em palavras, porém Ailiss e eu conversamos bastante depois do incidente. Contudo, ainda vejo tudo isto de forma bastante confusa — Mikoto pressiona suas têmporas — não há um assunto em específico que gostaria de debater, todavia minha mente está bastante atordoada com tudo o que tu nos disseste.
Não sinto hostilidade de nem uma delas, ainda assim preciso confirmar.
— Ambas dialogarem já é um grande avanço. O que ficou decido a respeito da sua vingança, Ailiss?
— Mikoto não é mais um dos meus alvos, não se preocupe com isso. Penso que as nossas desavenças estejam bem esclarecidas — Ela solta a sua arma em uma das mesas e escora-se na parede.
— Ótimo. Neste caso, o meu trabalho aqui se encerrou. Não acho que isto terá um impacto sobre as repetições, contudo é uma tentativa válida, um aprendizado. Então, se puder me emprestar a sua arma, posso liberá-las agora mesmo.
— Nada disto, ainda há pontos a serem esclarecidos entre nós, como as tais repetições que acabaste de mencionar — Mikoto cruza os braços — Não tenho como verificar a veracidade das tuas informações, mas a nossa condição é que tu permaneças vivo até o restante do prazo deste jogo.
Do meu ponto de vista, como elas provavelmente irão se esquecer de tudo, não há mais sentido em permanecer nesta iteração. Contudo, Mikoto tem razão. Isto seria injusto se eu me colocasse na perspectiva delas. Eu simplesmente desaparecer sem dar nenhuma explicação não é correto.
Não tenho o porquê ter pressa para ir para a próxima repetição.
— Tudo bem, explicarei sobre tudo o que vocês pedirem.
5º Dia
12h04
Esfrego meus olhos e fito ao meu redor. Para a minha surpresa, ambas ainda estão na enfermaria. Mikoto está sentada ao meu lado com seus olhos concentrados no livro em suas mãos. Por outro lado, Ailiss está escorada na janela e com a atenção voltada para o pátio da escola.
Uma leve brisa adentra o quarto balançando as cortinas e os cabelos de Ailiss.
Ao vê-las tão calmas e distraídas, um sorriso se forma em meu rosto.
Este tipo de tranquilidade me é estranha. Pareço estar em um sonho, um sonho do qual não quero acordar, mas isto infelizmente não deixa de ser um sonho.
— Que horas são? — pergunto ainda sonolento.
— Já está na hora do almoço, tu queres que eu busque algo para ti? — pergunta Mikoto fechando o livro.
— Não, não precisa. Estou sem fome, mas e vocês já almoçaram? — respondo.
— Estávamos esperando os idiotas dos seus amigos para a troca de turno — responde Ailiss.
— Oh. Não estão preocupadas demais comigo? Os três jogadores somos nós, portanto não há quem possa iniciar uma agressão contra mim.
Até mesmo a violência que não partia de nós necessariamente foi sugestionada pelo medo ocasionado por nossas ações, especialmente as minhas.
— Nunca se sabe, ameaças podem surgir de onde menos se espera. Portanto, manter a guarda levantada é essencial — fala Mikoto.
— Se vocês forem esperar por eles, vão ficar sem almoço. O Shou sempre costuma nos atrasar para qualquer compromisso.
— Entendo. Que tal nós duas revezarmos, Ailiss? Tu podes ir almoçar agora, e quando tu retornares, eu vou.
— Por mim tudo bem — Ela responde.
Ei, vocês não estão exagerando?
— Não se preocupem com isso, eles não devem demorar muito — forço um sorriso — Podem ir descansar, vocês duas passaram a noite aqui, não é?
— Tudo bem. Mas nada de travessuras como fugir da enfermaria — ri — Fica aqui e repousa — Mikoto levanta-se.
Ambas saem e fecham a porta.
Deito-me e novamente caio no sono.
…
Desperto com o som da porta se abrindo.
Provavelmente são aqueles três, estou curioso para escutar qual foi a encrenca em que o Shou se meteu para que eles se atrasassem na troca de turno. Com certeza renderá algumas boas risadas.
Noto que os passos se aproximando são de uma única pessoa.
— Quem é? Miyu? Manabu? — pergunto.
— Precisamos conversar — surge Takashi.
O que ele está fazendo aqui? Não tive nenhum contato direto com ele durante esta repetição. Pelo que Mikoto me relatou, ela ainda não havia contado a ele sobre ser uma jogadora, então deve estar na ignorância sobre o jogo.
Espere.
Logo consigo ligar os pontos. Realmente fui ingênuo de não me lembrar do quão maluco este cara pode ser.
— O que você quer de mim?
— Responda-me, qual a sua relação com a Yukihara-san? Por que ela está passando tanto tempo aqui? Isto tem alguma ligação com o estrondo que ouvimos três dias atrás?
Como imaginei, ele é a pessoa com mais contato com Mikoto, naturalmente ele ficou ciente destes eventos mesmo que a própria tentasse ocultá-los.
— Somos apenas conhecidos. Digamos que eu sofri um pequeno acidente e ela se sensibilizou com a minha causa, nada mais do que isso.
— Um pequeno acidente o deixaria neste estado? Um estrondo, você gravemente ferido e um revólver nesta sala — observa a arma de Ailiss — O que exatamente aconteceu?
Droga! Ela deixou a arma aqui?! O que a Ailiss tinha na cabeça?! Ela nunca deixa esta arma para trás!
Sem me dar tempo para inventar alguma desculpa, ele volta a falar.
— Bem, na verdade não importa. Como você veio parar na enfermaria não é a questão. O problema é a sua relação com a Yukihara-san. Ela, dentre todos os estudantes, sofrer empatia ao ponto de realizar várias visitas à enfermaria e ainda passar uma noite aqui? — encara-me — Tanto apego por um mero conhecido? Impossível.
Não sei como encarar isso, chega até ser cômico. Definitivamente Mikoto e Ailiss possuem personalidades bastante tóxicas, qualquer um próximo a uma delas está ciente disso.
Mas afinal, quais são as suas intenções? Quer que eu meramente me afaste de Mikoto?
— O que você está insinuando?
— Não estou insinuando nada. Eu estou tratando de fatos. O primeiro fato é a repentina mudança comportamental dela, isto só pode decorrer de uma intervenção sua. Diga-me, o que você fez com ela? Está a enganando?
— Já disse que não é nada disso. Mas se você se recusa a aceitar minhas palavras, por que está perguntando em primeiro lugar?
Conhecendo a sua personalidade ele não irá mudar de ideia tão facilmente.
— É claro que você não vai confessar o que fez com ela. Mas já tive uma ideia de como fazê-la voltar ao normal, e encontrá-lo nestas circunstâncias foi bastante conveniente, realmente é meu dia de sorte — pega a arma de cima da mesa.
— Takashi, não faça isso. Eu sou um jogador, se me matar você também morrerá.
— AcHA qUe eu ME ImpORtO CoM IssO?! — arregala os olhos.
É a mesma situação das repetições. No fim ele acaba cedendo a sua própria psicopatia mesmo que não seja propositadamente estimulado para isso. Nada que eu falar irá fazê-lo parar.
Takashi levanta a arma em minha direção e se prepara para puxar o gatilho.
Não perderei muita coisa com isso, o mundo irá simplesmente reiniciar. Ao menos posso guardar esta experiência e me manter mais alerta em relação a ele.
Ele puxa o gatilho.
Todavia, nada acontece.
Puxa mais algumas vezes e indaga com sua voz desesperada.
— PoR qUe eSSa mErdA nãO fuNcIOna?!
A porta se abre e ele se vira para a entrada da enfermaria.
— Larga isto agora mesmo, Tanaka-kun — escuto a voz de Mikoto.
Ele repentinamente vira-se para ela e tenta recompor a sua postura para dá-la explicações.
— Yukihara-san, não me entenda mal, eu estava fazendo isso por você!
— Não quero ouvir as tuas desculpas, somente obedeça-me. Ou irei encarar-te como um traidor e as coisas ficarão muito feias para o teu lado — replica enquanto escuto ela se aproximando.
Chegou em cima da hora, pelo visto o dia de sorte na verdade é o meu.
— Por favor, não! Não é bem o que você está pensando… — Takashi recua alguns passos.
— Por clara tentativa de homicídio, tu serás julgado como ameaça a ordem e a segurança escolar, por isto, deixar-te-ei em reclusão até o tempo limite de confinamento na escola — aproxima-se com cordas em suas mãos.
Espere, se ela já está preparada para prendê-lo, então já estava ciente que ele viria até mim?
Takashi tenta fugir, passa por ela e corre em direção à saída.
Até que escuto o som de um impacto e vejo o seu corpo voando contra a parede. Em seguida, Ailiss, a única que poderia fazer tal façanha adentra o meu campo de visão. Aproveitando-se de que ele está atordoado, Mikoto começa a amarrá-lo.
— Bom trabalho — diz Mikoto enquanto termina de fazer o nó.
— Como vocês sabiam que eu seria atacado?
— Tu estás subestimando-me? Isto ficou evidente pelo modo dele conversar comigo, e também pude perceber ele nos seguindo a todo momento até aqui. Somente precisava pegá-lo em flagrante para confirmar as suas intenções — explica Mikoto.
— A arma também foi plantada propositadamente?
— Sim, foi ideia dela. Então a deixei descarregada para servir de ferramenta incriminatória — diz Ailiss.
Sinto muito por ter colocado em dúvida a sua competência e responsabilidade como portadora de armas.
— Ainda assim poderia ter me avisado deste plano com antecedência, pois me pouparia de um grande susto.