Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 82
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- Capítulo 82 - Lamentavelmente, Johann Geistmann desmorona sobre seus pecados. (1/2)
1º Dia
10h27
Ei, acorde.
Vamos. Mova-se.
Mova-se!
Se eu continuar na inércia, elas continuarão sofrendo. Mesmo sabendo que tudo irá se reiniciar, não posso permitir que elas passem por isso mais uma vez.
Sem reação, meu corpo não se move.
O que está acontecendo comigo?
Meu espírito consumiu todas as suas energias. Não consigo mais manipular esta linha temporal para um fim no qual as duas tornem-se aliadas. Acho que esta capacidade já se perdeu em meio a tantas tentativas.
Não aguento mais ter de matar, não aguento mais cumprir este papel. Minha sanidade está prestes a se romper.
Mas não posso permitir de forma alguma que uma machuque a outra enquanto apenas eu me isento deste sofrimento.
Então o que fazer?
…
— Jocchi, o que aconteceu? Você ainda não comeu nada — pergunta Manabu preocupado — Está me ouvindo?
— Acho que ele pirou de vez. Talvez amanhã ele esteja melhor — replica Shou.
Permaneço vegetativo até o momento em que Ailiss esconde a sua metralhadora.
…
Tudo bem. Acho que ao menos para isto eu consigo reunir energias. Pois desta forma irei realizar somente dois procedimentos, então poderei descansar minha cabeça pela maior parte do tempo, e assim conseguirei me revigorar de uma iteração para outra. Ao mesmo tempo, poderei testar mais hipóteses para validar a veracidade das regras deste jogo.
Mais uma vez pego a metralhadora de Ailiss, no entanto, desta vez não planejo realizar nenhum massacre.
Espero a noite cair, e armado caminho até o antigo bloco da escola. Com a mente vazia, desço as escadarias até o porão.
Estou ciente de que o menor barulho que eu emita será o suficiente para que ela perceba a minha presença.
Ando cuidadosamente entre os entulhos que tomam conta do piso do porão, especialmente daquele maldito pedaço de espelho que me atrapalhou por inúmeras vezes. Logo em seguida consigo avistar um vulto entre as estantes e assim continuo aproximando-me vagarosamente.
Apesar dos meus esforços, ela provavelmente já me notou, entretanto desta vez estou preparado para a sua abordagem nada amigável.
Nostalgicamente o cano de um revólver surge bem à minha face.
— Tem cinco segundos para responder minhas questões antes que eu estoure seus miolos. Quem é você? Você me seguiu? E o mais importante de tudo, por que está com a minha metralhadora? — Ailiss franze a testa e pergunta com a voz sombria.
Como imaginei, mesmo adquirindo muita experiência em todas estas chacinas que fiz instintivamente. Nunca conseguiria superar os afiados instintos desta garota. Em condições normais eu seria derrotado por ela em qualquer campo, entretanto ainda possuo certa vantagem que adquiri preso nestas repetições.
— Quem sou eu? — suspiro — Acho que já esqueci isso há muito tempo.
— Está tirando uma com a minha cara? Você não deveria confundir coragem com imprudência — pressiona o cano em minha testa — Vou lhe dar uma última chance para responder às minhas perguntas.
— Sinto muito caso tenha se sentido desrespeitada, porém é a verdade. Em todo caso, pode me chamar de Mistkerl, Ailiss.
Ao ouvir minha resposta, percebo certa contração muscular por parte dela. O déjà vu tem efeito em menor escala nas duas, mesmo assim a confusão mental é capaz de paralisar o seu corpo por uma fração de segundos.
Rapidamente movo minha mão esquerda golpeando o cano do revólver, o qual salta para longe, e então pressiono o cano da metralhadora contra o abdómen de Ailiss.
— O que foi isto? Como você sa- — Ela pergunta ainda confusa.
— Como conheço o seu nome? Isso não importa. Eu sei que você planeja reagir confiando nos seus reflexos de assassina. Todavia, peço que se renda, não pense que irei hesitar porque você é uma jogadora e, por mais habilidosa que você possa ser, não há como eu errar a queima roupa — a interrompo.
Notoriamente estou blefando, eu seria incapaz de puxar o gatilho, jamais faria algo para feri-la. Desculpe-me, Ailiss, entretanto esta pequena ameaça se faz necessária. Neste ponto os fins justificam os meios.
Vendo-se sem saída, Ailiss com uma expressão nada agradável ergue suas duas mãos para cima.
— Tsc. Pois bem, você me pegou. O que quer de mim?
Provavelmente deve estar aguardando uma brecha para que me desarme. Qualquer descuido da minha parte é o suficiente para que ela reverta a situação, preciso prendê-la com cautela.
— Por enquanto, apenas quero que fique aqui e não interfira no jogo.
Com ela rendida, a amarro com o triplo de cordas que normalmente usaria.
— Tudo isso? — encara seu corpo todo revestido por cordas.
— Sei bem o quão ardilosa é. Nenhuma precaução é demais se tratando de você.
— Entendo, então também está ciente da minha força. Não me irá dizer como sabe tanto a meu respeito? — pergunta ainda frustrada com a derrota.
— Talvez outra hora. Agora tenho outra tarefa importante a cumprir — abaixo-me, pego o seu revólver e coloco no bolso — Não se mova, eu voltarei o mais rápido possível.
Não há nada a comemorar, agora devo focar minhas atenções na captura de Mikoto.
…
Como não ocorreu nenhum assassinato nesta repetição, a segurança ainda não está tão alerta. Nas minhas outras tentativas ela colocou alguns membros de guarda a partir do terceiro dia, talvez ainda não esteja tão receosa devido a sua suposta imunidade aqui dentro. Basta então que eu espere Takashi e os outros membros do conselho deixem a sala.
Aguardo até o anoitecer e antes que Mikoto fosse até seu posto de vigilância do dormitório feminino, adentro a sala do conselho estudantil.
— Qual o significado disto? Não estava esperando nenhuma visita neste horário — Ela me encara com seu olhar afiado.
— Não tenho tempo para explicações, mas você vem comigo.
— Quem tu achas que é para dar-me alguma ordem? Retira-te imediatamente ou serei obrigada a mandar detê-lo por ameaça — desliza a mão para baixo da mesa.
Não posso manter a guarda baixa por ter tido a sorte de render a Ailiss. Mikoto apesar de não viver no submundo, possui bastante competência para se defender, dentre as pessoas presas nesta realidade ela está apenas atrás de Ailiss. Infelizmente, eu a conheço muito bem e pude ler o seu sutil movimento.
— O que pretende fazer com essa faca? Solte-a agora mesmo — caminho em sua direção e aponto a arma para o seu rosto.
— Uma arma? Então naquela hora… — arregala os olhos — Tu não podes disparar, pois eu sou- — tenta manter a calma para falar.
— Uma jogadora — a interrompo — Acredite, eu não me importo com isso. Contudo, você valoriza sua vida, então apenas venha comigo sem questionar. Mas respondendo a sua indagação: Não, não fui eu que a forcei a conjurar o jogo.
— Então quem foi? Vós estais a trabalhar em conjunto? Confesso que cometi um grande equívoco. Não pensei na possibilidade de existir mais de um assassino atrás de mim.
— Não exatamente, suas suposições não estavam erradas, mas isto não vem ao caso. Agora, largue essa faca e venha comigo.
Mikoto deixa a faca cair ao chão, cerra seus punhos, suspira e por fim levanta-se.
— Pois bem, dou-me por vencida. Diga-me o que queres de mim? Matar-me? Se for o caso, já deves saber que não podes fazer isto diretamente.
Nada que não pudesse presumir, claramente a primeira coisa que ela faria numa situação assim seria tentar ganhar tempo para que Takashi, Haruki ou outro membro do conselho estudantil nos encontre por acaso e a ajude escapar desta situação.
— Não tente me enrolar, eu conheço muito bem todos os seus joguinhos. Só siga em minha frente para onde eu ordenar e fique claro que saberei se tentar comunicar-se com alguém durante o trajeto.
— Percebeste isto? Estou certa de que tu és um estudante desta escola, mas esta é a sua única identidade? A mando de quem tu vieste atrás de mim?
— A propósito, não lhe dei liberdade para fazer mais nenhuma pergunta.
Não posso dar-me o capricho de tratar ambas de maneira adequada.
Escondo o revólver em meu uniforme escolar e continuo apontando para ela como uma forma de ameaça, e assim deixamos a sala do conselho estudantil.
Desvio os corredores que provavelmente estarão mais movimentados e saio juntamente dela do bloco principal em direção ao pátio.
Ainda com o revólver em suas costas, vamos até o esconderijo onde Ailiss está amarrada.
Descendo as escadarias para o porão, Mikoto pergunta.
— Tu não poderias escolher um ambiente mais agradável para me levar?
Ainda pretende desviar a minha atenção para buscar uma brecha para a fuga? Você é bastante astuta, Mikoto. Porém, isto não vai funcionar.
— Continue andando.
Passando o mar de entulhos, amarro Mikoto e a coloco sentada ao lado de Ailiss.
As duas garotas amarradas se entreolham e encaram-se por alguns segundos.
Provavelmente sentem certa familiaridade, tanto em relação ao incidente que precedeu este jogo quanto à interferência entre as linhas temporais em si.
Isto resolvido, a pior parte já passou. Agora só preciso vigiá-las para que nenhuma das duas se solte. Definitivamente esta é uma forma muito mais tranquila de tê-las sob controle do que realizar aquela velha encenação de sempre.
— Pois bem. Acho que vocês ficarão inquietas até dá-las alguma explicação do que está acontecendo aqui — pauso — A verdade é que nós três somos os jogadores. Para evitar qualquer conflito, decidi prender ambas aqui.
— Estás a dizer que não pretendes matar nem uma de nós? Qual o sentido de nos prender aqui? Tu sabes que as regras ditam que no fim do prazo iremos todos morrer — Mikoto replica.
— Sim, eu sei. E daí?
— Como assim, e daí? Tu não te importas com a própria vida? Bem, tu alegaste que não ligava para o fato de eu ser uma jogadora quando ameaçou a me matar… quais são as tuas reais intenções?
— O que eu acho ou deixo de achar não é do interesse de vocês. E do que adianta explicá-las algo sendo que inevitavelmente acabarão esquecendo-se de tudo no final? Apenas fiquem quietas aí até o prazo expirar.
Mikoto incomodada com a resposta desvia o olhar, contudo, Ailiss continua a me encarar como um leão esfomeado.
— Quanta besteira vocês dois estão discutindo. Você teve sorte naquela hora. Assim que eu me soltar daqui pode se considerar um homem morto — diz Ailiss.
— Pode ser… estarei no aguardo, boa sorte com isso.
Apesar de sua força sobre-humana, a quantidade de cordas que utilizei é o suficiente para mantê-la assim por alguns dias. Talvez este realmente não seja o modo mais adequado de tratá-las, visto que são tão especiais para mim, no entanto, estou desesperado. Não sei mais ao que recorrer…
Ademais, preciso manter as aparências, caso demonstre-me muito benevolente elas se sentirão mais confiantes em tentar uma fuga.
…
Algumas horas se passam, o sol nasce e a esta altura do dia Takashi e os outros devem estar desesperados com o repentino sumiço de Mikoto. Estou certo de que não procurariam de imediato por aqui, a dificuldade que tivemos de encontrar Ailiss é uma prova disso. Todavia, é só uma questão de tempo para que eu necessite dar um jeito naquele sujeito importuno.
Contudo, uma preocupação maior que Takashi toma-me a mente: estou mais uma vez deixando-me levar pelo emocional. Vê-las neste estado realmente me incomoda.
— Precisam de algo? Água, comida?
Ambas permanecem em silêncio.
— Trouxe algumas garrafas d’água, e posso buscar algo para comerem no horário de almoço — continuo.
— Cale a boca, pedaço de merda — responde Ailiss.
Já Mikoto apenas me encara por alguns segundos e novamente volta a ficar com o olhar perdido.
Eu sei que isto não é certo. Mantê-las desta forma não é correto. Contudo, neste ponto já não posso mais me limitar ao certo. Minhas opções estão se reduzindo continuamente nesta aberração temporal.
Acredito que seja inevitável que ambas me odeiem, mas é um preço que sempre estive disposto a pagar pelo bem delas.