Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 78
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- Capítulo 78 - De novo! De novo! De novo! Por que isto está se repetindo de novo?! (1/2)
1º Dia
10h27
O tempo insiste em não passar, tenho dificuldades de crer que este relógio não esteja quebrado. Não que eu esteja ansioso pela próxima aula, longe disso. Todavia, para que o horário de eu voltar para casa chegue, é preciso que este intervalo também acabe logo.
Ao passo no qual aguardo entediado pelo fim do intervalo, olho pela janela da sala de aula e vejo a mesma coisa de sempre. Garotas sorridentes e garotos barulhentos emanando esta escandalosa aura da juventude.
Nada mudou. Dia após dia vivencio isso, e consequentemente é a enésima vez que analiso a minha vida dessa forma.
Uma abrupta impressão ressoa em minha mente. Uma perturbação que expõe a esquisitice oculta que sustenta este cenário.
Espere.
Há algo de muito errado nisso tudo. Não sei ao certo o porquê, mas este ambiente não deveria mais existir. Como não? É o natural…
Uma forte sensação de tontura toma conta do meu corpo, estou prestes a perder o equilíbrio. Tento me apoiar em algo para entender o que está acontecendo.
Um déjà vu? Não. É algo muito mais forte do que isso.
É como se a realidade estivesse entrando em colapso. Um rastro de realidades paralelas forma-se em torno de cada objetivo que eu fito, infinitos mundos existindo numa proximidade absurda.
O que diabos está acontecendo? Agora que consegui me apoiar, tenho certeza de que estou parado, entretanto tudo continua se mover e distorcer no próprio rastro.
Em meio a toda esta tontura e ilusão visual, algumas lembranças começam a ressoar na minha mente, algumas que preferia esquecer-me enquanto outras que são extremamente valiosas.
Eu vivi isso antes, tenho certeza. Como poderia ter me esquecido? É impossível não me lembrar de tantas emoções acumuladas por infinitos mundos.
Semelhante a uma descarga elétrica, meu cérebro recebe uma enxurrada de informações a cada segundo, de modo muito mais intenso do que da última vez. No entanto, apenas duas palavras são o suficiente para orientar a minha sanidade mental: Ailiss e Mikoto.
Sim, elas são meu porto seguro. Somente de pensar nas duas já me sinto mais estável, desta forma posso colocar a minha cabeça no lugar para raciocinar.
Agora preciso entender o que aconteceu aqui. Por que eu não estava conseguindo me lembrar disso tudo? Em hipótese alguma poderia me esquecer do que sinto por elas e do que precisei fazer para salvá-las.
Neste momento, outra importante questão me vem à mente.
Mas espere… por que eu estou vivo? Recordo-me nitidamente de todos aqueles projéteis rasgando os meus órgãos internos, mesmo que me levassem para o hospital seria impossível de me salvar. Sim, definitivamente, Miyu me matou no final do jogo.
E por que estou aqui para começo de conversa? Será que eu falhei e voltei ao ponto de partida? De alguma forma as duas não foram salvas e aqueles demônios estão me dando uma segunda chance?
Impossível, eu arquitetei tudo milimetricamente. Nada deveria ter dado errado após o meu suicídio. Miyu me matou, portanto o jogo se encerrou com as duas vivas, além do mais, com suas desavenças mais do que resolvidas. Com certeza o resultado foi esse, não consigo pensar em nenhuma problemática seguinte.
Alguma das duas poderia ter fingido sobre terem se tornado aliadas? Não… estou certo de que ambas estavam sendo honestas em seus posicionamentos.
São tantas questões sem respostas… não sei nem por onde começar.
Droga! Droga! Droga!
O déjà vu em si está passando, mas estou ficando ainda mais tonto devido ao impacto emocional que estas informações tiveram sobre mim.
No momento no qual estou cambaleando e prestes a cair, escuto a voz de uma colega de classe.
— Johann-kun, tudo bem? Você está um pouco pálido.
Miyu? Não esperava vê-la conversando comigo mais uma vez.
Vejo a garota e meus outros dois colegas, Manabu e Shou me encarando com certa preocupação.
Eles também estão aqui? Estão todos vivos? É claro… nesta circunstância eu ainda não os matei.
Os matei? Como eu posso sequer pensar numa possibilidade destas se tratando de meus amigos? Isto não deveria ser falado nem de brincadeira.
Mas foi isto que eu fiz… como eu pude fazer uma atrocidade daquelas? No que eu me tornei? Não pensei que seria assombrado pelos meus pecados tão brevemente, acreditei que ao morrer deixaria de existir e estaria livre desse peso.
A tontura acompanhada de uma tenebrosa sensação de enjoo recobre o meu corpo, a ponto de eu tombar para frente. No chão, tampo a minha boca com a palma de minha mão e me seguro com todas as forças para não vomitar.
— Johann-kun?! — Miyu grita enquanto os três avançam para me ajudar.
— Ei, Johann. O que está pegando? — pergunta Shou me levantando.
— Diga algo — insiste Miyu.
Não me ajudem! Afastem-se! O que eu fiz para vocês é imperdoável! Vocês não se lembram do que aconteceu?!
Eu os traí, os usei da forma mais cretina possível!
E o pior é que se fosse preciso faria tudo de novo…
Eu sou um demônio, fiquem longe de mim! O mais distante possível!
Droga… não tenho forças para falar. Está tudo girando, acho que vou desmaiar a qualquer momento.
Eu não tive escolhas, não é mesmo?
Não… A quem estou querendo enganar?
Se minha missão falhou, não há como eu me justificar sobre as atitudes que tomei, nem para mim mesmo.
Tudo em vão… tudo foi em vão. Todo este sofrimento que eu ocasionei não teve significado algum.
Eu matei, esfaqueei, envenenei, mutilei, metralhei… e tudo isso não serviu de nada?! Não pode ser… por que ainda estou aqui?! Mas que raios de brincadeira é essa?!
Eu devia estar morto! Morto!
Eu só queria salvá-las, era tudo o que eu queria…
— Ele não está respondendo, seu estado está péssimo. Vamos procurar ajuda! — diz Manabu.
— Isso, Manabu-kun. Levem-no para a enfermaria — fala Miyu.
— Eu morri… — murmuro.
— Ei, espere, ele está tentando dizer algo — diz Shou.
— Vemos isso depois, primeiro vamos levá-lo até a enfermaria — responde Manabu.
— Certo! Ajude-me a levantá-lo mais um pouco.
Shou e Manabu seguram-me pelos ombros e me carregam de arrasto para fora da sala de aula.
— Garotos, eu vou indo na frente para avisar a enfermeira com antecedência, talvez eu consiga uma maca para levá-lo de uma forma melhor — diz Miyu.
Gostaria de protestar e ser deixado aqui para morrer. No entanto, ao que tudo indica meu estado mental está tão danificado que mal consigo reunir forças para me movimentar. Muito menos para protestar e ir contra a decisão deles.
A única coisa que consigo pensar enquanto sou levado até a enfermaria é no porquê disto estar ocorrendo de novo. Por que apareci numa linha temporal paralela após o meu suicídio? Nada faz sentido.
No perder da consciência, apenas vejo tudo à minha volta escurecer gradativamente.
13h07
Abro os olhos e percebo um teto diferente do habitual.
Onde estou? O que aconteceu?
Observo a minha volta e vejo outras camas, cortinas e um ambiente inteiramente branco. Tento levantar-me, mas a tontura ainda é muito forte, com isso caio novamente na cama.
— Nada de se mexer. Você deve ficar deitado, ainda está bastante debilitado — uma mulher uniformizada de branco surge repentinamente.
Ah, de fato. Eles me trouxeram para enfermaria pela manhã e eu mal pude reagir.
— A secretaria tentou ligar para a sua casa, mas pelo visto estamos com problema de linha. Não há sinal telefônico, nem mesmo no meu celular… que coisa estranha. Mas não se preocupe que já foram conferir o que aconteceu.
— Meu pai está numa viagem, então ninguém estará lá para atender a ligação de qualquer forma.
— Não há nenhum responsável com quem podemos falar?
— Só ligando para o celular da minha mãe ou do meu pai, só que ambos estão fora do país e acho que meu pai só voltará no final do mês — respondo.
— Neste caso, recorreremos a um hospital se a sua situação piorar, e quando o sinal telefônico voltar nós informaremos algum deles. Além do enjoo, você apresentou sintomas de febre e desidratação, então deixei uma garrafa d’água para você beber durante a tarde. Como você está se sentindo?
— Estou melhor, obrigado. Mas logo aviso que será um pouco difícil de falar com eles, são bastante atarefados.
— Você ainda é menor de idade, alguém precisa estar responsável.
— A propósito, que horas são? — começo a me sentir exausto novamente.
— Uma hora. Pode dormir mais um pouco, depois eu trago algo para você comer.
Uma hora? Isso significa que o anúncio do jogo ainda não foi realizado. Talvez eu deva fazer algo sobre isso, aproveitar este tempo para começar a pôr os planos em prática com antecedência e encontrar uma forma de entrar em contato com as entidades.
Tento me manter acordado, mas meus olhos ficam intermitentes e sinto que posso apagar a qualquer momento.
— Acho que estamos passando por uma virose, apesar de não ter visto nada grave como o seu caso, outros estudantes estavam um pouco mal pela manhã, até mesmo eu estava um pouco tonta. Por isso os medicamentos acabaram, irei sair para comprar mais alguns, daqui a pouco eu volto — ouço sua voz afastando-se acompanhada do som de uma porta se fechando.
Logo me lembro do que a espera no portão da saída da escola. Provavelmente os demais funcionários que constataram problemas de comunicação com o mundo externo tentaram sair e sofreram estas consequências.
Quero avisá-la sobre isto, mas minha voz não sai.
Não vá! Você vai morrer… droga, está tudo girando de novo. Uma infinidade de rastros acompanha a minha visão.
Tento apoiar-me na cama para me levantar, porém não consigo juntar forças e com isso simplesmente apago.
…
Acordo-me novamente com o som dos alto-falantes chiando.
A minha tontura finalmente parece ter cessado, com isso o sentimento de raiva começa a ferver dentro de mim. Ainda deitado, cerro os punhos e encaro os alto-falantes.
Em seguida o ruído cessa e finalmente um comunicado é executado.
— Olá a todos! A partir de agora vamos jogar um jogo!
Só podem estar de sacanagem com a minha cara!
— Onde vocês estão?! Não vão me explicar o que está acontecendo aqui?!
Meus gritos às caixas de som não surtem nenhum efeito, ambos ignoram o meu chamado, e tal como uma gravação o mesmo comunicado da outra vez é passado.
Este maldito jogo está começando de novo?! Eu fiz o que vocês queriam, então por quê?!