Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 74
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- Capítulo 74 - Com estas manchas, a neve escurece pouco a pouco. (2/2)
13h00
— Passou-se quatro horas e nada. Acredito que cometi um equívoco, pois aparentemente eles não se importam tanto assim com você — inexpressivo a fito de cima.
— É até bom que não venham… Eles não são idiotas de caírem no seu joguinho, certamente sabem o que você está planejando — Miyu responde com desprezo.
Apesar da maluquice e falta de noção da realidade, Manabu até possui certa destreza quando necessário, já Shou nestas horas deveria estar berrando que irá me matar enquanto corre pelos quatro cantos da escola. A ausência deles só pode significar uma coisa, há dedo daquelas duas na história. Sendo assim, preciso rever meus planos e adaptá-los a este imprevisto.
— Não creio ser o caso. Talvez seja apenas incompetência e falta de vontade ao procurá-la. De qualquer forma, já deu a hora de eu chamar a atenção deles. Se eles não vêm até mim espontaneamente, terei que forçá-los a isto ou ir por conta própria atrás deles.
Até já tenho em mente uma excelente ideia de como atraí-los.
— Você não pode ser o mesmo Johann-kun. Como pode ter mudado tanto? Está possuído ou algo assim? Seus olhos não têm mais brilho, não vejo um pingo de humanidade em seu rosto. Não vejo mais um antigo amigo, mas um monstro em minha frente… — a bravura de Miyu decai e em meio a suspiros começa a lacrimejar.
Vejo que já está sendo influenciada por suas reais emoções. Está bastante assustada e inconscientemente busca amparo num discurso emocional.
Acredita mesmo que depois de tudo o que fiz, seria comovido por simples lágrimas?
— Do que você está falando? Possessão? Garanto que sou a mesma pessoa de sempre. Entretanto a sua observação final não está necessariamente errada.
— A mesma pessoa de sempre? Você não pode estar falando sério… todo esse tempo… por todo este tempo você esteve mentindo? Achei que fosse nosso amigo! Manabu-kun, Shimizu-kun e eu sempre o vimos como um querido amigo! O que você ganhou nos enganando?!
— Fale mais baixo — aponto a metralhadora para ela.
Se ela continuar gritando poderá expor a minha localização para o conselho estudantil.
— O que você vai fazer? Vai me matar? Aí terá perdido o sentido de ter me capturado — franze o rosto em nojo.
— Longe disso. Uma conhecida minha costuma dizer que há outros métodos além da morte para conseguir o que quer — mudo a mira para os seus membros — Mas respondendo a sua pergunta, eu nunca os enganei. Por mais que me custasse admitir, também os via como amigos, e ainda os vejo. Agora, em nome da nossa amizade, faça-me o favor de ficar quieta até eu voltar — coloco a mordaça em sua boca.
Em seguida, levanto-a, empurro-a para dentro de um armário dos zeladores, tranco a porta e deixo o ambiente.
Tudo bem… com a Miyu sobre controle, devo então dar um jeito de atrair aqueles dois até aqui. Acredito que gerar um pequeno caos seja o suficiente para esta ocasião.
Pego a metralhadora de Ailiss e rearranjo a munição para que dure o máximo possível. Precisarei que o fluxo de disparos fique contínuo por um bom período de tempo.
Nos outros mundos, Ailiss treinou-me rigorosamente na arte da artilharia. Mas nossos treinos limitarem-se a apenas um tipo de arma, o revólver. Estranhamente peguei o jeito com uma arma de maior porte rapidamente, e parando para analisar há certas diferenças entre elas que absorvi sem sequer notar.
Desço as escadarias do bloco em direção ao pátio, estas parecem muito mais longas do que antes. É como se eu estivesse descendo por uma infinidade de degraus, cada degrau simboliza um pouco do meu senso de humanidade que se esvai e assim afundo-me mais e mais neste abismo.
Cada passo que dou ressoa pelo bloco vazio, sons que ecoam muito além do mundo físico. Por que tanto silêncio? Aparentemente nenhum humano deve ter tido a audácia de descer a este mesmo plano que eu, portanto sou o único a caminhar neste nível de degeneração.
Se tivesse alguém por aqui, eu facilmente seria identificado pelo claro som de meus passos. Porém, não há com o que eu me preocupar, pois são todos covardes depositando todas as suas falsas esperanças nas minhas princesas.
Gente assim deve estar preparada para o meu julgamento. Agora vejo que estou longe de ser um messias, na verdade, eu sou o verdadeiro deus da morte designado a julgar quem pode ou não respirar o mesmo ar que elas.
Finalmente, após descer por uma eternidade mental, deixo o bloco no qual me mantive escondido pela manhã.
Olho à minha volta e constato que o pátio não apresenta muito movimento. Gostaria que este ambiente fosse sempre tranquilo desta forma.
Entretanto, ao começar a minha busca pelo pátio, rapidamente localizo algumas vítimas.
Provavelmente são alguns dos poucos grupos que optaram em residir afastados da soberania das duas. Como posso dizer? Não é como se eles estivessem a salvo sobre os cuidados do conselho estudantil, afinal irei matar todo mundo de qualquer forma. Mas, seja lá quais eram suas intenções com esta atitude, foi uma péssima ideia se afastarem deste modo, pois do contrário ao menos teriam uma irrisória chance de sobrevivência.
Fixo a mira neles e sem o mínimo de hesitação puxo o gatilho. Não sinto nenhuma trava mental ao disparar, é tão natural para mim como uma atividade normal do dia a dia.
Seus corpos perfurados caem no chão. E assim são menos três… Eles nem tiveram tempo de reação, foi tão rápido que sequer morreram sabendo da causa da sua morte.
O estrondo dos disparos e o esparramo de sangue deverão ser o suficiente para dar prosseguimento ao caos. Contudo, preciso fazer isto do modo mais grosseiro possível para maximizar a repulsa delas por mim.
Passo a sentir uma empolgação inexplicável e começo a cantarolar a melodia da nona sinfonia de Beethoven.
Ode à alegria.
No meu caso está mais para um Ode ao amor. Sim, esta é a prova de quanto as amo. Deuses, vejam o quão longe estou disposto a ir pelo bem das minhas amadas!
Enquanto murmuro em emoção esta bela sinfonia, caminho em direção ao bloco principal disparando em qualquer um que eu vejo pela frente.
Mãe? Pai? Irmãos? Amigos? Amantes? Cada disparo que eu realizo significa um corte de vínculos da pessoa em questão com seus entes queridos. Por mais que esta pessoa não signifique nada para mim, com certeza há alguém que se importa muito com ela.
Minha consciência simplesmente ignora estes fatores, pois são valores subjetivos. E por mais fortes que sejam os laços destas pessoas com seus amados, sequer chega próximo do que nutro por aquelas duas. No fim não é nada pessoal, vocês estão no lugar errado e na hora errada.
De um em um eu aumento o mar vermelho que forma-se pelo chão. O líquido escoa até a neve que caiu nesta madrugada, manchando lentamente a sua pureza.
Ode ao amor!
— Por favor, não! — uma estudante implora abaixada.
Sem pestanejar abaixo a mira e disparo em seu rosto a desfigurando.
Apesar de a metralhadora permitir uma quantidade de disparos contínua, tento gastar o mínimo de munição por abatimento, desta forma eu consigo fazer com que eu leve mais tempo para recarregar a arma.
Ode ao amor!
— Pode me matar, mas deixe-a a viva — para em frente a minha vítima.
Entendo, há gente de todo o tipo de conduta por aqui. Desde os que correm deixando seus supostos amigos para trás, quanto os que arriscam a vida para protegê-los.
Claramente este gesto de heroísmo é uma dissimulação, mas não importa. No fim, não há diferença nenhuma, pois não pouparei ninguém. Quando você encontra a morte, se a sua conduta em vida foi altruísta ou egoísta é irrelevante.
Mato tanto a garota quanto o rapaz que tentava a proteger. Assim como matei aqueles que tentaram correr e aqueles que tentaram reagir.
Amor! Um ode ao amor!
Termino de cantarolar encerrando o meu espetáculo, então observo a minha volta o resultado de toda a minha dedicação, dos meus sentimentos e da minha lealdade às minhas deusas.
Se necessário fosse pelo bem de minhas amadas, eu poderia facilmente assassinar todo o ser humano vivo neste planeta da maneira mais cruel que eu consigo pensar, pois Ailiss e Mikoto são as únicas coisas que importam.
15h12
Com a primeira etapa da carnificina concluída, volto até o bloco no qual mantenho Miyu como refém e deixo uma trilha proposital de sangue. Desta maneira conseguirei atrair o meu passaporte para me encontrar com as duas.
Como as habilidades ofensivas de Ailiss estão praticamente anuladas contra outro jogador, somado às minhas mentiras de prever o futuro e manipular as propriedades do jogo, criei uma falsa aparência de superioridade.
Desta forma, imagino que estejam evitando um confronto direto a todo custo. Mikoto deve estar elaborando alguma abordagem mais sutil para contornar as minhas supostas habilidades, só que ao colocar a clarividência na equação, ela deve ter chegado à mesma conclusão que eu: Não há solução válida.
Não pretendo invadir o bloco principal tão cedo, pois preciso matar mais e mais. Até que a minha imagem seja o mais desprezível possível para elas, não posso descansar.
Abro o armário e retiro a força Miyu de dentro. Logo ao soltar sua mordaça ela começa a protestar.
— Que barulhos eram aqueles?! Johann-kun, o que diabos você estava fazendo? Não me diga que… — imediatamente começa a falar assustada.
— Estava apenas fazendo uma pequena limpeza — vejo seus olhos se arregalando — Mas não se preocupe, não toquei naqueles dois, na verdade nem os encontrei durante o processo. Sem falar que eles são peças necessárias para mim.
— Isto não ficará assim, você irá pagar por tudo o que está fazendo! Seu maldito…
Ainda com este pensamento? O carma é uma mera ilusão que criamos na tentativa de nos reconfortar.
— Quem irá me fazer pagar? Nem ao menos possuem coragem de revidar, pois têm ciência das consequências. São todos patéticos demais para provocar qualquer ameaça a mim.
— Não sei por quem. Mas a justiça sempre é feita…
— Poupe-me. Agora, fique quieta, pois nossos convidados estão chegando, se falar qualquer coisa que não deva, você deve saber o que irá acontecer contigo e com seus queridos amigos.
Miyu e eu ficamos em silêncio escutando passos acelerados subindo as escadarias do bloco.
O som dos passos cessa dando espaço para um grito de guerra.
— Johann! Então é aqui que você está?! Seu merda! Como pôde fazer isso com a Miyu-chan?! Eu vou te matar! — Shou transbordando raiva, após gritar, corre em minha direção.
No entanto, nem necessito reagir. Ele é parado no meio do caminho pelo seu próprio aliado.
— Espere, Shoucchi! Não percebe? A Miyucchi pode morrer se você partir para cima desta forma — fala Manabu segurando-o pelo ombro.
Realmente, você consegue ser bastante sensato em situações adversas, Manabu. Apenas com o mover de um dedo posso estourar os miolos desta garota, e qualquer um com um pingo de racionalidade teria cautela em suas ações.
Em todo caso, eles realmente vieram. Como devo encarar isso? Por que não me atacaram antes? As explicações para só terem agido agora se resumem em conhecer a minha localização e quem sabe terem recebido permissão para o resgate. No entanto, Shou não é o tipo de pessoa que acataria ou não uma permissão… então… por quê? Por que não me procuraram antes? Por que não apareceram durante o massacre que acabei de efetuar?
— E o que faremos então?! Sentar e esperar que ele a devolva de bom grado? Não percebe a situação na qual a Miyu-chan está? Precisamos tirar ela de uma vez das garras imundas desse lunático! Não temos outra escolha! — Shou reage irritado.
— Seria o ideal, porém pense bem… ainda podemos negociar. Um conflito violento contra ele será pior de qualquer forma. O que você pretende fazer contra alguém armado e com uma refém? Espera que ele vá deixar sua arma de lado por querer ter uma luta limpa contra você? Além do mais, ele não a sequestraria à toa, não faria isso se não estivesse aberto a negociar.
— Negociar com um bandido como ele?! Você só pode ter enlouquecido! Isto está fora de cogitação, Manabu! Não há diálogo com um maníaco, estaríamos descendo ao nível dele! — Shou prossegue protestando.
— Já disse que não temos escolha, é isso ou nada! Se uma pessoa importante para mim fosse sequestrada, eu negociaria até com um terrorista para salvá-la!
Imprevisivelmente Shou arregala os olhos e se dá por vencido.
Bem, como o sangue de Shou esfriou, acho que agora posso dialogar um pouco com os dois.
— Vocês demoraram mais do que eu imaginei. Por que não vieram pela manhã logo depois do ocorrido? Já estava pensando que deixaram de se preocupar com a segurança dela — comento.
— A Kaichou nos aconselhou a esperar, entretanto nem o Shoucchi e nem eu pudemos vencer a ansiedade em salvá-la. Quando vimos o que você fez pelos pátios da escola, foi o estopim para desacatarmos as ordens do conselho estudantil e então decidimos resgatá-la por conta própria — responde Manabu.
Então realmente aquelas duas estão envolvidas nesta história. Por que elas os impediriam de agir? Nunca foi do feitio delas sensibilizar-se e controlar a imprudência alheia. Será que elas deduziram que eu havia sequestrado a Miyu para atraí-los até mim? Não há outra explicação para terem os repreendido dessa forma, naturalmente os deixariam correr em direção à morte se esse fosse o desejo deles.
Ademais, os deixarei falar para conseguir mais informações.
— Compreendo.
— Por quê? Por que você está fazendo isso, Johann?! Eu não consigo entender! Vá se ferrar! Nós não éramos amigos?! — protesta Shou.
Pelo visto o sangue dele não esfriou tanto assim, e já estou farto dos mesmos questionamentos. Eles nunca entenderiam minhas ações, nem mesmo Ailiss e Mikoto poderiam entender.
— Ei, Manabu. Faça-o calar a boca, senão eu a mato.
Instantaneamente Miyu, amordaçada, começa a grunhir desesperada. Imagino que finalmente o seu instinto de sobrevivência resolveu dar às caras, no fim das contas ela também é uma pobre garota que não quer morrer.
Shou rapidamente fica quieto e passa a encarar-me do modo mais irritado do mundo. É como um vulcão contendo a própria erupção.
— Não vamos conseguir nada desta forma Shoucchi. As razões dele são de relevância secundária, por hora precisamos nos focar em libertar a Miyucchi, depois que ela estiver a salvo, você pode fazer o que bem entender. Compreendeu a nossa posição? — volta-se para mim — Certamente você não estaria mantendo ela aqui por nada, o que você quer em troca dela?
— Pelo visto você entende as coisas mais rápido, Manabu. Se quiserem a Miyu de volta terão que acatar algumas tarefas — comento.
— E então? — pausa — Sobre quais condições você irá libertá-la?
— Preciso de ajuda para encontrar-me com aquelas duas. Claramente o meu poder armado é maior do que o de vocês, no entanto, imagino que o conselho irá aumentar a vigia pelos blocos e me forçar a entrar pela entrada principal. Assim sendo, os façam recuar para que eu não sofra nenhuma emboscada no saguão e tragam elas a mim. Neste meio tempo, também quero que vocês mantenham as decisões do conselho estudantil sobre vigilância, e caso algum ponto da minha ordem desande, me informem imediatamente.
— Tudo bem. Faremos isto, então você soltará a Miyucchi?
Fácil demais para ser verdade… Ailiss e Mikoto não devem ter apenas os repreendido, mas este encontro ainda deve estar sobre a influência delas. Não posso subestimar a astúcia daquelas duas.
— Ei Manabu, responda-me algo. Foram elas que mandaram vocês aqui, não foram?