Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 69
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- Capítulo 69 - Desta forma, Johann Geistmann declara guerra. (1/3)
09h12
O pânico instaurado pela morte de Haruki e Keiko que ocasionei ontem finalmente começa a cessar trazendo um pouco de normalidade. No geral, todos estão bastante assustados, porém estão de volta a um ponto que Mikoto possa tê-los sob controle.
Assim como eu, suas outras versões de outras linhas temporais presenciaram tantas mortes que isso soa como algo rotineiro para o seu subconsciente. Então, o peso de uma infinidade de mundos os puxam para a normalidade, para a inércia.
Todavia, nem todos estão tão suscetíveis à anomalia comportamental.
— Ei Miyu-chan, você está bem? — pergunta Shou.
— Ah, sim. Por que a pergunta Shimizu-kun? — Miyu responde com o olhar perdido.
— É que você está tão dispersa. Tem certeza de que não aconteceu nada de errado? As outras meninas não estavam implicando com você? Qualquer coisa é só me dizer que vou dar uma lição naquelas pilantras!
— Fique tranquilo, não fizeram nada comigo. Estou apenas pensativa em relação à ontem. Mas não é nada demais, só preciso me recuperar um pouco do choque. Kobayashi-san era uma colega que mantinha certo contato… e encontrá-la daquela forma… — fala pausadamente e desvia o olhar.
— Entendo… — suspira — Também estou incomodado com isso. Afinal foi tudo tão repentino. Até anteontem estava tudo tranquilo…
Pelo visto ela não disse nada a respeito. Se ela ficar calada até amanhã já é o suficiente para mim.
— Bem, segundo o que foi dito nos alto-falantes há apenas mais dois dias, hoje e amanhã. Assim só precisamos ficar alertas até lá e depois finalmente estaremos livres — comenta Manabu.
— Sim. Mas acredito que possamos ficar um pouco mais tranquilos a respeito disso. Pelo que os boatos que estão sendo espalhados apontam, aparentemente a Kaichou dará um jeito na situação.
Compreendo. Então aquelas duas já devem ter pensando em algo para confrontar o quarto jogador.
— Acha mesmo que dará? Até ontem a imagem do conselho estava bastante queimada, eles possuem força para isso? E ainda mais com tantas perdas, acha que apenas ela conseguirá reverter toda esta situação? Eu particularmente nem sei por onde começar.
— Então, Manabu. O que vou lhe contar será uma reviravolta maior do que as que você vive comentando ler em seus mangás. Acredito que você lembra a origem deste olho roxo e dos hematomas que nós dois adquirimos anteontem, né? — aponta para o machucado em seu rosto.
— Como poderia esquecer… Até parecíamos figurantes apanhando para um personagem apelão. Fomos literalmente feitos de sacos de pancada — volta-se para mim — Você realmente nos deve uma por esta Jocchi — encosta nos curativos.
— Bem lembrado, eu já estava me esquecendo do motivo que nos levou aquele massacre. Quando sairmos daqui você irá nos pagar um lanche, Johann.
— Claro, pode ser — respondo.
— Mas deixando a dívida do Johann de lado, se eu falasse que aquele pandemônio está trabalhando para a Kaichou? — Shou ri — O que você concluiria?
— Tenho até arrepios apenas de imaginar as consequências disso — Manabu se encolhe e começa a tremer.
— Felizmente nós não somos inimigos delas… Mas pensando que ambas estejam caçando o assassino, fico muito mais aliviado. Não acha ótimo, Miyu-chan? Elas com certeza irão resolver o caso!
Miyu continua em silêncio olhando para o chão.
Se analisá-la com um pouco mais de atenção pode-se perceber certo tremor em suas mãos e pernas. Ao que tudo indica, outro assunto ocupa a sua mente agora. Sei bem do que se trata. No entanto, não vejo razões para esta sua crise de ansiedade, é apenas fazer o que eu mando que nada de mal ocorrerá com vocês.
Então qual é exatamente o seu problema, Miyu? Eu não sou um grande amigo por isto?
— Miyu-chan?! O que aconteceu? Está viajando de novo? — Shou a cutuca.
— Ah, o quê? Desculpe-me, não estava prestando atenção na conversa. Poderia repetir a pergunta? — responde surpresa.
— Eu, hein? Você está no mundo da lua? — a encara inconformado.
— E você Jocchi? Também está mais calado do que o normal. Por acaso ainda não se recuperou dos dois foras que levou? — Manabu muda de assunto.
Manter esta piada pode ser uma boa forma de ajudar a encobrir as coisas.
— Pois é… aquilo me acertou em cheio, acho que nunca mais darei alguma chance para o amor. Em todo o caso, o problema não foi nem os foras em si, mas o que aconteceu em seguida.
— Eh? Eu avisei que garotas 3D são traiçoeiras, mas mesmo assim você caiu na onda do Shoucchi! Da próxima vez escute os meus conselhos.
— Tem razão, Manabu. Esta foi a minha primeira e última tentativa de me abrir a alguém — respondo simulando decepção.
— Isto não tem nada a ver, Manabu. São riscos como qualquer outro. E então de quem você levou o fora? — Shou o responde e então se toca de algo — Ei, espere… Não me vá dizer que está relacionado com a surra que levamos por você? Foi?
— Sim, eu levei um fora dela e da presidente — suspiro — realmente sou um pobre iludido. Achei que deveria dar uma chance aos meus sentimentos, mas vejo que deveria ter me mantido isolado.
— Quê?! Para ter tentado fisgar dois peixes tão grandes, você só pode ter batido a cabeça em algum lugar. No que estava pensando? Nem mesmo eu, o mestre da sedução, tive a audácia de tentar investir em alguma das duas, e você um mero amador já tentou de primeira?! Não o bastante, se declara para as duas no mesmo dia?! — Shou discursa indignado.
— Concordo plenamente. Não sei como fui levado a tomar uma decisão tão irracional. Talvez a chance de eu ser a próxima vítima bagunçou a minha cabeça, me forçando a me declarar para alguma garota extraordinária como elas antes de morrer. Porém, não adiantou de nada me precipitar desta forma.
Em meio a nossa conversa descontraída, Shou aproxima-se de mim e sussurra no meu ouvido.
— A propósito, sobre aquela minha denúncia?
— Não deu em nada, Takashi não era o responsável pelo jogo. Eu estava enganado no fim das contas — respondo.
— Será que a repulsa das duas pelo Jocchi, as fizeram unir forças para sair desta dimensão? — Manabu comenta e ri — É uma hipótese válida.
— Boa observação, Manabu! Só pode ser isso! — Shou começa a rir.
Em meio a tais risadas, Miyu continua paralisada e com o olhar perdido. Lentamente ela vira-se para mim, mas logo em seguida desvia a visão. É natural que ela não queira manter contato visual comigo. Desde que fique calada, eu não me importo.
10h49
Caminho pelos corredores do bloco principal à procura de Ailiss e Mikoto na tentativa de verificar a veracidade das informações que Shou falou. Até que sinto alguém me cutucando nas costas.
Não é possível. Será que aqueles dois me seguiram até aqui?
— Procurando alguém? — ouço a voz de Mikoto atrás de mim.
Viro-me e me deparo com ela acompanhada de Ailiss.
Se elas estão juntas, tudo indica que os rumores propagados são reais.
— Ah, claro. Eu estava justamente procurando por vocês duas — respondo aliviado.
— Poderias ter nos esperado na sala do conselho estudantil, logo iremos para lá. Ou trata-se de algo urgente?
— Não é nada demais. Para falar a verdade, apenas queria conferir como vocês estavam. Estava com um pressentimento que algo ruim pudesse ter ocorrido, mas vejo que ambas estão bem. Então já estou mais tranquilo.
— Estavas preocupado conosco? Quanta fofura da tua parte, tu esperavas ganhar alguns pontos com isso? — Mikoto ri em deboche — O que tu achas disso, Ailiss? — vira-se para ela.
— Que ele devia guardar a sua preocupação para fazer a sua parte do trabalho. Não estou vendo nenhum progresso da parte dele — escora-se na parede e responde de mau humor.
Minhas supostas boas intenções foram ironizadas por uma e totalmente descartadas pela outra. Mesmo em meio a tantas desfeitas só consigo gostar ainda mais delas.
— Realmente, já estava deixando isto passar. Depois que tu deixaste o conselho estudantil ontem a noite, conseguiste descobrir mais algum detalhe sobre o quarto jogador para nos relatar? — pergunta Mikoto.
É claro… eu estive tão distraído com esta situação toda que acabei me esquecendo de estruturar mais um pouco a minha própria mentira. Deveria ter elaborado melhor isso antes de ter vindo procurá-las. Bem, por enquanto, acho que o mais apropriado é me respaldar nas minhas falsas premonições.
— Mais ou menos. Na verdade, o mau presságio que tive veio de certa premonição. Acredito que o quarto jogador irá surgir publicamente em breve. Não consegui identificar bem o horário, mas é um fato que deve acontecer.
— Isto é bastante vago… não nos diz muita coisa. Tu tens alguma ideia do que podemos fazer de antemão? Como devemos nos preparar para esta aparição dele?
— Não tive acesso a este tipo de informação na minha premonição. Logo, só posso pedir que fiquem alertas.
— Não precisa dizer o óbvio. Acho que não podemos depender muito dessas suas premonições meia boca — Ailiss replica.
Uma hora ou outra elas ficariam irritadas com a minha enrolação. Mas não há nada que eu possa fazer a respeito.
— Desculpe-me. Mas como eu disse anteriormente, as minhas previsões são bastante limitadas. Por isso pretendo compensá-las ficando em uma constante vigia.
— Que seja. Quando avistá-lo me avise imediatamente, quero fazê-lo pagar por me furtar — desvia o olhar irritada.
Enfrentar a ira dela é uma consequência que infelizmente terei que arcar mais cedo ou mais tarde.
— Claro, manterei vocês duas informadas o tempo todo.
— Ademais, Ailiss e eu precisamos marcar uma assembleia geral. Como o assassino não se manifestou nesta madrugada, o pânico dos estudantes teve um recesso considerável de ontem para hoje, todavia ainda está complicado manter a ordem com tanta insegurança.
Se as duas conduzirem a assembleia em conjunto, acredito que não terão problemas. Do que consigo lembrar-me vagamente, o que causou a perda de controle por parte da Mikoto foi justamente as ações tomadas por Ailiss. Agora com ambas cooperando, não há nenhum inimigo para sabotar a assembleia. Então tudo parece estar se encaminhando bem.
— Há alguns casos de pânico um pouco mais graves, e preciso dar um jeito de acalmá-los de uma vez. Nakamura-san é uma delas, depois da morte de Hasegawa-kun e da Kobayashi-san, ela ficou completamente sem chão — completa Mikoto.
A Natsuki foi a testemunha que mais se abalou com as mortes que eu ocasionei.
— Creio que eles precisam apenas tomar uma dose de realidade para parar com esta birra. Pessoas morrem, eles necessitam aceitar isso e seguir em frente pensando na própria sobrevivência ou terão o mesmo fim que os outros — replica Ailiss.
— Infelizmente nem todos possuem esta percepção. No geral, somos fracos e deixamos nossas emoções falar mais alto. No entanto, como te sugeri, talvez a tua visão de mundo mais dura possa inspirá-los a isto.
— Ei, não me jogue a responsabilidade de adestrar este bando de covardes — retruca.
Queria poder passar mais um tempo conversando com as duas… Porém, quanto mais eu deixar ambas a sós, mais elas confiarão uma na outra. Devo então me despedir por aqui e planejar melhor como será o meu desfecho amanhã.
— Bem, vejo que vocês estão bastante atarefadas na organização do conselho estudantil. Vou parar de atrapalhá-las, podemos discutir mais um pouco após a assembleia.
— Agora que tu tocaste no assunto, depois da assembleia precisamos definir como será o almoço. Mesmo ganhando a confiança deles de volta, é um pouco complicado ficar responsável após o incidente de ontem. Certamente ficarão desconfiados em relação à integridade da comida — Mikoto toca os dedos em seus lábios e replica pensativa.
— Naturalmente, eu também ficaria desconfiada no lugar deles. Talvez liberar a cozinha e deixar que cada um improvise alguma coisa seja o mais adequado. Assim a vigilância sobre os alimentos será maior — comenta Ailiss.
A naturalidade com que ambas conversam me impressiona cada vez mais. Definitivamente, não é a postura que duas pessoas que eram inimigas mortais teriam.
— É uma excelente estratégia. Além disso, tu me deste uma ótima ideia, pois desta maneira teremos o horário do almoço livre. Como tu chegaste há pouco tempo no Japão, eu acredito que não tenhas provado muitos pratos. Por acaso, já experimentaste Onigiri?
— Não, por quê?
— Porque a receita deixada pela minha mãe é a melhor. Então gostaria de saber se tu não queres que eu faça o nosso almoço? — produz um sorriso maroto.
Essa é realmente a Mikoto? O clima entre as duas se inverteu totalmente. Além de não estarem mais hostis entre si, estão agindo até de forma dócil, comportamento que sequer cogitaria que poderiam manifestar.
Soa até como se estivessem sendo sugestionadas a este padrão.
— Quanta benevolência da sua parte. Até parece que há algum interesse por trás disso. O que pretende ganhar? Não está planejando me envenenar? — a fita de volta.
— Ora, não sejas tão acanhada. Que motivos eu teria para fazer algo assim além de tu teres tentado me assassinar previamente?
— Muitos.
Confesso que se tratando de alguém ríspida como Mikoto, este tipo de consideração é bastante suspeita.
— Todavia, realmente eu tenho interesse por trás: Caso tu aproves minha comida e algum dia eu visite a Europa, quero que tu faças o mesmo por mim. Irei exigir que tu cozinhes alguma especiaria da tua região.
— Então era só isso? Esperava alguma reviravolta mais emocionante. Posso até auxiliá-la em algo na sua visita. Mas acredite, você não irá querer que eu cozinhe para você, estou falando isto para o seu próprio bem — olha para cima e suspira — Se acha uma troca justa, eu aceito a sua oferta.
— Definitivamente isto não é uma troca justa. Todavia, tudo bem, é melhor do que nada — responde um pouco decepcionada.
— Não precisa fazer caso não queira. Eu não tenho nada para lhe oferecer em troca de qualquer forma — percebe o descontentamento de Mikoto e responde.
— Já te disse que irei fazê-lo, apenas estou mal acostumada a fazer favores sem barganhar algo em troca. Na minha visão egoísta de mundo, ainda acho que estou saindo no prejuízo, mas em teoria, é assim que melhores amigas agem, não é? — segura o braço de Ailiss e começam a se afastar.
Melhores amigas? Realmente as coisas progrediram muito além do que eu poderia imaginar.
— Não sei ao certo. Provavelmente seja o caso… Mas não acha que seja uma atitude desmazelada demais? Não deveríamos estar procurando pelo quarto jogador? — pergunta Ailiss.
— Tu tens razão, normalmente eu seria a primeira a fazer uma observação como a tua. Contudo, pensando no pior, se deixarmos isso para depois, eu temo que possa não ter outra oportunidade de descontrair ao lado de uma amiga. E de qualquer forma, por hora temos o Johann para nos cobrir neste serviço.
— Realmente, o Mistkerl pode se virar nesta tarefa.
Fico contente que estejam se dando bem, mas… precisam mesmo me tratar como um escravo? Se o quarto jogador realmente existisse, provavelmente seria jogado para a morte por elas sem hesitar.
— Ei, o almoço de onigiris será na sala do conselho? — pergunto.
— Talvez seja, mas que eu me lembre, apenas convidei a Ailiss para almoçar comigo — responde Mikoto.
Acho que fui excluído totalmente. Mas é assim que precisa ser no final das contas. Não sei se teremos mais conversas descontraídas como esta até o meu réquiem.