Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 63
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- Capítulo 63 - Por isso, Yukihara Mikoto e Ailiss von Feuerstein… (1/2)
19h28
Levei um tempo para me revigorar do fato de ter assassinado alguém. Então, ao anoitecer, finalmente recupero a compostura para falar com elas sem transparecer o pecado que acabei de cometer.
Assim vou até ao conselho estudantil, encontro-me com Mikoto e a notifico que já está no nosso horário de reunião com Ailiss.
— Tu não me responderás aonde tu andaste esse tempo todo? Não havíamos combinado de discutir algum plano hoje à tarde? Tu quebraste completamente minhas expectativas, pois ao menos acreditei que fosses responsável com a tua palavra — Mikoto comenta enquanto me segue até o antigo bloco da escola.
Já estava ciente de que o humor dela não estaria muito favorável graças ao meu atraso e ainda por cima terei que lidar com a Ailiss também. Se manter a conversa com uma delas já é difícil, quem dirá com as duas simultaneamente.
— Digamos que ocorreu um contratempo, quando chegarmos até Ailiss, a qual provavelmente também está tão zangada comigo quanto você, explico para as duas de uma única vez.
Adentramos o bloco e então paramos em frente às escadarias que levam ao porão.
— O antigo depósito da escola? Não havia algum lugar mais apropriado para marcarmos esta reunião? Há mais poeira do que ar lá embaixo. Eu com certeza não devo estar em plenas faculdades mentais para aceitar segui-lo até um local suspeito como este — desce as escadarias atrás de mim.
— Não reclame comigo. Este esconderijo foi de escolha dela. Ah, e tome cuidado onde pisa — a alerto enquanto caminhamos sobre o tanto de entulho que há pelo chão.
— Tens certeza de que a encontraremos aqui? Realmente não vejo como é possível instalar-se aqui embaixo.
— Não é tão ruim quanto parece, há um local mais livre de entulhos logo à frente. Sem falar que a dificuldade de acesso não deixa de ser uma grande vantagem — estendo a mão e a ajudo a passar uma barricada de entulhos.
Então chegamos ao lugar combinado. Observo ao redor e noto a silhueta de alguém na penumbra de uma das estantes.
— Dois dias… você me fez esperar por mais de cinquenta horas. Estou a um bom tempo pensando que tipo de punição seria o mais apropriado para tamanho desrespeito por parte de um subordinado — a garota loura dá a sua face encarando-me friamente.
Como imaginei, ela também não está nada contente com minha série de atrasos referentes a esta reunião. Estou sentindo-me como se estivesse entre um tigre e um leão. Com ambos esfomeados e desejando me dilacerar, não tenho para onde fugir.
— Desculpe-me novamente. Mas acredite, eu tenho meus motivos. Sei que as duas estão bravas comigo, porém vamos resolver a parte técnica antes? Em seguida, eu posso justificar esse atraso e também terei o maior prazer do mundo em deixá-las me castigarem.
As duas se entreolham e consentem com a cabeça.
— Pois bem, como já estamos reunidos e para não perdermos mais tempo, podemos resolver este assunto previamente — fala Mikoto.
— Mas não pense que irei esquecer-me de puni-lo — completa Ailiss.
Deste modo, eu posso dar início à reunião.
A princípio, acredito que o melhor a se fazer é tentar pelo menos gerar um mínimo de simpatia de uma com a outra e a minha única chance é agora enquanto estão com as memórias bagunçadas.
— Bem, eu acho que posso presumir que ambas estejam minimamente cientes de quem seja a outra. No entanto, por bons hábitos penso que seria adequado apresentá-las formalmente como iremos constituir uma aliança. Acredito que desta forma poderemos trabalhar melhor.
— Não. Não há necessidade de uma chatice dessas — replica Ailiss mal humorada.
Assim como eu me sinto desconfortável com interações sociais forçadas, Ailiss deve ter uma repulsa ainda maior.
— Eu digo o mesmo, Johann. Viemos até aqui para tratar de assuntos técnicos, e como tu mesmo disseste, ela certamente está ciente de que sou a presidente do conselho estudantil. Bem como, tenho em mente a posição dela como intercambista que acabou envolvida neste incidente. Não há o porquê de tratar de detalhes pessoais neste momento, isto é irrelevante dada a situação — Mikoto fala friamente.
Chega até ser cômico como as duas inimigas concordaram em plenitude apenas para me rebaixar. Ironicamente este pode ser um ponto de simpatia entre ambas que eu posso explorar mais tarde.
— Tudo bem — suspiro — já que minhas formalidades foram cortadas por ambos os lados, qual o primeiro assunto que vocês querem tratar nesta reunião?
— Ora, nem mesmo te prestaste para trazer uma pauta pronta? A tua competência é mais limitada do que eu havia estipulado, estou desapontada. Francamente… estavas pensando no que quando decidiste marcar tal reunião? — replica Mikoto.
— O que mais me interessa no momento é como podemos usar o corpo do conselho estudantil para investigar a identidade do terceiro jogador — comenta Ailiss.
Como esperado, não demorou muito para o assunto virar-se para a busca pelo terceiro jogador. Apenas de tangenciarmos o tema, um frio já sobe pela minha espinha. Isto não me parece nada bom.
— Claramente estou de acordo com tal investigação, todavia gostaria primeiro saber como tu pretendes conduzir esta. Pois com certeza o outro jogador não ficará de braços cruzados e deste modo não poderemos nos dar ao luxo de perder parte do nosso contingente numa manobra descuidada — responde Mikoto.
Deveria tentar guiar a conversa para que elas não adentrassem muito a detalhes envolvendo a identidade dos jogadores? Elas já estão muito zangadas, acho que se eu interrompê-las ficarei numa situação ainda pior com elas.
— Se é a segurança de seus seguidores que a preocupa, Mistkerl e eu podemos tomar a linha de frente juntamente a eles. Devido às regras aplicadas aos jogadores, estaremos numa posição mais segura para guiá-los.
Conforme a explicação de Ailiss é exposta, o terrível mau presságio que me acompanha vai convertendo-se numa ansiedade agonizante. Não posso me preocupar com a irritação delas agora, o mais importante é impedir que descubram tão rápido sobre a identidade uma da outra.
— Ei, podemos discutir estes por menores mais tarde, Ailiss. Pode parecer um pouco insistência da minha parte, mas acredito que deveríamos ter um diálogo mais pessoal para reforçar nosso trabalho em equipe. Não acham? — tento interrompê-la.
— Mas o que diabos você está falando, Mistkerl? Está apenas nos atrapalhando.
— Pode ter sido meramente uma impressão minha. Todavia, Ailiss-san, tu disseste que vós, no plural, estaríeis numa posição mais segura. O que quiseste alegar com isso?
Porcaria, Mikoto já está ligando os pontos. O que devo fazer? Tentar interromper a conversa novamente é inviável e completamente ineficaz.
É evidente que tentar ocultar o fato das duas serem jogadores uma da outra é algo impossível. Não há como tal informação não ser mencionada por uma delas durante esta conversa, infelizmente precisei perceber isso da pior maneira possível. Em outras palavras, o melhor a fazer é tratar desta questão o quanto antes.
Ailiss parece confusa com a pergunta que a priori possui uma resposta óbvia. Pois do ponto de vista dela, Mikoto em teoria já saberia que ela é uma jogadora.
Então antes que ela cogitasse responder, coloco-me em frente na tentativa de explicar a situação de modo mais amigável.
— Por favor, ouçam o que eu tenho a falar até o final. Por mais que isto pareça sem solução para vocês duas, acreditem em mim, esta aliança faz muito sentido e tudo acabará bem. Ambas conhecem muito bem minha habilidade de premonições, então eu sei do que estou falando.
— Fale logo, não temos o dia todo para as suas interrupções e muito menos para enrolações — responde Ailiss irritada.
Se eu der mais este passo, não tenho como voltar atrás… mas é o único jeito, Mikoto já está à beira de descobrir tudo de qualquer forma, e acredito que Ailiss também não demorará muito.
— Há algo que vocês duas precisam saber. Não há a necessidade da busca pelo terceiro jogador, pois todos estão reunidos aqui — as palavras tornam-se extremamente pesadas para se dizer, mas consigo vencer esta agonia sufocante e completar — Nós três somos eles.
A minha frase final deixa uma atmosfera extremamente densa no ar. De forma que leva alguns segundos para uma delas se manifestar sobre a informação que acabam de receber.
— Se o que tu estás a dizer é verdade… então — arregala os olhos e volta-se para Ailiss — Então esta aliança está fora de cogitação, Johann — pressiona a palma da mão contra a testa — Sim, agora eu estou começando a me lembrar do que aconteceu na manhã da conjuração do jogo…
Como? Ela lembra-se daquele incidente? Pelo que os demônios de Laplace me falaram, ambas estariam com amnésia. E isto facilitaria a cooperação entre elas. No fim das contas, o meu mau presságio estava certo. Isso é muito pior do que apenas descobrir que ambas são jogadoras.
— Deixe-me explicar — falo.
— Não importa a suposta solução que tu tenhas esboçado, pois ela tentou me matar e não há diálogo com o inimigo — cerra o olhar.
— Minhas memórias estavam bagunçadas, eu realmente não lembrava quem era a conjuradora da magia negra, mas agora que você mencionou que ela é uma jogadora. A identidade da feiticeira tornou-se clara como o dia, não sei como pude esquecer — diz Ailiss.
Será que acabei puxando algum gatilho mental? Porcaria, não deveria ter revelado isso, fui ingênuo. Devo tentar apaziguar isto o mais rápido possível.
— Ei, as duas podem parar de se encarar por um segundo? Eu sei que vocês tiveram problemas num passado próximo, mas a única forma de todos escaparmos é se as duas cooperarem. Não é hora de sustentar esta rixa, primeiro devemos pensar em como podemos sobreviver.
— Todos escaparmos? E quem disse que isto me interessa? Só vim até aqui para matá-la para começo de conversa, e assim farei — replica Ailiss.
Droga, esta é uma resposta óbvia. Mikoto era o alvo dela desde o começo. Ailiss como uma assassina profissional jamais desistiria de modo tão fácil de seu trabalho meramente por correr risco de vida.
— A ouviste? Tu realmente surpreendeste-me por fazer algo tão irresponsável como reunir os três jogadores e propor uma aliança. Todavia, eu não tenho tempo para piadas de mau gosto como esta. Pedir-me para cooperar como uma assassina como ela é no mínimo um ultraje. Este tipo de gente não tem condições sequer para viver em sociedade, aliar-me com ela é a última coisa que faria em vida — Mikoto explana com o rosto inexpressivo.
Nenhum dos lados pretende cooperar comigo. Tentar convencê-las agora por base da argumentação certamente será inútil e um desperdício de energia. Ambas estão com o seu rancor falando mais alto do que a razão.
— Viver em sociedade? Poupe-me. Estou fazendo um serviço público ao limpar a sociedade de bruxas como você. E não descansarei até varrer o mundo todo desse lixo de gente.
A conversa entre as duas está cada vez mais áspera. Do jeito que está se desenrolando não há como eu evitar este conflito. Também não acredito que revelar meu plano de suicídio irá ajudar em algo. Ambas apenas irão confrontar-se após o jogo acabar, os demônios de Laplace têm razão.
Eu preciso encontrar alguma forma das duas resolverem suas diferenças, mas num caso tão grave como tentativa de homicídio e vingança como esta… há solução? Não consigo pensar em nada.
Se elas não tivessem se lembrado por hora, tenho certeza que conseguiria fazer uma criar simpatia pela outra. Elas são muito parecidas e de certa forma até compatíveis, apenas por ironia do destino foram colocadas em papéis opostos.
— Lixo de gente? E o que tu serias neste caso? Alegas que portadores desta maldição precisam ser exterminados por ser um perigo a sociedade, todavia tu tornaste-te uma ameaça ainda maior. Nunca havia usado esta magia antes e mesmo assim tu atacaste-me, uma até então inocente. Quem acabou convertendo-se em escória foste tu, tal como este local — fita os arredores.
Ao que tudo indica, agora a conversa só vai daqui para pior, já estão atacando pessoalmente uma à outra. Tenho que parar esta discussão logo, independente de como ambas irão reagir contra mim. Na verdade é até melhor assim, sendo eu um incômodo em comum os ânimos podem esfriar.
— Para uma “rainha” que tem tudo de mão beijada como você, este local pode parecer desconfortável. Entretanto, saiba que já precisei ficar em locais ainda piores. E realmente, posso estar me convertendo naquilo que combato, porém é um preço que estou disposta a pagar — Ailiss continua retrucando-a.
Decido manifestar-me.
— Realmente fui descuidado. Acredito que seria muito mais fácil protegê-las se estivessem reunidas, e então apostei que não se lembrariam do conflito que deu origem a este jogo. Se vocês duas recusam-se a cooperar diretamente, podem ao menos prometer para mim que não serão hostis uma à outra? Não encarem como uma aliança, mas como um pacto de não agressão.
— Mistkerl, está com tanta cera no ouvido que não entendeu o que falei? Assim que eu tiver uma oportunidade, irei matá-la. E a propósito, de onde você inventou que preciso da sua proteção? É justamente o contrário, você é a pessoa mais vulnerável aqui.
As coisas estão escalando de modo que não terei mais controle nenhum sobre elas. Se uma delas se tornar uma ameaça à outra, terei que tomar medidas drásticas. Por hora, não tenho condição de capturá-las, ainda mais se levando em conta a tamanha agilidade de uma assassina profissional.
— Faço das palavras dela as minhas, pelo menos nisto nós duas concordamos. Ademais, acho que me enganei sobre ti, talvez o Tanaka-kun estivesse certo este tempo todo. Por favor, peço-te que não me procure mais, irei resolver as coisas por conta própria daqui para frente, como sempre fiz — vira-se de costas e dirige-se à saída.
Droga, não posso deixá-la ir ainda. Tenho que dar um fim a este mal entendido agora mesmo, ou perderei o controle da situação.
— Ei, Mikoto. Espere um pouco — tento segurá-la pelo braço.
Ela vira-se bruscamente e aproveitando o impulso me dá um forte tapa no rosto. Fico sem reação, apenas a solto e a deixo ir embora do esconderijo.
Ailiss desescora-se da estante e caminha em minha direção.
— Não sei dizer se você é corajoso ou simplesmente idiota. Eu poderia muito bem ter puxado meu revólver, disparado nos membros de vocês dois e desta maneira imobilizá-los até encontrar uma forma de matá-los. Sinceramente não sei o porquê não fiz isso, mas saiba que eu não demonstrarei piedade duas vezes, da próxima vez irei realmente eliminá-la.
Não sei onde estava com a cabeça. Meu idealismo tomou conta da razão.
— Eu iria dá-lo uma surra para descontar a minha raiva, contudo esta cena já fez o meu dia. Então caia fora daqui antes que eu mude de ideia — Ela continua.
— Ailiss, por favor, eu preciso que você entend- — viro-me para responder e sou interrompido.
Sinto um forte impacto no estômago que conseguiu encobrir totalmente a dor que sinto no rosto. Devido ao golpe cambaleio para trás e caio no chão em meio aos entulhos.
Ergo o rosto e vejo Ailiss me encarando de cima de um modo assombroso como se estivesse prestes a me assassinar.
— Por quê? Você não tinha dito que não iri- — pergunto ainda agoniando e sou interrompido.
— Eu mudo de ideia bem rápido. Agora, vá. E da próxima vez que nos encontrarmos, seremos inimigos.
Você também? Tentar argumentar com elas não levará a nada.
Em seguida deixo o porão e caminho até o pátio para digerir tudo o que acabou de acontecer. A dor do tapa de Mikoto e do soco de Ailiss continuam latejando, mas não são nada comparados a angústia que sinto em apenas cogitar a morte de uma delas.