Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 61
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- Capítulo 61 - As palavras deles são enganosas. (1/2)
4º Dia
03h00
Onde estou? Está tudo branco. Será que morri e nem mesmo percebi?
Ou quem sabe eu esteja sonhando? É bem possível que seja mais uma premonição se manifestando.
Espere, eu já vi isto antes. Sou, eu mesmo adentrando na escola…
Então isto não pode ser um futuro dentro do jogo, desta forma ou trata-se de uma ocasião passada, ou ocorre após o final deste jogo. Porém, sendo uma cena tão habitual da minha rotina, não sei se posso relacioná-la a um momento em específico.
Passo a acompanhar uma série de acontecimentos que parecem oriundos de um sonho passado. Mas que até agora estavam um tanto quanto nebulosos na minha memória.
Sim, agora eu me lembro. Eu já tive este sonho antes, mas acabei me esquecendo de tudo, restando apenas fragmentos de memória no meu despertar.
Os eventos prosseguem e então revejo completamente o sonho em questão. Ao final do sonho, percebo que estava totalmente equivocado em relação ao futuro que tracei.
O confronto entre Mikoto e Ailiss foi o que ocasionou este jogo, a minha visão das duas na sala do conselho nunca foi um ponto futuro, porém um fato passado. Estive errado o tempo todo por uma mera má interpretação daquela cena e isto muda tudo.
Com esta informação em mente, não posso mais dar garantia de que meu plano tenha sucesso. Não há uma profecia premedita para que eu alavanque a sua concretização, muito pelo contrário. Há apenas indícios de que uma colaboração entre aquelas duas seja uma tarefa complicadíssima de se efetuar.
Porcaria.
E agora? O que eu posso fazer? Ao que tudo indica, pelo menos ainda possuo a vantagem das duas não se lembrarem deste conflito, porém não sei até que ponto posso me sustentar sobre isso.
Ao final deste evento, todo o cenário escolar começa a se desmontar dando lugar a um ambiente nebuloso.
Que lugar é este? Consigo lembrar-me claramente de que aquele sonho acabou naquele ponto. A visibilidade neste local é praticamente zero.
Então observo a silhueta difusa de dois indivíduos. Tento reconhecê-los à distância, mas a atmosfera em volta deles parece deformar o ambiente.
Quando me aproximo deles, percebo pelas suas estaturas que na verdade tratam-se de crianças, e muito novas por sinal. Toda a névoa neste ambiente parece vir dos dois.
Não posso ver bem seus rostos, pois estão totalmente distorcidos por esta aura nebulosa que os cobrem. Só consigo imaginar que sejam as crianças que anunciaram o início deste jogo.
— Finalmente você chegou, Johann. Estávamos cansados de esperá-lo — diz a menina com uma entonação levemente zangada.
— Quem são vocês? E como sabem meu nome?
— Quem somos? Realmente importa? Imagine-nos como você quiser. Pode nos encarar como entidades externas ou internas a você, mas se quer nos nomear, chame-nos de demônios de Laplace — responde o menino.
Demônios de Laplace?
— Tudo bem, agora me respondam, que lugar é este e o que querem de mim?
— Este lugar é qualquer lugar, ao mesmo tempo que lugar nenhum. Pense como se estivesse na interseção de dois mundos. Não queremos nada de você, apenas viemos lhe fazer o favor de avisá-lo de algo. Nesta altura, você já deve estar desconfiado. Mas como você é um pouco lerdo para deduzir por conta própria, fique sabendo que tudo o que você viu não são projeções futuras, como estava estipulando, mas sim de algo que já “aconteceu” — os dois passam a alternar as respostas.
Espere, a recapitulação do sonho que tive dois dias atrás realmente parece se referir ao passado, mas todas as visões? Não pode ser.
— O caso da invocação do jogo, sim. Acredito que seja o caso. Todavia, seria um absurdo afirmar isto em relação a minha premonição a respeito dos meus encontros com Mikoto e Ailiss, especialmente em relação a segunda a qual nem mesmo conhecia. Como vocês explicariam o fato de visualizar o passado com alguém que nunca encontrei anteriormente? Isto é um contrassenso por definição — replico.
— Não ter acontecido especificamente com este “você”, não significa que não aconteceu.
— Como assim? Não compreendo em que ponto vocês querem chegar.
— Johann, responda-nos, você já ouviu falar sobre universos paralelos ou realidades alternativas?
Bem, se o que eles estão querendo dizer for o que estou pensando…
— Naturalmente conheço esses conceitos. Vocês estão alegando que estou vendo acontecimentos que outras versões de mim vivenciaram em universos paralelos? Confesso que é uma explicação bem inusitada.
— Exatamente. De certa forma, pode considerar este fenômenos como linhas temporais.
Entendo… Se o que eles estão dizendo é verdade então uma versão de mim em outro universo conheceu Ailiss e conversou com Mikoto. Enfim, essas informações acabaram chegando até mim através desta sequência de sonhos.
— Tudo bem, agora eu compreendo razoavelmente aonde vocês querem chegar. Entretanto, como estas informações chegaram até mim? Isso ainda não faz o menor sentido.
— Primeiro tenha em mente que a realidade onde se encontra está na interseção da existência de outros mundos. Ou seja, você está muito mais suscetível a experiências que transcendem a sua própria linha temporal. E agora some ao fato de infinitas versões de você tomando decisões e se amargurando com as devidas consequências que poderá experimentar daqui em diante — explica a menina.
Então era esta a explicação? Consideraria uma hipótese impossível com o conhecimento físico atual, no entanto, neste ambiente sobrenatural é bastante plausível. Bizarro, mas plausível.
Mas há ainda algo estranho nisto tudo. Se são infinitos casos, cada linha temporal, cada mundo possível deveria ter um resultado diferente, ou seja, uma divergência. Fazendo com que eu visualizasse infinitas possibilidades futuras. Com certeza há infinitos mundos praticamente idênticos a este, mas ao mesmo tempo há infinitas linhas temporais diferentes.
Mesmo que eu assuma que apenas as realidades semelhantes a este resultaram num jogo para me conectar aos outros universos, por que eu pude observar aquelas situações especificamente? E elas não pareciam tão incongruentes umas com as outras, de modo que eu claramente poderia dizer que fariam parte da mesma linha temporal.
— Errado. Pelo visto, você não compreendeu o porquê desta convergência de sensações.
— Conseguem ler mentes?
Ignoram-me e prosseguem com a explicação.
— Não é tão difícil de entender. Pense que por mais que sejam infinitas possibilidades, todas misteriosamente convergiram para um único ponto. Independente das condições iniciais, tudo resultou na mesma circunstância. Como a água escoando em um pequeno funil que vai afinando mais e mais.
— O meu problema não é a analogia em si, mas a razão dela. Há algum sentido nisso? O que está ocasionando esta convergência?
— Não sabemos. Esta é justamente a razão por estarmos aqui. Não parece haver uma explicação racional para este fenômeno, porém em todos os mundos em que este jogo aconteceu, só obtivemos dois resultados. Metade das vezes, Ailiss von Feuerstein foi derrotada, e na outra metade Yukihara Mikoto. Ou seja, você venceu esta batalha em todos os casos, merece os parabéns por tamanha proeza.
As suas palavras finais deixam-me abismado. Se este mundo seguir o mesmo padrão que todos os outros… no fim não conseguirei salvar nenhuma das duas. Droga o que eu faço? Nenhum destes dois finais é aceitável. Não é possível que não exista outra forma, me recuso a acreditar nisso.
— Porém, com isto, significa que sempre uma delas morreu — olho para baixo e pergunto a mim mesmo — Não há nada que eu possa fazer a respeito? Não há como evitar que tenhamos este desfecho novamente?
— Exatamente, elas sempre morreram. Por mais que tenha vencido todos os jogos, a angústia sempre o engolia por completo, pois você sempre esteve ligado com as duas garotas, incluindo a derrotada. Isto cresceu desenfreadamente mais e mais até criar-se uma ponte entre estes mundos e chegarmos ao ponto em que estamos.
Eles só podem estar tirando uma com a minha cara. Eu não aceito este tipo de destino. Há algo que eu com certeza posso fazer para evitar um futuro no qual eu seja o vencedor, e é uma ação muito simples de se efetuar.
— Estão me dizendo que é impossível que eu salve as duas? É impossível eu não ser um dos vencedores do jogo? Basta eu me suicidar agora mesmo que isto se torna possível! Se eu estiver morto, o jogo acabará agora mesmo e não terá como convergir para a derrota de uma delas!
— Para quê? Para as duas se matarem depois? Ou para que um novo jogo seja criado logo em seguida? Lembre-se, Ailiss von Feuerstein e Yukihara Mikoto são inimigas naturais. No momento estão sofrendo de amnésia por causa do jogo, mas a caçada de Ailiss retornará assim que ela se lembrar de Mikoto e esta fará de tudo para se defender. Você está tentando preservar seres de interesses conflitantes e jamais terá sucesso com isto. No entanto, nunca dissemos que o seu objetivo é teoricamente impossível.
Não disseram? Foi o que falaram uma frase atrás.
— Então o que eu faço?! Do que adianta vocês me falarem tudo isso?! E como posso realizar meu objetivo, se este é justamente salvá-las. É a única coisa que interessa para mim!
— O seu objetivo que é salvar as duas em si não é impossível, o problema é tentar salvá-las no estado em que elas se encontram, isto é impraticável. Não nos importamos se você conseguirá salvar ambas, gostaríamos apenas de construir uma terceira possibilidade. O infinito não pode de maneira alguma experimentar apenas duas trajetórias, por isso o influenciamos para visualizar essas rotas paralelas e não apenas sentir um forte déjà vu como normalmente acontece. Agora, como você vai usar estas informações fica ao seu critério.
Eles continuam.
— E a propósito, nós deixamos uma surpresa para você, quando encontrá-la se lembrará do que se trata.
08h43
Acordei hoje como se uma enxurrada de informações tivesse sido descarregada manualmente no meu cérebro. Após esta terrível dor de cabeça cessar, eu consigo parar, relembrar o meu sonho e refletir um pouco sobre tudo aquilo que vi.
Apesar de ter descoberto que as visões que venho tendo são de uma natureza diferente da que postulei, não pretendo mudar a ideia central do meu plano. Não posso voltar atrás.
Reunir aquelas duas tornou-se mais essencial do que antes, visto que essas são inimigas naturais. É exatamente como aquelas crianças falaram. De nada adianta eu simplesmente encerrar o jogo com as duas com vida, assim que isto acontecer o conflito delas recomeçará. É ingênuo pensar que as coisas acabem diferente, logo necessito cortar o mal pela raiz e acabar com esta inimizade.
Enquanto caminho pensativo pelos corredores da escola, eu tenho meus devaneios bruscamente interrompidos ao sentir uma pancada em minhas costas.
Viro-me para ver do que se tratava para posteriormente cobrar alguma satisfação, contudo trata-se de uma figura a qual não posso contrariar: Ailiss.
Ela franze as sobrancelhas e me encara em silêncio por alguns segundos.
O que exatamente aconteceu? Está zangada com o quê? Bem, tendo em vista a sua personalidade, eu deveria estranhar caso ela não estivesse hostil.
— Algum problema, Ailiss? — pergunto amigavelmente.
— Por que não manteve contato? Devo interpretar isto como um rompimento de nossa aliança? — retruca com a voz sombria.
Droga, como fui me esquecer do relatório que fiquei devendo a ela? O impacto de descobrir que a Mikoto era uma jogadora também fez com que eu me esquecesse completamente de me encontrar com Ailiss ontem à noite.
Preciso inventar alguma desculpa logo, ou as coisas vão ficar muito feias para o meu lado.
— Eu ia contatá-la hoje. Estive ocupado ontem em resolver as coisas com a Mikoto, a presidente do conselho estudantil. Infelizmente demorei mais do que imaginei para conseguir conversar com ela em particular. Obtive sucesso em persuadi-la para colaborar conosco, no entanto acabei mais tarde do que o esperado.
— E você terminou esta tarefa em que horário, de madrugada por acaso? Deveria ter reportado isto o mais rápido possível. Não foi isso que você mesmo estabeleceu como meta? Cometa mais um erro destes que irei considerá-lo como um traidor — cerra os olhos.
Vejo que arranjei uma comandante mais rígida do que eu poderia imaginar.
— Sinto muito mesmo, Ailiss. Pode ficar tranquila, é um erro que não irá se repetir — gesticulo na defensiva.
Ela prossegue me encarando com muito mau humor.
Não acredito que pedidos de desculpas vão funcionar com ela. Por enquanto, o melhor a se fazer é tentar desviar o assunto.
— E então, como foi a sua investigação?
— Ainda não tenho nenhuma forte suspeita de quem seja o conjurador e último jogador, preciso estudar um pouco mais o caso. Estou convicta de que eu o tinha em minha mira, entretanto minhas memórias de curto prazo estão um completo caos, há algo de muito estranho nisso tudo — toca em sua testa.
Compreendo, o que ela diz bate com a versão que visualizei, dando assim mais credibilidade aos meus sonhos. Preciso dar um jeito de aproximá-las enquanto ambas mantêm-se na ignorância.
— Entendo. Talvez você deva descansar um pouco, eu lhe cubro hoje à tarde.
— Uma assassina normalmente não tem tempo para descansar, mas já que consegui um subordinado… talvez não seja uma má ideia.
— Aliás, irei conversar com a presidente Mikoto para marcarmos uma reunião com você. Tudo bem ser hoje à noite?
— Que seja, apenas resolva logo isto — Dá-me as costas e responde enquanto deixa o ambiente.
10h49
Depois de falar com Ailiss, vou até a sala do conselho estudantil à procura de Mikoto para tentar então confirmar um encontro esta noite. Desta forma, poderemos tratar da consolidação desta aliança. No entanto, ao chegar lá, não a encontro.
Mikoto havia saído com Keiko e Haruki para resolver algum assunto que não é do meu interesse. Desta forma, quem estava responsável na ausência da presidente, logicamente é o vice-presidente, Takashi. O qual, devido a nossa conversa de ontem, me recebe com pouca vontade.
Enquanto aguardo o retorno de Mikoto, sou constantemente amaldiçoado pelo olhar raivoso de Takashi que me encara estaticamente.
O que me faz repensar a respeito do futuro daquelas duas após o jogo.
Depois que eu cometer suicídio quem cuidará delas? E não menos importante, quem será uma ameaça?
Sinto o cheiro podre deste ciúme doentio de Takashi à distância, não vejo nada de bom saindo daí. Meramente por Mikoto ter me dado um pouco de atenção ontem à tarde, esta sala está infestada de sua hostilidade. Talvez a conclusão que cheguei ontem não seja tão insensata assim, e agora já possuo um bom pretexto para querer me livrar dele.
— Ela não voltará tão cedo. Não há o que você ficar fazendo por aqui, pode ir embora — diz ele ainda me encarando.
Minha presença realmente está o incomodando. Talvez eu deva responder sua amigável recomendação na mesma moeda.
Não. Melhor que isto. Posso tocar mais e mais em suas feridas de modo que aos poucos me revele mais esta hostilidade que já está escancarada em seu rosto.
— Já falei que preciso conversar com ela. E não se preocupe com o horário que ela voltará, tenho todo o tempo do mundo, principalmente se for por causa dela. Posso esperar o dia inteiro se for preciso — respondo sorrindo ironicamente.
— Vou pedir por bem, afaste-se dela agora mesmo. Se eu enxergar você se aproximando dela novamente, irá se arrepender de não ter ouvido os meus avisos — fala cerrando os punhos — Está me subestimando… não sabe do que eu sou capaz de fazer.
Finalmente decidiu explicitar suas emoções? Porém, sinto muito. Jamais seguirei tal instrução.
Mais fundo. Posso abrir um pouco mais a ferida.
— Afastar-me? — começo a rir — Para começo de conversa, a nossa relação parte mais dela do que de mim. Sei que deve ser difícil para você entender, mas ela acabou preferindo outra pessoa mesmo você fazendo de tudo por ela. Pode ser injusto, mas é a vida, nem sempre nossas paixões são correspondidas. Mesmo que eu me afaste, nada mudará. Não há como você controlar o coração dela, e nada que você faça irá garantir reciprocidade.
Bruscamente ele levanta-se da sua cadeira e arregala mais o seu olhar. Após alguns segundos com os punhos cerrados ele começa a mover-se em minha direção.
Já foi o suficiente? Acabei deixando-me levar e o irritei mais do que o esperado.
E então? Até que ponto manterá a sua palavra como um homem?
— Ora, seu… — Takashi para ao perceber a porta se abrindo — Quem é?!
É apenas Natsuki que olha confusa para a sala.
— Er… com licença, Tanaka-senpai. A Kaichou ou a Keiko não está por aqui? Eu fiquei de entregar alguns papéis para uma delas.
— Você está vendo algumas delas por aqui?! Então, claramente não estão! — ainda irritado responde.
— Ah, sinto muito! — replica chorosa e deixa a sala.