Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 60
- Início
- Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem
- Capítulo 60 - Obviamente, esta história não terá um final feliz.
— Do que você está falando? Como se fosse possível eu decorar respostas para cada possível fala sua.
— Exatamente. Como tu conseguiste antecipar o que eu iria dizer? A diferença da tua última frase é notável em relação às anteriores. Foi a primeira vez que tu disseste algo de modo genuíno, apesar do conteúdo não aparentar ser verdade de qualquer forma. Além do mais, a forma que tu reagiste ao te informar que estava ciente de tu seres um jogador, bem como ao mostrar-te a denúncia feita, não foi nem um pouco condizente com a situação em que tu te encontras. Não me passou sinal algum de preocupação — pausa — Por acaso, tudo isto é alguma armação contra o conselho estudantil?
Isso está começando a ficar perturbador, é quase como se o seu olhar penetrante pudesse vasculhar a minha mente e então julgar a veracidade da minha fala. Não consigo construir nenhuma defesa entre nós dois.
Se eu ficar calado por muito tempo, estarei dando-me por rendido. Como minhas frases prontas não foram montadas para uma situação dessas, preciso inventar qualquer coisa que seja, pelo menos enquanto Takashi estiver aqui.
— B-bem… — gaguejo.
— Se tu decidiste persistir em te fazer de desentendido, então precisarei tomar medidas mais diretas — suspira — Diga-me Johann, tu viste aquilo. Não viste?
Aquilo? Ela está se referindo ao verdadeiro sumiço do professor? Entendo. Então ela está ciente da Morte… só pode significar uma coisa.
Mikoto é uma jogadora?
— Yukihara-san?! Não deveria tocar nesse assunto! — Takashi surpreende-se com a fala dela.
Droga, isto é bastante problemático. O que a não faz simplesmente uma aliada, porém alguém relacionada ao jogo. Se for o caso, preciso reavaliar o modo em que procederei daqui pra frente. Esta informação não estava presente dentre as minhas premonições.
— Não te meta, sou eu que estou falando com ele. Por acaso tu foste promovido a um cargo mais alto do que o meu para cogitar a contrariar minhas ações? — o encara e replica rispidamente — E sem mencionar que isto se fez necessário. Não conseguiríamos avançar na conversa sem pressioná-lo deste modo — volta-se para mim — Agora, não há para onde fugir, a tua reação demonstrou que sabes muito bem sobre o que eu me referi. Ainda pretendes continuar com esta farsa?
Suspiro.
Não há jeito, terei que me expor na frente de Takashi.
— Você também viu? — pergunto.
— Sim. Como podes perceber, estou com o mesmo papel que tu dentro deste jogo. Agora, responda-me. O quanto tu sabias a respeito desta acusação? — cerra o olhar.
Então é isso mesmo. Queria me recusar a acreditar, mas tanto Ailiss quanto Mikoto são jogadoras… como farei para contornar esta situação?
— Eu não sei do que você está falando — viro meu olhar sutilmente para Takashi.
Não tenho condições de prosseguir com esta conversa dissimulada, mas ao mesmo tempo não quero abrir o jogo com ele presente. Devido às suas notórias habilidades de análise comportamental, talvez ela possa entender este comunicado não verbal.
— Tanaka-kun, poderia deixar-nos a só por um momento? Aproveita para vigiar o corredor e certifica-te de que nem um outro membro do conselho entre na sala durante o interrogatório — Ela olha para Takashi e ordena.
Ela capta perfeitamente a mensagem como o esperado.
— Não acha muito arriscado ficar sozinha com ele? Ainda não tenho total confiança nele, para não dizer nenhuma — diz Takashi muito nervoso.
— Só por um acaso, estás insinuando de que eu errei em meu julgamento? É isto mesmo que eu acabo de ouvir? — replica o olhando friamente.
— Perdão, não estava insinuando nada. Trata-se apenas de uma questão de prevenção. Não podemos abaixar a guarda.
— Tanaka-kun, quando eu não peço a tua opinião, por favor, fica calado e apenas faças o que eu digo. Ou por acaso, tornaste-te o presidente do conselho estudantil sem eu saber?
O modo de ela falar com seus subordinados é tão ríspido que até mesmo eu que não possuo nenhuma simpatia por Takashi acabo sentindo um pouco de pena.
Ele consente com a cabeça e sai da sala cabisbaixo.
Pensando bem, talvez ele não acabe sendo uma ameaça tão grande quanto eu pressinto. Ainda assim, meus instintos ainda apontam que devo afastá-la dele.
— Pois bem, livrei-me do teu entrave, então começa a explicar-te logo. Ou irei presumir que tu sejas um potencial inimigo — encara-me com frieza.
Mal pude terminar de observar o desprezo sofrido por Takashi que a maldição já se voltou contra a minha pessoa.
Qualquer passo em falso pode acabar arruinando tudo, a visão dela sobre mim já não parece ser das melhores. Acho que devo contar a verdade de uma vez, porque provavelmente perceberá qualquer mentira que eu invente mesmo.
— A verdade é que eu pude visualizar este evento antes do próprio acontecer, por isso já estava ciente em certo ponto sobre o teor da nossa conversa. Dizer que sou capaz de ver o futuro não é apropriado, pois não depende da minha vontade exatamente. Mas entre muitas aspas pode atribuir a habilidade de premonição a mim.
— Vidente, certo? Então como tu não sabias que eu perceberia o teu comportamento artificial? Acho que tuas habilidades não são tão boas assim.
— Como já disse, não sei a respeito de tudo. São fragmentos do futuro que passam em frente aos meus olhos. Aí pude elaborar a nossa conversa de modo similar ao que previ. Ainda mais, a maioria das coisas a que tenho acesso tem um caráter mais abstrato como sensações futuras do que a informação propriamente dita.
— E quais eram as tuas intenções com tudo isso? Tu sabias a proposta que eu iria fazê-lo desde o começo, não? Qual o sentido deste teatro que tu tentaste articular?
— A minha intenção é exatamente esta. Mikoto, por favor, seja a minha aliada neste jogo. Acredito que tendo você como aliada podemos encerrar o jogo rapidamente e com o menor número de fatalidades possível.
— Mikoto? — arregala os olhos e leva as mãos até a testa — Vejo que esta tua habilidade oculta aparenta ter certo fundamento. A princípio pretendia fazer-te chamar-me assim, contudo esta antecipação tua deixou-me confusa.
Ela também foi afetada por esta estranha sensação de déjà vu? Não é algo tão inusitado assim, afinal Ailiss sofreu do mesmo efeito quando eu acabei premeditando e citando um termo que ela vincularia a mim.
— Acredito que eu tenha desenvolvido isto por ser um jogador. E como você também é uma, é possível que possa ter uma interferência nas tuas memórias numa escala menor do que acontece comigo.
— Entendo. Pois bem, como era minha intenção original levantar uma aliança contigo, não vejo o porquê de negá-la agora. Todavia, não posso deixar de ficar alerta em relação a ti, o que garante que tu não estejas apenas aproveitando-se disto. Como tens noção do futuro, podes muito bem estar planejando apenas a própria vitória e aguardando o momento certo para me trair. Da mesma forma que a tua habilidade torna-te um aliado interessante, torna-te um aliado arriscado.
— Fique tranquila, a respeito disso você não precisa se preocupar nem um pouco. Eu vi mais além no futuro e posso afirmar que não vou quebrar esta aliança de modo algum.
— Johann, tu sabes tão bem quanto eu que isto não serve como evidência — suspira — Tu estás baseando a veracidade das tuas afirmações novamente na tua própria palavra. Ao menos justifique o porquê tu não irás romper esta aliança.
É um pouco difícil de colocar em palavras e não sei se ela levaria a sério algo tão abstrato. No entanto, na posição na qual estou não é hora para me sentir envergonhado ou intimidado de expor algo assim.
— O motivo resumidamente é porque aos poucos irei apaixonar-me por você, pude constatar isso pelas minhas premonições.
— Apaixonar-te? — ri levemente — Não ficaria surpresa se fosse o caso, entretanto tu não conseguirás me enganar tão facilmente. Estás mentindo, não é? Percebi certa hesitação na tua afirmação.
Tecnicamente falando você está correta. O modo com qual eu me expressei realmente não possui veracidade, mas não é uma mentira da forma que você está assumindo que seja.
— De fato. Não posso esconder nada de você. Não posso me apaixonar por você, pois já estou apaixonado.
— É surpreendente o quão fácil para você é falar tal tipo de baboseira. Até parece que estás copiando meus planos — sorri — Mas tudo bem, vou confiar em ti por hora.
Planos? Agora que ela tocou no assunto, percebo que nos flashes futuros havia certo padrão de provocações por parte dela. Seria uma tentativa de conquistar-me? Mas qual o sentido disso se eu já admiti estar a servindo? Será que ela pretende levar esta brincadeira à frente ou quem sabe o futuro que eu vi possa já ter sido alterado?
Isto poderá ser um grave problema. Tomando então como hipótese que o futuro pode ser mudado, significa que em alguma instância eu não atendi os requisitos para chegar ao ponto que eu previ.
Por hora acho que eu devo conversar com ela a respeito de Ailiss. Pois mais cedo ou mais tarde Mikoto terá que ficar sabendo da existência dela.
— Aliás, há algo que acho importante salientar. Existe mais alguém inserida nesta aliança.
— Poderias dizer-me de quem se trata?
— Como ela chegou há pouco tempo na cidade, não sei se você a conhece bem. Mas é a garota intercambista.
— Não tive a oportunidade de conversar com ela, mas já a vi de relance e estou ciente de quem se trata. No entanto, estou um pouco duvidosa da confiabilidade dela justamente por ser uma completa desconhecida, o que te levou a inseri-la nesta aliança?
Realmente, o natural seria suspeitar de Ailiss. A chegada dela na escola acabou coincidindo com a materialização desta realidade de caráter sobrenatural. Portanto, a presença dela a priori seria no mínimo suspeita.
— O mesmo motivo que me levou a vir atrás de você, meramente convicção. Pelas minhas premonições, essa pessoa em questão será de extrema importância para escaparmos do jogo e apesar de qualquer suspeita ela se faz necessária.
— Por mim tudo bem, já disse que eu irei confiar na tua palavra. Mas sendo ela outra garota, e muito bela por sinal, temo que eu fique um pouco enciumada de ver o garoto que acabou de se declarar para mim andando ao lado dela — replica com uma forte dose de sarcasmo.
É… Aparentemente você não conhece a personalidade dela.
— Com isto não há com o que se preocupar, independente dos meus sentimentos, é impossível para alguém como ela apresentar reciprocidade. Ademais, pretendo marcar uma reunião entre nós em breve para elaborarmos algum plano em conjunto.
Não posso deixar escapar que Ailiss é uma jogadora. Sendo nós os três jogadores, isto pode ser um pouco problemático para as duas aceitarem.
20h06
— O vice-presidente está mais irritado do que o normal — fala Shou.
— A propósito, ele anda encarando a gente com certa hostilidade ou é impressão minha? — replica Manabu.
Uma reação natural após levar uma bronca daquela magnitude provinda de sua maior ídolo. Ao mesmo tempo em que seu adversário é tratado com cortesia pela própria. Do ponto de vista dele, o seu mundo desabou.
Infelizmente agora posso dizer que o entendo perfeitamente. Após estar sendo influenciado por esta forte onda de sentimentos futuros, eu, assim como ele, passei a colocar aquelas duas como a razão para ainda estar vivo.
— Eu posso até imaginar quem seja o culpado disto — Shou diz encarando-me de canto.
— O que vocês discutiram à tarde para deixá-lo tão bravo?— pergunta Manabu.
— Apenas neguei as acusações que me foram imputadas, somente isso.
Se ele está irritado ou não, pouco importa perante o grande problema que descobri nesta conversa. Mikoto infelizmente é o terceiro jogador.
Passei a tarde toda pensando a respeito do fato de nós três sermos jogadores e não consegui pensar em nem uma solução agradável. Simplesmente não há saída. Pelas regras, um de nós três necessariamente precisa morrer.
Tendo em mente que a sobrevivência de nós três é impossível, restam-me apenas duas opções.
A primeira é sacrificar uma em nome da outra, o que é completamente impensável. Apenas de tentar visualizar uma cena na qual eu abandono alguma delas, um aperto terrível toma o meu peito. Eu prefiro morrer da forma mais dolorosa possível a mandar uma delas para morte e jamais poderia escolher entre duas pessoas que amo tanto. Minha ligação afetiva com elas é tão forte que seria o mesmo que pedir para alguém escolher entre a vida de dois filhos, na verdade muito mais intenso do que isso.
E então chegamos à única opção válida: suicídio.
Sinto em não poder ver o futuro que nos reserva, porém esta é a única saída. Não poderia ser diferente. O mais engraçado é que o meu instinto de sobrevivência praticamente não reagiu a esta conclusão, desde o princípio foi facilmente deduzível que eu precisaria agir desta forma. Estou tão hipnotizado por aquelas duas que meu cérebro negou seus instintos mais primitivos.
Realmente, parando para ponderar de um jeito racional, isto tudo não faz muito sentido. Simplesmente alguém tão desprovido de empatia como eu, desfazendo-me de tudo por um amor que floresceu de maneira tão inexplicável…
Para falar a verdade, quando penso no passado, tenho a leve impressão de que eu sempre soube que meu fim seria por este caminho. A ideia de suicídio sempre caminhou ao meu lado.
Eu daria tudo para poder passar apenas mais um tempo com elas, mas a minha morte é inevitável.
É algo que precisa ser feito. Se eu puder salvá-las desta forma, assim farei sem hesitar por nenhum instante.