Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 59
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- Capítulo 59 - Astutamente, Yukihara Mikoto vê através das mentiras.
09h24
Cerca de uma hora depois, tomo coragem e me dirijo até a sala do conselho estudantil na expectativa de encontrá-la. Pude confirmar previamente que Takashi não está no bloco do conselho estudantil, logo há um fator a menos de possíveis interrupções.
No entanto, ao chegar a um andar inferior ao qual está situada a sala na qual Mikoto se encontra, deparo-me com alguns estudantes em vigia a mando do conselho.
Estão bloqueando a entrada para os andares superiores e não há nem uma forma de que eu consiga cruzar por eles sem ser notado.
Enquanto eu me movo para as escadarias, eles rapidamente bloqueiam o caminho. O que é um pouco curioso, pois até agora não ocorreu nenhum incidente interno relevante para Mikoto levantar tanto a guarda.
A não ser que ela esteja desconfiada de um possível ataque. Mas por que justamente a ela? Apenas por estar cumprindo o papel de líder?
— Este andar está restrito a membros do conselho estudantil. Não podemos deixá-lo subir.
— Entendo, mas eu gostaria de tratar de um assunto com a presidente — apresento-me educadamente.
— Não foi nos informado nada a respeito de uma visita. Você tem alguma autorização por escrito? — eles se entreolham e um deles pergunta.
Não sei se tentar mentir que ela se esqueceu de avisá-los possa surtir algum efeito. No máximo um deles iria tentar confirmar com ela e tudo pioraria para o meu lado.
Quando estou prestes a jogar a toalha, um coincidente encontro se sucede.
— Ora, o que está fazendo por aqui, Johann-san? — escuto uma voz familiar vindo atrás de mim.
Viro-me e constato que se trata de Haruki e Keiko.
Ele sempre me encontra em situações pouco convenientes. Como ele já está ciente de que preciso conversar com Mikoto, não há o porquê mentir minhas intenções.
— Ah, olá, Haruki. Vim até aqui, pois eu precisava falar com a presidente em particular. Lembra-se da nossa conversa de ontem? Como eu posso proceder?
Além do mais, os dois são o primeiro tesoureiro e a primeira secretária. Talvez eles possam me ajudar a passar por estes seguranças.
— A Kaichou pediu para não perturbá-la pelo restante do dia, se não até poderíamos levá-lo até ela — responde Keiko.
— Pois é, ela não anda de muito bom humor — complementa Haruki.
Acho que então serei obrigado a adiar meu objetivo de qualquer forma.
— Entendo. Voltarei em um horário mais apropriado.
11h16
No fim, minha tentativa de falar com Mikoto não deu certo. O que eu deveria fazer agora? Ir conversar com a Ailiss? Bem, eu fiquei de relatar o meu desempenho de hoje para ela.
Não. Isto está fora de cogitação.
Não posso demonstrar a ela que falhei em minha missão autoproclamada. Fracassos não serão toleráveis para ela.
A princípio eu estava aguardando o almoço, porém dei-me conta de que ela ultimamente está evitando almoçar no refeitório. Assim sendo, preciso de outro método mais efetivo. Outro ponto que comprova esta minha hipótese é o cenário ao fundo de minhas previsões, não pode ocorrer no refeitório. A condição para que isto aconteça é de fato é na sala do conselho estudantil, tentar abordá-la em qualquer outro lugar é impossível.
Porém, já constatei que não é viável tentar entrar lá por conta própria. Então, o que devo fazer?
A solução que me veio à mente foi algo derivado das minhas visões. Durante algum dos meus encontros com Mikoto, supostamente o primeiro, lembro-me vagamente de um envelope, o qual possuía uma caligrafia terrível. Acredito que esse tenha alguma relação para alavancar tal discussão.
Infelizmente não sou capaz de recordar o que havia sido escrito naquela carta, entretanto apenas a presença física deste artifício pode engatilhar aquele cenário. Para isso devo tentar replicá-la o mais parecido possível com o envelope das minhas memórias.
— Ei, Shou. Responda-me uma dúvida rápida — pergunto.
— Hã? O que foi Johann? — responde surpreso.
— Como é a sua caligrafia? Terrível, não é?
— Do que você está falando? Eu escrevo muito bem. Tanto a minha caligrafia quanto a minha ortografia são impecáveis. Né? — vira-se para Miyu e Manabu na busca de uma confirmação.
— Shoucchi, sinto em lhe dizer, mas até mesmo o Johann que é estrangeiro escreve de forma mais legível do que você.
Não apenas estrangeiro, minha letra já é feia no alfabeto romano. Em japonês pior ainda. Mas Shou consegue a façanha de me superar, a ponto de nem os professores compreenderem as suas questões discursivas muito bem. Se me recordo bem, ele quase foi reprovado de ano por conta disso.
E aí que entra o ponto. Eu até poderia forçar uma letra ruim, entretanto, apenas por uma questão de segurança, acho que soaria mais natural se Shou fosse o responsável pela carta. Além disso, eu precisaria de alguém para entregá-la no meu lugar, caso contrário esta tática não funcionará.
— Eu preciso de um favor seu. Escreva uma carta para mim.
— Ele escrever? Por quê? Não concordamos que a caligrafia dele é ruim? — pergunta Miyu surpresa.
— Não posso entrar em muitos detalhes, mas a caligrafia precisa ser horrível. Por isso estou pedindo a ele.
Será que eles vão engolir uma história destas? Os conhecendo, acho que consigo fazer acreditarem se eu tangenciar certo assunto.
— Por mim, tudo bem. Eu irei ajudá-lo nisso. Mas o que você precisa que eu escreva? — ri — Uma carta de amor por acaso?
Coincidentemente ele sozinho encaminhou a conversa para este tópico.
— Exatamente, como você possui mais experiência do que eu, acredito que possa me ajudar com isso — respondo seriamente.
— O quê?! — Manabu e Miyu reagem.
Em situações como esta, posso usar da imbecilidade e do entusiasmo deles nestes assuntos ao meu favor.
— Sério mesmo?! Estou tão orgulhoso de você, Johann! Finalmente entendeu o quão maravilhoso é o mundo da conquista — Shou responde animado.
— Tratando-se de uma questão um pouco vergonhosa para mim, não quero que eles ouçam, então posso explicá-lo em particular?
— Claro que eu, o mestre do amor, irei ajudá-lo. Vamos até outro local.
Como preciso apenas de Shou para o plano, não há a necessidade de Manabu e Miyu ficarem a par disso. Quanto menos pessoas envolvidas, melhor.
Shou e eu caminhamos rumo a outro recinto, e ele, impaciente, pergunta.
— E então, Johann? Quem é a garota em questão?
Afastados, então eu começo a explicar-me a Shou.
— Desculpe-me, mas a história da carta de amor foi apenas um jeito de empolgá-lo e servir de justificativa para nos afastarmos dos dois.
— Poxa, estava tão animado por você — cruza os braços decepcionado — O que eu preciso fazer então?
— Eu sei que pode parecer um pedido bem estranho. Mas que quero que escreva uma carta me acusando de ser um jogador e entregue anonimamente para o conselho estudantil.
— Quê? — Shou assusta-se e fica boquiaberto — E qual o ponto disto tudo? Espere, você realmente é um jogador?!
— Fale mais baixo. Não, eu não sou. Mas é a única maneira do conselho estudantil ouvir o que tenho a dizer. Será basicamente uma armadilha para atrair a atenção deles.
— E por que você quer a atenção deles? Assim acabará sendo tratado como um suspeito. Não é algo perigoso?
— É uma longa história, da qual eu não posso revelar detalhadamente agora. Porém, como um amigo, peço que acredite em mim. Estou agindo com a melhor das intenções. Tudo se trata de um plano para capturar um verdadeiro jogador, o qual eu acredito ser o responsável por este jogo.
— Como assim? Um dos jogadores é o responsável? — olha-me assustado — Quem é?
— Ainda não posso afirmar com certeza, mas desconfio de que o vice-presidente tenha algum envolvimento. E este meu plano tem como o intuito confirmar isso.
Como ele não gosta da pessoa em questão, o seu viés de confirmação o fará colaborar comigo.
12h14
O vice-presidente Takashi está olhando para a nossa mesa constantemente, diferente de mim, ele nem ao menos se deu o trabalho de tentar disfarçar.
Se tudo ocorrer como eu espero, serei levado por ele até a sala do conselho para prestar esclarecimentos sobre a queixa feita.
— Esta comida está ótima, aliás, muito melhor que o habitual — comenta Miyu.
— Pois é, espero que eu consiga resservir. O conselho é mais competente do que os próprios cozinheiros da escola — responde Shou.
Shou e os outros dois também não aparentam estar inquietos com isso. Não consigo deduzir qual seja a causa, mas este estranho padrão que carrega o humor de todos para a normalidade ainda está agindo e posso contar com isto ao meu favor.
Takashi continua sentado com Keiko e Natsuki e ao mesmo tempo em que olha fixamente para cá.
— O que foi, Johann-kun? Está mais calado do que o normal. E a propósito, a sua comida vai esfriar — indaga Miyu.
— Não é nada. Apenas estou sem apetite hoje.
Acho que ele está apenas esperando algum momento no qual eu esteja sozinho para intimidar-me a prestar esclarecimentos. Então, só resta-me esperar que ele tome a ofensiva.
15h33
Estou certo de que a denúncia de Shou chegou até a alta cúpula do conselho, caso contrário não teria despertado a atenção de Takashi para mim. Mas por que estão demorando tanto para me chamar? Estariam tentando verificar a veracidade da testemunha?
Será que eles não o levaram a sério?
— Ei, Jocchi! Onde você estava? Estávamos te procurando — Manabu encontra-me.
Fiquei todo este tempo sozinho, mas nem por isto Takashi tentou me abordar. Então acho que já não há problemas de Manabu estar aqui ou não.
— Precisava de um tempo só para pensar e colocar a cabeça no lugar. Somente isso.
— O Shoucchi não conseguiu ajudá-lo com a carta de amor?
— Até conseguiu, mas estou preocupado com o resultado disso. Não sei se no fim das contas conseguirei estar do lado delas — deixo escapar um detalhe referente ao número.
— Delas? — indaga Manabu.
No entanto, no instante em que eu devo inventar uma desculpa para ele, um evento se sucede.
Percebo alguns passos aproximando-se no corredor ao lado, porém propositadamente finjo que não o notei e permaneço virado para Manabu.
Takashi finalmente decidiu agir. Só resta saber como… Irá proceder da maneira que eu arquitetei ou quem sabe tomará atitudes que correspondem a esse estranho mau presságio que venho sentido em relação a ele?
— Ei, os dois fiquem parados por um instante. Tenho algumas perguntas a fazer.
— E o que o senhor vice-presidente quer saber de dois estudantes à margem da vida estudantil padrão? — pergunto.
Ele me encara seriamente por alguns segundos, ajusta seus óculos e fala.
— É um assunto que precisa ser tratado em particular. Então o seu amigo poderia se retirar?
Quê? Ele pretende discutir aqui comigo? Não posso deixar que isto aconteça, pois preciso ir até a sala do conselho estudantil para concretizar a minha previsão.
— É uma boa ideia, acho que vou ler uma light novel e depois eu te procuro — diz Manabu.
— Manabu, fique. A atitude dele não parece coerente com a do conselho estudantil. Um interrogatório não deveria ser feito isolado desta forma. E se insistir irei pessoalmente até o conselho estudantil para exigir esclarecimentos — falo.
Ele aborrece o rosto, mas como provavelmente está tomando estas ações por conta própria sem consultar a Mikoto, precisará se dar por vencido.
— Tsc. Então me acompanhe até a sala do conselho.
15h49
Sigo Takashi pelos corredores até a porta da sala destinada às tarefas do conselho estudantil. Ele para por alguns segundos em frente à porta e olha para mim.
— Então, qual o assunto que você pretende tratar comigo? — pergunto.
— Eu estava tentando explicar isso desde o começo, mas sua paranoia não permitiu. Não sou eu que vou falar contigo — diz enquanto abre a porta.
Claramente um blefe, ele não queria me trazer até aqui e agora apenas quer certificar-se de que eu não comunique este detalhe para ela.
Assim como eu imaginava, lá está sentada a presidente Yukihara Mikoto. Takashi e eu adentramos a sala e imediatamente os seus olhos gélidos fixam a mira em mim. Em seguida ela fecha alguns livros e documentos, os quais estavam sobre sua mesa e começa a falar.
— Boa tarde. O teu nome é Johann, correto? Permite-me chamar-te pelo primeiro nome? Parece-me estranho chamá-lo pelo teu sobrenome, pois não estou acostumada com sobrenomes estrangeiros.
Ora, então ela realmente pretende começar o interrogatório de forma amigável? Não… há algo de errado no ar. Este tipo de cordialidade não condiz com sua personalidade.
Entretanto, é impossível negar a sua habilidade de dissimulação, não consigo rastrear nenhuma evidência física de que esteja mentindo. Infelizmente para você, Mikoto, meu inconsciente advindo do futuro já a conhece muito bem, e fez questão de me alertar previamente sobre a sua personalidade duvidosa.
Ademais, por enquanto não posso expor que possuo conhecimento prévio desta conversa, logo vou tentar agir como eu normalmente me comportaria.
— Claro, presidente. Alguém de sua autoridade não deveria nem pedir-me permissão por uma mera questão de formalidade. Aliás, ser chamado pelo primeiro nome é o mais habitual para mim também. Mas fico surpreso de você saber o meu nome.
— Hmmm? O que estás a dizer? Não deverias te desfazer tanto, tu és bem conhecido no meio escolar — olha para alguns documentos e ri levemente — Apesar de que a impressão alheia sobre ti não ser das melhores, admito.
— Fico lisonjeado pela consideração. Porém ainda não compreendo o que você, a presidente do conselho estudantil, gostaria de saber de alguém como eu, um mero estudante impopular.
— Muito bem, com as apresentações formais feitas, vou direto ao ponto do que pretendo tratar contigo.
O seu modo de falar muda totalmente, agora ela está falando mais séria e seu olhar afiado voltou.
De que maneira você vai abordar este assunto?
— Eu sei que tu és um dos três jogadores — prossegue.
Tão direto? Isto pode ser problemático. Ademais, devo continuar com o meu pequeno teatro.
— Eu? Um jogador? Como chegou a tal conclusão?
— Vejo que tu não planejas admitir abertamente. Então, o que tu tens a dizer sobre isto?
Ela retira algo da gaveta e lentamente estende até minhas mãos. Um envelope muito amassado e com a caligrafia terrível de Shou estampada nele.
Está aí a minha armadilha…
Eu gostaria de abrir o jogo agora mesmo com ela, mas tenho um empecilho parado logo ao seu lado.
No entanto, algo está me incomodando em tudo isso. A questão da denúncia é de fato muito simplista. Pois no final das contas, não há prova alguma de que sou um jogador em suas mãos, em outras palavras é uma mera denúncia sem embasamento.
Não me preocupei com isto anteriormente, pois estava apenas tentando recriar o ambiente premeditado, mas esperava que houvesse mais alguma coisa acompanhando este envelope. Conhecendo a personalidade manipuladora de Mikoto, acreditei que ela mesmo providenciaria algo assim numa tentativa de intimidar o interrogado.
— Quem fez a denúncia? — pergunto.
— Foi feita anonimamente, e mesmo que soubéssemos, por questões de sigilo, não falaríamos a ti. Posto isto, algum comentário a respeito da acusação que recebeste?
— Não há muita coisa a dizer além de obviamente ser falsa. Basicamente acho que esta é a minha única consideração.
— Tu estás certo de que esta será a tua resposta à denúncia?
Esta seria a reação mais sensata a alguém que está sendo acusado por uma denúncia infundada como esta. Devo manter minhas respostas coerentes.
— Sim, o que mais posso dizer? É a palavra do denunciante contra a minha. Aliás, o denunciante, nem ao menos se deu o trabalho de relatar algum indício para tal acusação. Em outras palavras, uma conclusão sem premissas. Portanto, não há nada mais a acrescentar.
Creio que eu estou bancando bem o defensivo, mesmo que a contra gosto. Para onde ela levará a conversa?
— Céus… — apoia a mão no rosto decepcionada — tu precisas viver uns dois mil anos antes de tentares mentir para mim.
No fim, eu realmente não sou bom em mentir. Porém, ela no máximo será capaz de ver apenas uma destas camadas.
— Eu disse apenas a verdade.
— Será mesmo? As tuas falas aparentam estar demasiadas forçadas. Não consigo relacionar o conteúdo do que dizes com teu comportamento não verbal. É um pouco absurdo até para mim, no entanto, diga-me. Tu estás apenas seguindo um texto pronto que decoraste?
Ela percebeu todo o meu ensaio mental? Como isto é possível? Não posso subestimar essa garota. Deste modo, ela não só descobrirá que sou um jogador, como que eu próprio arquitetei esta conversa.