Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 57
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- Capítulo 57 - Ailiss von Feuerstein mais uma vez o repreende.
15h44
Pelas visões que tive durante o almoço, pude de certa forma visualizar os cenários nos quais eu encontrei-me com a tal garota. Após refletir por algum tempo, consegui perceber de relance um estranho fundo em meio a algumas de nossas conversas.
Como não me recordo de maneira alguma de qualquer local dentro da escola com aquele aspecto de depósito, creio que se trata de um local que caiu em desuso pela escola e foi abandonado. Ou seja, basicamente um esconderijo ideal para ela. Porém, onde ficaria um local desses?
Caminho de um lado para outro pela escola, na esperança de que algum gatilho mental me faça perceber onde ela poderia estar. Todavia, tudo parece em ordem, não há sinal de um local próximo daquele depósito de minhas premonições.
Finalmente, após tanta procura, como uma recompensa pelo meu esforço, avisto longos cabelos louros balançando ao vento enquanto uma figura misteriosa move-se sorrateiramente em direção ao gramado da escola.
Fixo meu olhar com atenção, e assustadoramente ela está igualzinha a minha suposta premonição. Apenas alguns detalhes destoam da maioria dos flashes, como o fato de estar usando calças de um uniforme masculino.
Porém, o que mais me intriga é esta bolsa que ela carrega, parece ser maior do que uma mochila padrão para um colegial. Traz-me certo incômodo, pois claramente coisa boa não deve ser.
Penso em segui-la para poder iniciar uma conversa com ela. No entanto, quando me aproximo um pouco, ela para bruscamente e começa fitar a sua volta.
Nada bom. Isto pode ser bastante perigoso.
Instintivamente minhas pernas congelam e desisto de ir atrás dela.
Em seguida, recuo alguns passos e tento ocultar a minha presença.
Será que ela percebeu que pretendia segui-la? Não pode ser, isto é impossível, pois ainda estou bem distante dela.
Infelizmente algo me diz que não posso prosseguir a partir deste ponto, logo perderei o seu rastro.
Então sou surpreendido por mais uma série de informações jorradas em minha mente.
Dentre elas, visualizo uma cena na qual discuto com a garota numa das extremidades do pátio da escola. Aparentemente ela escondeu algum pertence embaixo de uma lajota solta e este desapareceu.
A julgar pela direção em que ela se movia, é muito provável que esteja indo em rumo a este local em questão. Será que eu devo ir até lá numa tentativa de concretizar esta profecia e com isso iniciar uma conversa com ela?
Não é muito difícil ligar os pontos, é quase como se alguém estivesse me guiando até lá, porém a minha intuição diz que o melhor a se fazer por hora é esperar. Sinto que estarei me metendo num perigo sem tamanho ao segui-la explicitamente.
E mesmo sem nenhuma evidência concreta, acho que acreditar nestas premonições é o melhor a se fazer. Porém, posso estar sendo guiado muito bem para uma enrascada.
Sento-me em um banco do pátio e espero por alguns minutos. Após um tempo razoável ter se passado, caminho pelo gramado e vou até o local da minha previsão.
Chegando lá, constato que a garota já deixou o local e então me dirijo até a lajota em questão.
Tudo bem. Não há nem sinal dela, acho que estou seguro. Será que o que ela carregava dentro daquela bolsa está escondido aqui?
Levanto-a lentamente e então observo um objeto inusitado.
Uma metralhadora.
16h02
Mas que droga é esta? Uma metralhadora? O que uma garota colegial estaria fazendo com isto? Bem, mais uma vez repito o argumento. Julgando tudo que aconteceu até agora, nada mais me surpreende.
De qualquer forma, se a minha teoria estiver correta eu terei que abordá-la inevitavelmente porque o futuro já está escrito e tive acesso a ele. A única coisa que posso fazer é tentar escolher a maneira mais sutil de abordá-la.
Mas primeiramente preciso decidir o que fazer com esta arma. Pois se eu tomo a hipótese que as minhas previsões necessitam se concretizar, já tenho como premissa que esta arma desaparecerá em algum momento.
Sabendo disto, se eu deixá-la aqui, alguém acabará a roubando. Isto pode levar alguns dias ou acontecer daqui a pouco, enquanto eu tento contatar Ailiss. Desta maneira, acredito que o melhor a se fazer é “furtar” eu mesmo.
Exato, irei reconstruir uma cena idêntica àquela que eu previ. E posteriormente a cena da minha premonição, eu posso devolvê-la de qualquer forma.
Além do mais, como a garota em questão não aparenta ser das mais amigáveis, ter a posse disto comigo é uma boa forma de balancear o jogo com ela.
Assim decido esconder a metralhadora de Ailiss em algum lugar. Então enrolo a arma no meu casaco do uniforme escolar e vou até o bloco mais próximo.
Mesmo com a arma enrolada, acredito que passarei uma imagem suspeita carregando isso. Desta forma, acelero o passo e tomo os trajetos menos prováveis de me esbarrar com alguém no caminho de volta.
Aproximo-me de um dos blocos, olho aos arredores para certificar-me que não fui seguido e entro sigilosamente.
Após poucos minutos de procura, elejo um local para esconder o objeto. Dobro para o corredor no qual havia alguns armários de produto de limpeza. Abro um dos armários e deixo a metralhadora oculta atrás de algumas vassouras e panos utilizados pelos funcionários.
Imagino que ninguém irá mexer por aqui, até porque os funcionários foram os primeiros a desaparecer, mas não custa nada deixá-la a mais camuflada possível.
Em seguida, quando penso dirigir-me a saída do bloco sou surpreendido por uma voz ressoando atrás de mim.
— Johann-san?
Um frio sobe por toda a minha espinha de forma que eu preciso me conter para não transparecer o susto que acabo de receber.
Porcaria. Será que ele viu que eu estava com a metralhadora?
Viro-me lentamente e percebo que se trata de Haruki.
— O que está fazendo aqui? — pergunta.
Ele não me viu mexendo nos armários? Por hora, acho que vou assumir que não.
— Estou apenas passando um tempo sozinho. Quando finalmente consegui despistar aqueles três, decidi me esconder por aqui. E você? Por que está aqui?
Espero que o meu nervosismo não me entregue.
— Sabe como é, apesar de nada demais ter acontecido… a Kaichou nos ordenou a fazer ronda pela escola apenas por garantia.
— Compreendo. Ela realmente é bem perfeccionista neste aspecto.
Agora, aproveitando de que me encontrei com Haruki, posso tentar adiantar alguma informação sobre a presidente.
— Ah sim, ainda mais quando há a vida de tanta gente envolvida. Nós como conselho estudantil devemos cumprir o papel de controlar os ânimos do pessoal — Ele responde sorridente.
— A propósito, Haruki. Eu gostaria de discutir sobre um assunto com a presidente. Sabe dizer qual é o melhor horário para contatá-la?
O seu sorriso desaparece gradualmente do rosto.
— Bem, ela anda bastante ocupada e acredito que seria um pouco difícil falar diretamente com ela. Não quer que eu repasse algum recado?
— Não, obrigado. Não é algo tão urgente assim — dou as costas e despeço-me.
17h01
Após conseguir me livrar de alguma possível suspeita de Haruki, sigo a minha intuição até um dos blocos mais antigos da escola. Afinal, pelas características que fui capaz de constatar, o esconderijo dela deve estar por aqui.
Vasculhando um pouco mais o bloco, descubro a existência de janelas próximas ao chão nas laterais do prédio. Essas janelas remetem a existência de um porão, o qual nem sabia existir.
Então procuro pela entrada do tal porão e em poucos minutos encontro uma porta antiga no térreo, a qual curiosamente apresenta sua fechadura quebrada. Isto só pode significar que alguém veio aqui antes de mim e arrombou a entrada.
Abro a porta e vejo uma escadaria que leva ao subsolo.
Chego ao fim das escadas e deparo-me com um ambiente que a princípio parece ser apenas um depósito normal, mesas antigas usadas nas salas de aulas, cadeiras enferrujadas e afins. Mas logo percebo um vulto adiante.
Está tudo uma completa bagunça ao meu redor, mas com certeza este é o local, tudo está batendo com as minhas previsões.
Naquele completo silêncio o barulho de vidro se quebrando ressoa.
Porcaria. Pisei em um pedaço de espelho no chão.
Não consigo nem terminar de sentenciar mentalmente as possíveis consequências do meu erro que já me deparo com um cano metálico próximo ao meu rosto.
— Espere! Não atire! — exclamo por reflexo.
— Me dê uma única razão — a garota replica sem apresentar emoções.
Ouvir a sua voz e ver o seu rosto tão próximo desencadeia-me o que eu acredito ser mais uma série de premonições. Entretanto, desta vez assemelha-se novamente a mais um déjà vu.
Meu cérebro começa a falhar com tantas emoções recebidas de uma só vez. É tanta informação sendo despejada que apago por um instante.
O que foi isso?
Quando dou por mim estou ajoelhado à sua frente e com a respiração completamente alterada. Este efeito foi ainda mais forte do que eu senti ontem na sala de aula. Agora tenho certeza de que isto não é um engano, este poder é real, eu definitivamente tive acesso a emoções e informações futuras.
— Em toda a minha vida, jamais presenciei alguém ter uma atitude tão patética em frente a uma arma. O quão medroso você é? — a garota pergunta esboçando ainda mais desprezo no seu olhar.
— Podemos conversar um pouco? Logo a explicarei esta minha reação involuntária — levanto o rosto.
— Não. Não podemos. Infelizmente você morrerá aqui — abaixa o cano da arma em direção ao meu rosto.
Devido a estes sentimentos introduzidos na minha mente, consigo de certa forma saber o padrão comportamental dela. É estranho, sinto como se já nos conhecêssemos há muito tempo.
De qualquer forma, preciso evitar que ela dispare, pois consequentemente nós dois morreremos no processo. O único jeito de fazer isso é abrir logo o jogo com ela.
— Eu não faria isso se fosse você. Caso dispare, terá o mesmo fim que eu, pois sou um jogador — respondo.
— É uma desculpa bem conveniente caso você não seja um. Como posso acreditar em você? Existe alguma prova do que está falando — pressiona a arma na minha cabeça.
Claramente não seria tão fácil convencê-la. Este padrão de resposta… tudo me é tão familiar. Acho que sei exatamente o que preciso dizer para convencê-la.
— Eu fui capaz de enxergar aquilo… Aquilo que ceifou o professor — percebo certa reação em seu olhar e então eu completo — Agora acredita em mim?
Nesta jogada é preciso assumir que ela seja uma jogadora para saber do que se trata, mas dada minhas suspeitas sobre ela, dificilmente ela não entenderia esta referência.
A garota, ainda sem retirar a arma da minha cara, suspira. Em seguida se afasta alguns passos e direciona vagarosamente a mira para a minha perna direita.
— Parece que você está falando a verdade sobre ser um jogador. Entretanto, isso pouco importa. Saiba que ser um jogador não te torna invulnerável a ataques os quais não levam a vítima a óbito.
Infelizmente não vim preparado para este tipo de resposta.
— Bem, agora você me pegou. Contra isso eu realmente não tenho nenhuma defesa. Então me resta apenas pedir para que não faça isso, Ailiss.
— Como você sabe o meu verdadeiro nome? Conhece-me de algum lugar? — arregala os olhos e mantém a mira firme.
A partir desta confusão que devo ter ocasionado, posso encontrar algum meio de trazê-la para o meu lado.
Todavia, há um problema maior nisso tudo. Como vou explicar a ela sobre esta habilidade que adquiri?
— É uma história longa e um pouco complicada de pôr em palavras, então peço que seja pacien- — sou interrompido em meio à fala.
— Não tenho tempo para histórias longas. Você tem dez segundos para se explicar.
Assim ficará ainda mais difícil dela aceitar tal justificativa.
— Resumidamente, sinto que já nos conhecemos, porém ao mesmo tempo acredito que isto ainda não aconteceu. É algo que só ocorreria no futuro, ou no caso, agora mesmo.
— Traduza claramente o que acabou de dizer — cerra os olhos e franze as sobrancelhas sem desviar o cano da arma.
Do que adiantou você me interromper? Eu sabia que era impossível de explanar o caso em poucas palavras. Agora terei que discorrer em mais detalhes mesmo assim.
— Para falar a verdade eu não sei ao certo o que está acontecendo, e muito menos que evento ocasionou tudo isso. Acredito que depois de entrar no jogo, eu tenha me tornado uma espécie de vidente. Pois alguns fragmentos de eventos futuros ressoam aleatoriamente em minha mente durante o dia. Dentre eles estava você, bem como este ambiente ao fundo.
— Prever o futuro? — ri levemente — Isto é uma piada? Nunca ouvi falar de que existisse este tipo de magia negra. O futuro em tese não pode ser premeditado nem mesmo por meio dela. Dê-me uma prova mais concreta do que você está afirmando.
Como imaginado, ela não cederia tão facilmente a uma explicação que apela tanto ao absurdo. Mas o que eu posso fazer?
O caso da metralhadora não deve servir como evidência, pois estaria expondo que a furtei e além de não me ajudar, provavelmente me deixaria numa situação ainda pior.
Neste caso, o que eu poderia usar? O nosso futuro encontro com a presidente? Também não… Ela provavelmente nem a conhece, ou seja, é uma informação irrelevante do seu ponto de vista. Necessito lembrar-me de outro ponto muito específico de que apenas ela deveria estar ciente.
Mas o quê? Não consigo pensar em nada além da metralhadora e do seu nome.
De repente uma palavra começa a ressoar na minha cabeça. Só pode ser isso.
— “Mistkerl”.