Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 44
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- Capítulo 44 - E assim, ele encontra o seu propósito. (2/3)
6º Dia
10h14
Acordo no dia seguinte com minha missão já em mente.
Tudo está muito claro para mim. A princípio resta-me apenas aguardar uma chance apropriada de atacar Takashi. Então pela manhã volto ao esconderijo para que Ailiss e eu possamos estabelecer com mais detalhes o procedimento.
— Você sabe como disparar? — pergunta Ailiss enquanto me entrega a sua arma com silenciador.
— Na verdade, sequer toquei numa arma de fogo antes. Entretanto, imagino que não tenha muito mistério e que seja bastante intuitivo. Basta destravar, mirar e puxar o gatilho. Correto?
Vejo uma expressão de insatisfação no seu rosto se formar.
— Não assuma que entende algo porque viu em filmes. Especialmente com esse seu preparo físico de merda — cutuca o meu braço — E não vá derrubar a arma com o recuo.
— Talvez seja mais fácil falar do que fazer. Há alguma recomendação que você acha relevante eu ter em mente?
— Dar alguma instrução teórica provavelmente mais o confundiria na hora do que ajudaria. Na verdade, eu gostaria de treiná-lo antes disso, mas dado o contexto… — suspira — Bem, como você pretende pegá-lo de surpresa pode não ser necessária grande habilidade de disparo. Basta que você o acerte e o mate com um único disparo, e como pretendo deixá-lo numa distância curta do alvo, falhas não serão admitidas.
Pego a arma, estendo meu braço para frente e experimento posicioná-la. Passo a tentar simular como seria meu disparo a Takashi.
Dentre as emoções que me vêm à mente não deixa de estar o medo, o medo de errar o disparo e estragar tudo. Em teoria não parece haver grandes indícios de falha, entretanto no momento do disparo acredito que estarei nervoso, logo minha mira não estará muito estável.
— Sua postura está toda errada, típico de um completo amador. Pelo visto seu desempenho será pior do que imaginei — diz irritada enquanto tenta ajustar meus braços e corpo.
Dê-me uma colher de chá, é a primeira vez que faço isso. Esperava que eu me tornasse um assassino frio como você logo ao tocar nesta arma?
— Que tal deste modo? Assim está melhor? — pergunto ao mesmo tempo em que simulo um disparo.
— Péssimo, para não dizer que está tão ruim quanto antes. Porém, não temos escolhas, acredito que no mínimo você consiga acertá-lo se não estiver se movendo. No pior dos casos terá que se aproximar e dar um tiro à queima roupa.
Conseguindo matá-lo estamos no lucro.
— Ei, mas tem algo que está me incomodando mais do que a sua postura errada. Você acha que vai mesmo conseguir ter coragem de disparar na hora? — Ela pergunta.
— Como pode ver, pela minha falta de experiência não posso garantir a correta trajetória do projétil. Porém, pode ter certeza que coragem é a última coisa que me falta.
Totalmente motivado e com esta arma em mãos, apenas aguardo o sinal de Keiko para dar continuidade a minha missão.
11h04
Não tive muito tempo para praticar o disparo, pois logo Keiko deu-me o aviso de que Takashi havia saído sozinho do conselho estudantil em direção aos atuais armazéns da escola. Ao que tudo indica, a presidente o encarregou de selecionar alguns utensílios necessários do depósito. Como é uma tarefa demorada, ela me garantiu que ele não terminaria sua tarefa antes do meio-dia, sendo assim a oportunidade perfeita para matá-lo surgiu.
Apesar dessa confirmação e de não ser um recinto movimentado, preciso também, como Ailiss recomendou, garantir que uma terceira pessoa não atrapalhe a operação. E já sei quem pode me auxiliar com isto.
Sigo para o pátio, onde posso encontrar Miyu e Manabu. Chegando ao recinto surpreendo-me com a presença de Shou.
Eles não estavam brigados? Com base na sua conduta durante o almoço de ontem, achei que ele tinha endoidado de vez e não pensei que fariam as pazes tão rápido. Se bem que do jeito que os três são avoados, não seria de se espantar que se esquecessem da própria briga da qual tiveram.
— O Shou voltou ao normal? — aproximo-me e pergunto.
— Ah sim, ele veio pedir desculpas à noite. Tudo já está resolvido entre nós — responde Miyu.
— Você também estava lá, sinto muito, Johann. Acho que não era o meu dia, estava surtando devido ao estresse deste confinamento — comenta Shou.
Realmente me surpreende ele ter revisto suas atitudes tão rápido.
— Certo, é até melhor que esteja aí, Shou. Tenho uma tarefa a cumprir e você pode servir de ajuda — falo.
— Ajuda? Você precisa de ajuda no quê? Talvez conselhos amorosos? Se for o caso, não se sinta retraído. Shimizu Shou, o grande mestre do amor, o auxiliará com todo o prazer — replica Shou.
— Apenas obedeça, provavelmente são ordens indiretas daquela sinistra garota estrangeira e acredite em mim quando digo que você não gostaria de vê-la irritada — comenta Manabu tremendo.
Ninguém aqui gostaria de testemunhar este filme de horror novamente.
— Aquela garota estrangeira?! O que aconteceu ontem? Vocês viraram escravos dela ou algo assim? Até onde eu saiba a legislação atual não permite isso — Shou pergunta apavorado.
Geralmente as reações do Shou são ridiculamente exageradas, entretanto, neste caso são bem reais. Os dois foram intimados a virarem escravos dela e o meu caso é ainda mais grave, pois estou oferecendo-lhe a minha própria vida, e o pior de tudo é que de certa forma “voluntário”.
— Preciso que vocês fiquem de guarda na entrada dos armazéns. Ailiss e eu vamos tentar abater o assassino, e então peço que não deixem ninguém entrar no recinto.
— Pode contar conosco! — diz Shou empolgado.
— Johann-kun, você não estará correndo perigo? Parece bem arriscado enfrentá-lo diretamente.
— Fique tranquila, lembra-se das minhas condições neste jogo? Possuo certa vantagem e ainda por cima tenho Ailiss ao meu lado, não há o que temer. Quem deveria estar preocupado é quem possui ela como inimiga.
— Realmente, neste ponto não posso deixar de concordar com você — Miyu ri — Mas tome cuidado de qualquer forma.
11h49
— Estou contando com vocês — falo.
— Missão dada é missão cumprida! Não vamos deixar ninguém entrar, né Manabu?! — responde Shou animado.
— Acho bom que vocês não fiquem parados na entrada do bloco. Em teoria não haveria o porquê vocês estarem neste local afastado, então isto pode chamar a atenção de alguém que por acaso passe próximo do local.
— Tem razão, talvez achem que se trate de uma resistência ao conselho. Vamos nos esconder próximos à entrada — diz Miyu.
— Vamos nos camuflar como verdadeiros ninjas — fala Manabu enquanto falha em subir numa árvore — Pode dar uma mãozinha, Shoucchi?
Este plano não é o ideal, mas a vigilância dos três já servirá como um bom quebra galho.
Com os três em guarda na entrada dos armazéns, Ailiss e eu adentramos cautelosamente no local. O lugar basicamente é uma construção de dois andares e de porte menor que os blocos nos quais constam as salas de aulas.
— Ei, espere um pouco, Mistkerl — Ailiss chama minha atenção — Escute.
Paro por um instante e me concentro na audição.
Posso ouvir um som abafado com uma frequência irregular de batidas. Pelo padrão eu poderia chutar que se trata de alguém martelando alguma coisa. Por que estaria reformando algo logo agora?
— Deve ser ele, vamos até lá conferir do que se trata — respondo sussurrando.
— Sim, entretanto como possuo mais experiência deixe-me ir à frente. Até lá você cuida da minha retaguarda. Assim que eu o localizar, trocamos as posições.
É uma boa sugestão, sinto-me mais seguro a seguindo.
— Tudo bem, basta dar-me o sinal com as mãos que eu me preparo para disparar.
Ela esquiva a cabeça, mas assente.
Eu disse algo que não devia? Em todo caso, se eu disse deve ter sido de pouca importância para ela não ter reclamado.
Então seguimos sorrateiramente até a fonte de ruídos, cujos possivelmente advém de Takashi. O ruído das prováveis marteladas vem do andar de cima, logo subimos degrau a degrau vagarosamente e com a máxima cautela para não cairmos em uma possível emboscada.
Chegamos ao segundo piso e o som fica ainda mais intenso. O andar consta apenas de um corredor, com algumas caixas espalhadas e com seis salas destinadas ao armazenamento de materiais e documentos escolares. No corredor podemos observar que algumas portas estão abertas e no seu final há outra escadaria similar a esta que também leva ao térreo.
Ela anda em silêncio pelo corredor parando próxima de cada sala e conferindo se não há ninguém escondido preparando um contra-ataque. Isto feito, ela segue para a sala de onde vem o barulho. Mas ao chegar próxima da porta para de modo abrupto, e então recua alguns passos.
Provavelmente deve tê-lo avistado.
Dá um sinal com a mão para que eu também avance até onde ela está. Ao chegar próximo dela, agacho-me e aguardo em silêncio por suas novas instruções.
Ailiss vira-se para mim, no entanto evita contato visual. Segura firme a arma por alguns segundos e então decide quebrar o silêncio.
— Ele está à próxima esquerda, avance com cuidado. E não se assuste com o que verá — sussurra e me entrega a sua arma.
O que aconteceu? Ela não parece estar muito bem. Talvez esteja incomodada com o que acabou de ver? Bem, não me vem nada à cabeça do que poderia abalá-la, em especial por se tratar de alguém tão dura e fria como ela.
Assinto ao seu pedido. Logo, com a arma em mãos encosto-me à parede e me aproximo mais dele. Sigo lentamente pelo corredor até onde seja possível o manter dentro do alcance da minha visão.
Basta puxar o gatilho, todavia a cena abrupta me choca e perco a concentração. Não são marteladas, finalmente entendo o que são aquele padrão de batidas. Ele porta um taco de baseball e também apresenta a mesma faca que pensei ter visto há alguns dias, quando ele me seguiu, em mãos.
No momento está lesionando alguns estudantes amarrados com fortes pancadas por todo corpo.
Não preciso pensar muito para ligar os pontos, eles provavelmente não são quaisquer estudantes… lembro-me de tê-los visto protestando contra Mikoto nas últimas assembleias.
Então é aqui onde vão parar os estudantes que se rebelam contra o conselho estudantil? Aparentemente ele não é apenas o assassino, mas da mesma forma um completo sádico que tortura seus adversários políticos.
Os estudantes não conseguem emitir gritos, nem quando espancados. Estão com fitas coladas em suas bocas de tal forma que não podem ser ouvidos. Este local mais afastado serviu perfeitamente para ele aproveitar-se da criação de uma sala de tortura.