Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 24
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- Capítulo 24 - Enfim, ele não conseguiu o final que desejava. (1/2)
Ailiss persiste a nos encarar como um leão diante de suas presas.
— Não faz o seu gosto musical? Achei que não teria outra oportunidade de colocá-las nos alto-falantes da escola, visto que em breve a escola retomará o seu funcionamento normal — comento.
— Chega de papo furado. Então, quantos “soldados” trouxeram para que eu mate hoje?
— Por hora, terá que se contentar apenas conosco. Entretanto, já adianto-lhe que não matará ninguém mais — respondo.
— Não matarei? E quem vai impedir? Vocês? — fecha os olhos e ri — Todas as outras vezes em que declararam isto, falharam. Se é que posso considerar performances tão miseráveis como falhas. Preciso ainda lembrá-los das lamentáveis manifestações de guerra feitas a mim?
Infelizmente não precisa. Isto é algo que me preocupa, porém este padrão de antecipações dela necessita ser quebrado inevitavelmente hoje. Como retemos a informação mais do que das outras vezes, acredito que não deve ter chegado aos ouvidos dela através de um espião ou por meios que não transcendam a física.
— Não precisa, sabemos muito bem do que você é capaz.
— Estou muito desapontada com a imprudência dos dois. Que tipo de diversão vocês poderiam me proporcionar? Estão numa desvantagem tremenda — levanta-se e exibe suas armas — Acho que realmente superestimei demais a capacidade dos dois, sabendo do seu histórico de fracassos deveriam ter se preparado melhor, não que fosse mudar o resultado de qualquer jeito.
— Tu estás sendo muito simplista, não significa que tu estejas em vantagem apenas por portar uma ou duas armas de fogo. Trata-se de dois jogadores contra um, e aparentemente não tens ninguém para servir de sacrifício ao teu lado. No máximo tu conseguirias matar um de nós, mas obviamente pagando a vida por isso. A mecânica deste jogo sempre deixou implícita a desvantagem de trabalhar sozinha — Mikoto se manifesta.
— Eu já falei que este jogo está modificado, eu poderei sair viva daqui mesmo matando vocês dois — Ela responde.
— Ora, está na tua cara que tu estás blefando. Não há como possivelmente adulterar uma técnica de magia negra milenar como esta. Tu realmente queres que eu acredite numa mentira tão deslavada assim? Se fores mentir, ao menos invente algo verossímil.
— Se não acredita em minhas palavras, verá que estou certa no momento em que eu matar o seu amado e nada acontecer comigo. Não preciso convencê-la de nada, o tempo por si só a fará constatar aquilo que digo. Aliás, chega de conversa, irei mostrá-la isto agora mesmo — libera a trava da arma.
Ailiss continua insistindo nessa tese. Espero que realmente ela esteja apenas tentando prolongar o blefe. Mas se depois de tudo, ela estiver falando a verdade, estamos entrando em uma grande enrascada.
— Infelizmente isto não irá acontecer. Façamos o seguinte, para compensar a nossa grande vantagem à tua frente, Johann e eu usaremos isto em nosso confronto — Mikoto retira duas faixas de tecido preto do bolso do seu casaco.
Pego uma delas e, assim como Mikoto, vendo os meus olhos.
— Isto só pode ser uma piada. Estão tirando uma com a minha cara? Sem vendas já não têm chances contra mim, agora muito menos. O cérebro de vocês aparentemente fritou ao perceberem que não há meios de me derrotarem?
— Daremos a ti cinco segundos para render-te. Larga as tuas armas e não iremos te machucar — Mikoto continua falando enquanto dirige-se até as proximidades das janelas.
— Hahahaha — ri e em seguida responde friamente — Os nossos papéis estão trocados dentro da sua cabeça? Venham tirá-las de mim, se acreditam que são capazes disso.
Mikoto então puxa com toda a força as cortinas que cobriam as pequenas janelas no topo do porão. E bruscamente um forte clarão, que consigo perceber mesmo estando vendado, ilumina o ambiente.
— Que merda de luz é esta? — resmunga Ailiss.
A partir daqui o nosso plano entra em ação. Durante a nossa luta de ontem, percebi que ela visualmente conseguia prever todos os movimentos corporais de seus adversários como se literalmente pudesse ver alguns segundos no futuro. A única forma de derrotá-la é inibindo isso.
Miyu e Manabu deslocaram as luminárias para que fosse possível iluminar por estas pequenas janelas. Colocamos Ailiss no local exato para que isso funcionasse. E agora está na hora de Haruki agir.
As luzes do porão apagam-se juntamente ao clarão. Então, Mikoto e eu retiramos as vendas e, ao contrário de Ailiss, conseguimos enxergar razoavelmente bem na escuridão por estarmos com as pupilas dilatadas.
— Então era isso?! Sinto em decepcioná-los, mas posso lutar sem enxergar! Vocês são muito ingênuos, não depender da visão é um pré-requisito para ser um assassino, já estive por muitas vezes em situações análogas a esta — exclama Ailiss.
— Aparentemente quem é ingênua és tu, não cantes vitória antes da hora. Conheço plenamente tuas habilidades de batalha, sei que mesmo nas piores condições não poderíamos derrotá-la. Todavia, quantos adversários tu és capaz de enfrentar neste estado? — replica Mikoto.
Quando Mikoto termina de falar, Manabu, Haruki e os demais estudantes sobre o comando de Natsuki, os quais já haviam invadido o porão previamente, saltam em sincronia de trás das estantes e agora juntamente comigo partem para cima de Ailiss.
Se a nossa aposta de que ela está blefando estiver correta, ela a princípio não pode disparar, pois há um risco considerável de acertar em mim ou na Mikoto, e assim será obrigada a lutar exclusivamente com os punhos.
Avançamos de todas as direções, porém, apenas com a audição, ela é capaz de esquivar majestosamente de múltiplos socos e chutes.
Realmente, suas habilidades de batalha não podem ser subestimadas nem um pouco. O título de assassina profissional notoriamente não é atoa.
Não consigo acertá-la nem uma única vez. Acho que, mesmo sem a visão, a única que conseguiria igualar-se a ela é a Mikoto. Porém, não quero recorrer a colocá-la em perigo mais uma vez. Mas com isso pude corroborar com a minha tese, ela está restringindo as armas… ou seja, tudo não passava de um blefe.
Manabu pega impulso correndo em direção a ela com a intenção de acertar uma voadora. Então a diferença entre um otaku sedentário e uma assassina profissional é exibida, Ailiss se esquiva para o lado e agarra as pernas de Manabu contra o próprio corpo. Em seguida gira no próprio eixo arremessando-o em direção aos demais adversários.
Com este lançamento humano em alta velocidade, ela consegue derrubar uma quantidade considerável do nosso batalhão.
Entretanto, o ataque de Manabu não foi em vão.
Aproveitamos que ela está de guarda baixa, para que Haruki salte e tente golpeá-la com os dois braços unidos como um machado. Desta vez ela não tem tempo para esquivar, de tal forma que precisa segurar o golpe de Haruki, e posteriormente chutá-lo na barriga.
Sinto muito, Manabu, Haruki. Fazê-los passar por isto mais uma vez, sendo que nem ao menos se recuperaram adequadamente de ontem. Todavia, farei seus esforços em deixarem as mãos dela ocupadas valerem a pena.
Nosso ataque seria um fracasso se eu não tivesse ocultado os sons dos meus passos em meio aos outros e me aproximado a ponto de conseguir acertar um soco, não nela, mas no cano de sua arma.
O torque proveniente do meu golpe faz com que o revólver escape de sua mão e caia no chão. Em seguida o chuto para uma direção aleatória numa tentativa de afastá-la de uma das armas.
— Como você ousa encostar na minha arma? — pontapeia a parte traseira do meu joelho.
Devido ao seu golpe, eu tombo e caio aos seus pés. No entanto, já cumpri a minha parte do plano, de modo que estamos com a vitória praticamente garantida. Seu ponto fraco foi justamente a sua prepotência.
— Acabou. Nós vencemos. Agora tu não tens mais para onde fugir, estamos em maior número e também possuímos uma das tuas armas de fogo, tu não possuis mais nenhuma vantagem sobre nós — diz Mikoto pegando a arma do chão.
— Não teria tanta certeza, pois ainda possuo minha metralhadora em mãos. Confesso que poderia até parabenizá-los por conseguirem me desarmar, no entanto demoraram demais. Pois agora meus olhos já estão acostumados à escuridão. Então parece que o plano meio a boca de vocês também não tem mais utilidade alguma — responde Ailiss.
Conhecendo a figura em questão, sei que não desistirá tão facilmente. Mesmo assim, um aperto no peito faz com que eu tente por uma última vez persuadi-la na esperança de que isto tenha um desfecho diferente.
— Ailiss, por favor, renda-se. Talvez possamos achar algum jei- — levanto-me e tento dialogar com ela, mas sou interrompido por um forte soco na barriga.
— Halt die Klappe! Du ruinierst immer alles! Mistkerl! — Ela grita insultos em alemão e golpeia-me mais uma vez no rosto derrubando-me novamente.
Era pra isso doer muito mais, no entanto algo tirou a minha concentração da dor física. Vislumbro uma imagem a qual não pode ser condizente com a realidade.
Será que estou vendo coisas? É um contrassenso. O impacto do soco fez-me delirar?
— Não vou dizer pela terceira vez — cerra os olhos — Apenas mais um deslize teu e sofrerás as consequências. Larga tua arma e para de resistir — alerta Mikoto.
— E o que você pode fazer contra mim? Sua vida é preciosa demais para disparar, não é, senhora presidente? Se não valorizasse tanto a si mesma, ninguém estaria aqui para começo de conversa — replica Ailiss.
Que amargura é esta que estou sentindo? Ela é definitivamente minha inimiga, ela está tentando matar a todos nós, inclusive a Mikoto. Porém dói-me tanto saber que não consegui salvá-la.
— Tu foste precipitada a concluíres isso. Quem falou que seria eu a disparar? — Mikoto dá dois passos para o lado e entrega a arma para Natsuki que até então estava escondida atrás dela — Não prever isto foi o que te levaste à derrota.
Ailiss ao ver Natsuki chorando com uma expressão de raiva e com a mira em sua direção tenta acertá-la primeiro com a metralhadora. Todavia, é tarde demais.
— DESGRAÇADA! MORRA! — como aquela arma possui silenciador, estes berros cumprem o papel do estrondo.
O projétil corta o ambiente num instante e atravessa o peito de Ailiss antes que ela pudesse esboçar qualquer contra-ataque.
Por alguns segundos ela fica paralisada olhando para o furo em seu tórax.
Ela mal poderia conceber que a causadora da sua morte seria a pequena, frágil e desequilibrada Natsuki. Apenas quando o líquido vermelho começa a fluir, tingindo seu uniforme, que a feroz assassina despenca de joelhos.
Ela vira-se para mim e então tomba o torso ao chão.
Vê-la baleada faz com que apenas uma mensagem interna ressoe em minha mente: Eu falhei.
Por que estou pensando isso?
“Falhei, falhei de novo. De novo?”
Por impulso eu levanto-me e corro até o seu corpo caído. Sento-me ao seu lado no chão empoeirado, viro o seu corpo para cima, expondo o seu grave ferimento e ergo seu rosto em meu colo.
Então pela última vez observo seus olhos vermelhos se fechando.
À medida que a vejo despedindo-se do mundo, mais sufocante esta estranha sensação fica. É como se uma parte de mim estivesse morrendo juntamente a ela. Alguma ligação entre nós faz com que um pedaço da minha alma esteja sendo levada pela morte.
Como é possível que tenhamos este tipo de ligação? Ainda não consigo crer que seja meramente manipulação mental, se fosse o caso o encanto deveria morrer junto com ela.
Analisando seu rosto e seus cílios, ainda no escuro, percebo que talvez eu não tenha visto coisas e isto apenas reforça o meu sentimentalismo.
Uma lágrima?
— Natsuki-chan! — Haruki corre até Natsuki.
Por estar com a mente ocupada com Ailiss, nem percebi o motivo do pavor de Haruki. Logo após o disparo, Natsuki também tombou, e agora está tossindo muito sangue. A partir disso percebo que as regras do jogo são todas válidas afinal.
— Eu consegui, eu vinguei a Keiko. Haruki-kun, eu consegui! — diz Natsuki tentando esboçar um sorriso de vitória enquanto prossegue tossindo sangue sistematicamente.
— Não diga mais nada! Guarde suas forças! Vamos tentar salvá-la de alguma forma! — Haruki tenta ajudá-la.
Mas não há nada a ser feito. Logo ela tomba de vez. Inevitavelmente terá o mesmo fim trágico de Ailiss.
Haruki foi o único a não ficar sabendo de antemão deste desfecho. Possivelmente seria contrário ao sacrifício de mais uma amiga, mesmo que esta tenha se voluntariado espontaneamente.
— Alguém a ajude! — Ele prossegue gritando — Por que você foi fazer isso, Natsuki-chan?!
Os demais estudantes que estão ao nosso lado deslocam-se até lá numa vã tentativa de salvá-la, mas eu nem ao menos cogito sobre o pedido de ajuda dele. Não apenas por não ter muito apego a garota em questão, mas porque estranhamente tenho emoções tão fortes por esta garota em meus braços que há alguns segundos era minha inimiga.