Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 113
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- Capítulo 113 - Melancolicamente, Ailiss von Feuerstein… (1/2)
O tempo que parecia estar congelado volta a fluir e de forma arrasadora puxa-me mais uma vez para encarar esta terrível realidade.
— Sangue? — Ailiss a encara surpresa — Isto poderia ser…
— Sim, não há outra explicação, senão o decaimento… — completa Mikoto fitando a sua própria palma.
Meus temores se concretizaram, de alguma forma ou de outra isso acabou atingindo um dos jogadores. Mas o que esperar disto? Será possível que na próxima iteração os danos que ela sofreu sejam regenerados?
— Há quanto tempo você sabia disso? — pergunto.
— Comecei sentir-me estranha há algumas repetições, mas não quis preocupá-los com algo que nem havia certeza do que se tratava.
Não, isto não é um simples dano físico como o de um projétil ou de uma lâmina. Mesmo que ela seja curada, novos sintomas mais graves aparecerão de forma gradual.
— Deveria ter nos falado imediatamente! — responde Ailiss.
— Sinto muito, tu és uma boa companheira, Ailiss — um sorriso amargo se forma no seu rosto — No vosso lugar também exigiria que me contassem qualquer coisa que vos incomodasse. No fim, minha tentativa era de não preocupar-vos, mas agora deixei a situação ainda pior — desvia o olhar — Ou quem sabe eu estava tentando iludir a mim mesma pensando que isto poderia ser um mero delírio da minha cabeça.
— Não se desanime ainda, vamos fazer alguma coisa a respeito — a outra abaixa a cabeça.
Apesar da fala inexpressiva de Ailiss, posso sentir o quão desesperada ela está internamente em relação a Mikoto. Sei disso, pois também estou.
É irônico pensar que numa situação delicada destas, as duas garotas que não pareciam ter sentimento algum estão apoiando uma à outra, enquanto vejo-me numa completa impotência. Meu corpo todo apenas treme e começo a suar frio, não sei o que dizer e muito menos o que fazer para resolver ou simplesmente amenizar a situação.
Nem mesmo naquelas eternas repetições de insanidade me senti tão desamparado.
Sem condições de falar mais nada, devido ao pavor ocasionado por tal cena, deixo Mikoto aos cuidados de Ailiss e caminho quase cambaleando para fora da sala.
08h23
Caminho pelos corredores sem rumo, de um lado a outro, na tentativa pífia de pensar em alguma solução para este problema… infelizmente é provável que não exista nenhuma.
Mas mesmo estando ciente desta fatalidade, jamais poderia simplesmente desistir e esperar o decaimento nos consumir lentamente até a morte como ocorreu com Keiko e os outros estudantes que resistiram conosco até seus últimos momentos.
Apenas de pensar em Mikoto e Ailiss nesta situação, vê-las daquela forma em seu leito de morte, tenho meu coração esmagado, dilacerado, destruído, desintegrado.
Sequer pensar em vê-las sofrendo de novo causa uma sensação de milhares de lâminas cortando a minha carne vagarosamente. Em meio a tanta impotência vejo-me preso por uma pressão tão intensa quanto à atração de um buraco negro.
Ainda assim, mesmo diante do impossível, devo juntar todas as minhas forças. Preciso salvar as duas custe o que custar, elas são o único sentido para mim, elas são a única coisa que importa.
Elas são…
Deve existir algo que possa fazer por elas, eu preciso acreditar nisso. Mesmo que a realidade demonstre mais uma vez a sua natureza apática e não apresente soluções, eu devo continuar acreditando que há algo que eu possa fazer.
Ou do contrário só me restará a insanidade.
— Mistkerl — escuto Ailiss se aproximando de mim.
— Ailiss? — pauso e vejo seu olhar taciturno — O que houve? Como Mikoto está? — pergunto.
— Provavelmente está dormindo agora. Ela parou de tossir, arrumei algo para ela comer e então pedi para que ela repousasse para poupar energias.
Pelo seu olhar, pensei que a situação da Mikoto tivesse piorado. Que estranho… se ela realmente está bem, qual a razão desta carga emotiva tão melancólica?
Uma breve indagação passa pela minha cabeça.
E se elas estiverem escondendo algo? Mikoto acabou de fazer isso conosco, não seria de estranhar que desta vez estivessem jogando o mal estado de saúde dela para baixo dos panos. Talvez até mesmo por pedido da própria.
— Fez bem. Neste momento delicado, Ailiss, eu preciso que vocês cuidem uma da outra. Eu tentarei encontrar alguma forma de salvá-las, eu juro que não descansarei até vê-las em segurança mais uma vez — aproximo-me, forço um sorriso e toco seus ombros.
— Entendo. Pode contar comigo, irei cuidar dela. Você sabe que não precisa nem pedir isso, não é? — abaixa o olhar.
Mesmo com esta resposta, ainda há algo diferente em seu comportamento. Ela sempre foi mais direta. Não estou entendendo, está querendo me dizer algo nas entrelinhas? Querem evitar que eu me preocupe com isso?
— Ailiss, há algo de errado que você está hesitando em me contar?
— Eu por enquanto estou bem. A situação de Mikoto também não está tão grave — suspira, levanta o rosto e me encara — Na verdade, eu estou mais preocupada com você.
Como assim? O que poderia estar a preocupando?
— Do que está falando? Comigo? Eu não apresentei nenhum sintoma ainda. No momento, a nossa prioridade é o bem-estar de Mikoto, afinal ela foi a primeira a ser atingida por este mal. Em relação a nós, só devemos nos manter alertas para identificar quando os nossos sintomas irão aparecer.
— Até pode ser verdade, você não está com os sintomas do decaimento. Mas você está pálido como se fosse morrer a qualquer momento. Ao menos reparou nas suas palavras? — sorri amargamente — Salvar nós duas… você deveria se incluir nisso também.
Então é isto que está a incomodando?
É claro… trocando nossos papéis eu me sentiria da mesma forma. Jamais permitiria que ela fosse para o campo de batalha para me salvar, por me importar mais com a vida dela do que com a minha própria.
Ailiss… não posso sequer pôr em palavras o quanto eu a amo. Apesar disto sempre ter sido evidenciado por suas ações, é reconfortante ouvir que você também se preocupa comigo.
— De fato, também estou inserido nos meus planos, mas vocês duas são minha prioridade.
— Quer que as coisas acabem iguais àquelas intermináveis repetições? Esta foi a mentalidade que nós três tomamos, e não preciso falar quantas vezes essas atitudes nos deixaram apenas em amargura — pausa — Mais nada de autossacrifício, entendeu? É tudo ou nada.
Sinto muito, mas vê-la se importando comigo apenas me dá mais forças para querer salvá-las, mesmo que custe minha sanidade mental ou minha própria existência.
Então conto mais uma doce mentira.
— Você está certa. Vou levar isso em consideração — respondo e produzo outro sorriso.
Ela somente dá as costas deixando-me sem saber se acreditou em minhas palavras.
Eu gastei milênios de milênios preso neste looping tentando buscar uma forma de encerrá-lo. Sinceramente não acho que exista algo que ainda não tentei.
O que farei daqui em diante?
10h32
Não posso dizer que tudo isso me pegou de surpresa, pois um mau presságio já rondava a minha cabeça há bastante tempo. Entretanto, mesmo assim não posso deixar de me sentir exausto com a situação.
Entro na sala do conselho estudantil e vejo que Mikoto já está acordada. Ela serenamente vira o rosto para mim e me fita em silêncio.
— Conseguiu descansar um pouco? — aproximo-me dela e pergunto.
— Sim, acabei de acordar — sorri — Dormir no inverno é sempre bastante revigorante — espreguiça-se.
Quais eram mesmo os sintomas iniciais do decaimento? Se não me engano, começavam como um resfriado comum.
— Está sentindo dor em algum lugar? Febre? Enjoo? — inclino a cabeça e toco a sua testa com a minha.
— Acredite, estou bem melhor. Eu só precisava descansar um pouco — afasta-se. — Penso que em nós o avanço dos sintomas ocorrerá de uma forma muito mais lenta do que aconteceu com nossos colegas. Então não necessita te preocupar tanto, há bastante tempo para pensarmos em como solucionar este problema e além do mais, a Ailiss está aqui para cuidar de mim — responde Mikoto em tom sereno.
— Se você está dizendo…
Ao escutar a explicação de Mikoto sinto certo alívio, porém este se segue de uma agonia horripilante. Há um detalhe nas palavras dela que não havia me dado conta. O avanço dos sintomas será lento, isto por um lado é positivo, pois teremos mais tempo.
Mas caso falhemos, teremos a morte mais lenta e dolorosa que há de se imaginar. Não temos nem como fugir disso via suicídio, pois esta já é uma prática que adotamos para evitar sermos ceifados pela Morte no final do prazo e não há nenhum resultado.
E pior ainda.
O que será de nós se não morrermos nem mesmo pelos sintomas? Ficaremos agonizando em dor eternamente, continuaremos vivendo mesmo com nossos órgãos falhando de forma incessante… estaremos condenados a um sofrimento inacabável.
Isto é mais tenebroso do que eu poderia imaginar. É de fato a materialização do inferno.
Teriam nos dado a oportunidade de experienciar o paraíso apenas e exclusivamente para cairmos até o inferno de uma altura ainda maior? Nossos vínculos afetivos nunca estiveram tão conectados e deste modo tudo se torna ainda mais doloroso, pois ao mesmo tempo em que agonizo em minha própria degeneração física e espiritual, estarei ciente de que há alguns metros de mim elas estarão passando pelo mesmo inferno.
Aquelas entidades são nojentas… eles definitivamente não poderiam ter pensado em algo mais assombroso do que isso.
Se eu encontrá-los novamente irei estrangulá-los com todas as minhas forças!
— Ei, Johann. O que aconteceu? Tu ficaste com o olhar perdido e não respondias ao meu chamado — volto a mim com Mikoto me chacoalhando.
— Desculpe-me, me distraí. Focar demais em meus pensamentos e me desligar do mundo a minha volta é um mau hábito que acabei adquirindo durante as repetições.
— Tu chamas isso de mau hábito? Francamente… tu me deste um tremendo susto — suspira — E então, no que tu estavas tão focado agora?
Não é algo que posso falar com ela. Ainda mais por ela ser a primeira a estar sofrendo disso. Contudo, também seria estranho pensar que alguém tão esperta ainda não tenha ligado os pontos.
O que me resta a concluir que já está ciente e apenas prefere não comentar a respeito desta terrível fatalidade.
E eu também prefiro não comentar.
— Não me lembro.
— Esperas que eu acredite nisso? Se tu estavas tão focado, não poderias esquecer-te de algo importante de um instante para outro.
— Pois é, mas esquecer com facilidade desses assuntos é outro mau hábito que desenvolvi aqui.
Logicamente, seu olhar diz que não acreditou na minha pequena mentira. Porém, sabendo que não conseguirá avançar mais na conversa sem que também demonstre estar ciente deste trágico fim, ela abaixa o rosto e conclui.
— Tudo bem…
Despeço-me dela, saio da sala do conselho estudantil e então novamente me deparo com Ailiss, a qual está escorada na parede próxima a porta da sala.
— Estava ouvindo a conversa? — pergunto.
— E se eu estivesse? Mudará em algo?
Não é apenas Mikoto que é capaz de ler a minha mente. Após tanto tempo convivendo juntos, Ailiss também se tornou bastante sensitiva em relação a mim. Certamente viu por trás de todas as minhas inverdades.
— Provavelmente não — abaixo a cabeça.
— E então o que tentará fazer?
— Ainda não sei ao certo. Mas preciso que você acate o meu pedido de antes. É possível que eu precise me ausentar um pouco devido a investigação, então cuidem uma da outra — pauso, fecho os olhos e cerro os punhos com força — Por favor.
— Certo — suspira — apenas o peço que não surte como da última vez. Numa situação assim, precisaremos do apoio um do outro. Você precisa manter-se inteiro, pois Mikoto precisa de você… e eu também preciso.
Eu sei… como eu sei disso. Mas o que mais eu poderia fazer de diferente? Ah… se eu pudesse, com certeza aceitaria seu desejo sem hesitar. Todavia, só vejo um grande nevoeiro cobrindo o nosso futuro.
— Irei tentar — falo evitando encará-la nos olhos.
Mais uma vez, ambos estamos cientes da pouca veracidade das minhas palavras.
…
Não tenho ideias… não consigo elaborar nenhuma solução. Apenas caminho pelo pátio da escola totalmente perdido enquanto pressiono as palmas das minhas mãos contra a minha testa numa vã tentativa de fazer meu cérebro trabalhar mais rápido.
Aproximo-me do portão e vejo aquela aura obscura materializando-se à minha frente.
Maldita. Se não fosse por você… Já não bastam as manchas que você criou no passado daquelas duas, ainda precisou roubá-las mais ainda, levar o seu presente e futuro.
Quantas vezes eu tentei enfrentá-la? Já perdi as contas. E em todas às vezes acabei sendo ceifado do modo mais doloroso. Mesmo assim, nada mais me vem à mente além de tentar estraçalhar esta desgraçada com minhas próprias mãos.
Já faz bastante tempo que não sinto dor, talvez seja uma experiência que abra minha mente um pouco, além de uma boa forma de libertar-me da minha ira.
Minha raiva explode e num impulso corro em direção àquela assombrosa entidade. Salto e preparo um soco em sua direção.
O tempo congela e minha tentativa de golpeá-la se esvai. Vejo-me flutuando em um instante de tempo e sua foice aproximando-se vagarosamente em meio a esta dilatação temporal.
Por fim, sou ceifado e meu corpo apodrece lentamente pelo seu corte.
…
De praxe, vejo-me na sala de aula.
A mesma coisa de sempre… absolutamente não há como escapar daqui. Não adianta eu me irritar ou me entristecer, estamos condenados de qualquer forma.
Saio da sala de aula correndo e vou até o pátio.
Observo os arredores e por fim levanto o meu rosto ao céu.
— Onde vocês estão?! Digam-me! O que esperam que a gente faça?! Seus malditos! — desesperado, grito na expectativa que receba alguma resposta.
Nada.