Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 110
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- Capítulo 110 - Afetuosamente, Ailiss von Feuerstein e Yukihara Mikoto declaram… (2/2)
Por fim, jogamos mais uma vez a garrafa e esta novamente seleciona a pior opção de todas, ainda mais por eu não poder escolher “verdade”.
Droga, eu sou obrigado a acatar um desafio dela. Era só uma questão de tempo para que isto acontecesse, não havia como evitar tal cataclismo.
— Desafio. Por favor, tenha bom senso — falo ao ver o sorriso sádico no rosto de Mikoto.
Já estou nervoso antes de saber qual será a ação vergonhosa que eu terei de fazer.
— Por que estás tão tenso? Não será nada demais — caçoa — Meu desafio é que tu feches os olhos e não te mova até eu falar para abrir novamente.
Um pedido desses? Claramente o problema não está no desafio, mas no que esta garota irá aprontar enquanto eu estiver de olhos fechados. E Ailiss não é alguém muito empática para impedi-la de passar dos limites, diria que é até pior do que a outra na questão de misericórdia.
Suspiro e atendo ao seu pedido.
Escuto-a a levantar-se e percebo que ela está parada do meu lado.
O que ela está tramando? É um pouco agoniante ficar de olhos fechados quando sei das suas péssimas intenções.
Passado alguns segundos, de forma inusitada sinto algo suave tocando o meu rosto dos dois lados. Por reflexo, imediatamente abro os olhos e vejo que Mikoto e Ailiss estão beijando minhas bochechas.
O quê?! O que foi isso?
— Idiota. Não era para tu teres aberto os olhos ainda — reclama Mikoto beliscando a minha perna.
— Desculpe-me, foi automático — viro-me para a outra garota — Mas por que você a acompanhou, Ailiss?
Nunca pensei que elas fariam uma cena fofa dessas por livre e espontânea vontade. É cedo para eu julgar a atitude de Mikoto, pois ainda pode estar tramando algo, mas Ailiss… o que ela ganharia com isso visto que não faz parte do desafio?
— Mikoto me explicou que se eu apenas espancá-lo e nunca dá-lo nenhuma recompensa, com o tempo você passará a me odiar — replica seriamente.
Vejo a ironia descarada no sorriso da outra.
Então foi coisa sua… porém ainda me surpreende que Ailiss se importe com algo que certamente consideraria frívolo quando a conheci.
Mas como foi algo fofo no final das contas, não irei reclamar. Acredito que eu também saí ganhando com essa sua pequena peça.
— Verdade ou desafio? — pergunta Mikoto.
— Do que você está falando? Você nem rodou a garrafa.
— Responda-me. Tu abriste os olhos antes da hora, então a tua penalidade será repetir a rodada.
Ela tem razão… mesmo que tenha sido por reflexo, eu quebrei uma das regras do desafio. Provavelmente ela iria aprontar algo a mais neste meio tempo.
Contudo, agora eu tenho a vantagem de escolher “verdade”.
— Verdade.
— Por que nestas últimas iterações, tu parecias manter distância de nós duas? Não pode ter sido meramente pela questão de pessoas como o Tanaka-kun, pois mesmo depois que todos se foram tu persistias no mesmíssimo estranho comportamento.
Por quê? De fato eu fiz isso… e provavelmente a questão do Takashi só serviu de pretexto para as primeiras iterações. Acho que a culpa na verdade são dos meus demônios.
— Eu não sei… não consigo tratar isso de forma lógica. Talvez por causa dos horrores que cometi.
— Pensei que tu havias se resolvido em relação a isto após o festival. Não conseguiste aproximar-te novamente dos teus amigos?
— É diferente, eu me aproximei pensando que isto os faria bem e não por mim. Acho que por isso me privei de tudo, na esperança de algum momento o looping se encerrar e eu finalmente poder morrer. Infelizmente este dia parece que nunca chegará — abaixo a cabeça e cerro meus punhos.
— Por que tu nunca vieste falar conosco a respeito disso? Ailiss e eu poderíamos ajudá-lo de alguma forma. Tudo o que tu passaste de fato não pode ser apagado, mas são fantasmas que tu deves deixar para trás. Ou então, não viverás. Tu serás apenas um escravo do passado.
Ela está certa, eu sei disso. Ainda assim, é difícil não prender-se ao passado quando o nosso futuro sequer existe.
Aperto mais meus punhos de modo que sinto minhas unhas cravando em minha pele.
— Achei que fosse apenas uma pergunta… — suspiro — mas não adianta, não consigo me esquecer de que minhas mãos estão manchadas pelo vermelho. Estou coberto por uma camada de podridão que jamais poderá ser limpa — olhos para as duas e vejo meu reflexo em seus olhos — Eu sou um monstro. Eu não sou digno disso, não sou digno de estar com vocês…
— Nós duas carregamos as mesmas manchas que as tuas. Neste caso, ambas somos monstros da mesma forma. Matamos, utilizamos dos meios mais hediondos assim como tu fizeste. Se tu pretendes carregar estes pecados para sempre, o que te impede de carregá-los na nossa companhia? — as palavras de Mikoto seguem com sua serena voz.
— Não sei. Eu não sei… apenas sinto que não devo — desvio o olhar.
— Verdade ou desafio? — pergunta Ailiss.
De novo? Já não paguei a penalidade de não ter cumprido à risca o desafio de vocês?
— Ei, nós ainda não jogamos. Não é a minha vez.
— Responda — retruca em tom grosseiro.
Não tem jeito, não é mesmo?
— Verdade.
— Você só pode escolher desafio.
— Sinto muito, havia me esquecido da regra. Então, escolho desafio. Quantas flexões quer que eu faça? — forço um riso ainda cabisbaixo.
Ailiss me encara com seus fortes e encantadores olhos.
— Pare de trair a si mesmo. Não hesite por nem um pretexto àquilo que o faz querer viver.
Parcialmente hipnotizado ouço suas curtas palavras que me acertam em cheio. Todavia ainda assim só consigo me acuar, eu sou lamentável.
— Eu… não consigo… eu só não consigo… — encolho-me ainda mais.
— Se quebrar o seu desafio, terei de quebrar o meu também, perderá o seu passe livre de espancamentos. De qualquer forma, ser um fracote destes é um insulto a mim como sua comandante e mentora — pausa — Aliás, não foi você mesmo que me disse naquelas repetições para eu quebrar as correntes que me prendiam a minha vingança? Faça o mesmo com as suas.
Ailiss…? Deve ser difícil para alguém como ela formular palavras de apoio, todavia consigo sentir plenamente as suas intenções por trás de cada palavra. Ademais, ela rapidamente conseguiu expor toda a minha hipocrisia.
Por isso… obrigado.
Acho que gratidão é a única coisa que posso dar de volta a você, na verdade às duas. Cada uma, de sua forma, tentou me mostrar um pouco de luz em meio a este eterno túnel.
— Verdade ou desafio? — pergunta Mikoto novamente.
— A penalidade ainda não acabou? — pauso, levanto a cabeça e vejo as duas me encarando em silêncio — Verdade.
Ela então se aproxima de mim e me fita fixamente nos olhos.
— Johann, responda-me uma questão com sinceridade: tu nos amas?
Mas que raios de pergunta é essa?!
— Lógico. Isto nunca esteve óbvio para vocês? Amo mais do que qualquer coisa. Eu as amo mais do que tudo neste mundo. Por amá-las tanto que eu fiz tudo o que eu fiz, e mesmo sabendo que estes demônios me assombrariam eternamente, eu faria de novo porque vocês são o que há de mais precioso para mim…
— Tudo bem. Agora, uma segunda pergunta: vais continuar te privando da própria felicidade?
— Bem, Ailiss me proibiu disto — com cuidado, fito a garota assustadora ao meu lado.
Certamente não quero perder meu passe livre de espancamentos, logo irei obedecer às suas ordens.
— Então, agora eu me pergunto. Se tu nos amas e, em tese, não estás mais te autocondenando, qual será a tua desculpa? — aproxima ainda mais o rosto do meu.
— Desafio: não resista — sussurra Ailiss aproximando-se também.
Vocês planejaram tudo até aqui? Evidentemente fui derrotado, um xeque-mate imprevisível para mim.
Entendo as suas intenções. Vocês estavam realmente preocupadas comigo. Não há o porquê resistir às suas demonstrações de afeto.
Hipnotizado pelos seus aromas, fecho os meus olhos e instantes depois sinto os lábios delas tocando os meus pelas laterais. Num sentimento de total acolhimento, deixo-as continuar.
Um suspiro apaixonante toma conta do meu peito enquanto nossas línguas se tocam. As duas garotas por quem tanto lutei, os tesouros mais preciosos que encontrei nesta existência, agora estão aqui comigo.
Não estou mais sozinho. Minha alma que até então congelava perante o sopro do vazio vê-se finalmente acolhida pelo calor das duas. Com elas me protegendo, consigo finalmente distanciar-me dos demônios que assolam o nosso passado.
Mikoto pela esquerda e Ailiss pela direita se apoiam em meus ombros para ficarmos mais próximos. Aproveito e contorno meus braços pelas suas costas. E com seus lisos cabelos pretos e dourados escoando entre meus dedos, prossigo nesta valsa magnificente.
Meu coração começa a bater cada vez mais forte, é como se ele quisesse gritar ao mundo o quanto eu as amo. As línguas de Ailiss e Mikoto enrolam-se em torno da minha de modo que me sinto envolvido totalmente por uma aura libertadora.
É como se eu pudesse compartilhar meus pecados.
Vergonhosamente neste intenso beijo a três, não consigo segurar minhas lágrimas. Juntamente com o desmoronar desta camada encouraçada que isolava meu coração, minhas emoções negativas que estavam presas necessitam escapar de alguma forma. O alívio desta pressão se materializa na forma de lágrimas.
Provavelmente elas notaram o que está acontecendo, e por isso intensificam mais a força de contato entre nossos corpos numa tentativa de consolo.
De fato… com vocês duas, eu não preciso mais de nada que este mundo possa me oferecer.
Mikoto, Ailiss, eu as amo.
Na verdade, simplesmente dizer que as amo talvez seja errôneo, pois não há como eu resumir tudo o que sinto por vocês em uma única palavra, é algo que acredito que seja impossível de mensurar ou descrever.
Depois de alguns minutos, ambas se afastam.
Abro meus olhos e vejo que o olhar delas está um pouco diferente. Há algo além dos seus naturais olhos afiados e vorazes: preocupação.
— Tu podes confiar em nós, entendeu seu idiota teimoso? Estaremos sempre ao teu lado, porque também te amamos. Não precisas mais carregar este peso sozinho, os teus problemas também são meus problemas, o teu purgatório também é o meu — diz Mikoto enquanto encosta a mão no meu rosto — Começamos esta guerra contra o mundo juntos, e estaremos contigo até o fim.
— Em momentos de fraqueza, é meu dever cuidar do meu querido subordinado. Fique tranquilo, não faremos nada que você não queira. E lembre-se, mesmo que o mundo, ou até você mesmo, decida colocá-lo uma coroa de espinhos, não irei o abandonar — completa Ailiss.
Não consigo nem mesmo encontrar palavras para respondê-las adequadamente estando neste estado. Com isso somente fico paralisado fitando-as por alguns segundos.
— Obrigado. Acho que irei contar com vocês daqui em diante — enxugo meu choro.
Sinto-me tão leve que mal posso acreditar, sinto-me como aquele antigo titã tendo sua pena enfim cessada. O peso do universo parece ter desaparecido das minhas costas.
— E então? Deixar-nos-á ajudá-lo mais um pouco? — pega minha mão e coloca sobre seus seios.
Isto não está escalando muito rápido? Eu preciso de mais algum tempo para me recompor após este choro patético.
— Podemos pensar nisso outra hora? — respondo corando — Acho que eu quero mais um tempo para colocar a cabeça no lugar.
Mikoto suspira, em seguida Ailiss e ela se entreolham por um instante.
— Depois de tudo o que fizemos, pensei que poderíamos resolver isto tranquilamente. Vejo que estava enganada — Mikoto muda de expressão — Ailiss, agora!
De imediato, Ailiss agarra meu braço, em seguida gira para trás de mim e me imobiliza com um mata leão.
— Ei, o que você tá fazendo?! Me solta! — esperneio.
Por que estão fazendo isso de repente? O que está acontecendo aqui? Não consigo me mover.
— Fica tranquilo, não doerá nada. Pelos próximos minutos, tenta esquecer tudo isso que assola o teu coração. Ajudar-te-emos com isto — responde Mikoto.
— O quê?! E aquele papo de não fazer nada que eu não queira?!
— Ainda não aprendeu? Nós mentimos às vezes — sorri — E isto é o melhor para ti.
— Pare de se debater, Mistkerl. Resistir é inútil, colabore que talvez terminaremos mais rápido.