Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 11
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- Capítulo 11 - Por isso, Tanaka Takashi… (2/2)
13h43
Toda a atenção da escola está se focando em mim e a culpa é toda dela. Dois dias consecutivos sendo arrastado pela presidente do conselho foi o suficiente para colocarem uma recompensa pela minha cabeça. Por onde ando, estou sempre seguido de olhares hostis.
Estamos mais uma vez na sala do conselho estudantil, onde Yukihara-senpai está folheando alguns papéis, enquanto Takashi está parado como uma pedra a observando e esperando as próximas ordens.
Por que ela não leu isso antes? Ao invés de me importunar mais cedo, poderia ter resolvido isso.
— E então? Vamos direto ao tópico principal? Não temos o dia todo — pergunto incomodado.
— Ora, não precisas ser tão apressado, estou quase acabando — Yukihara-senpai replica, guarda os documentos e volta a falar — Muito bem, já recebi o relatório do Tanaka-kun. Então, gostaria que tu apresentasses também as suas impressões.
Pelo que eu entendi apenas o Takashi precisaria fazer este relatório.
— Garanto que não vi nada a mais do que ele. E se eu tivesse percebido algo, logo teria reportado para ele inserir no relatório.
— Não é isso. Quero ouvir a tua opinião e não uma mera descrição. Qual a tua opinião a respeito do Hasegawa-kun com o que viste na última noite?
— Acho difícil concluir qualquer coisa. Pode ter sido apenas uma grande coincidência que o assassino não deu as caras enquanto vigiávamos o Haruki — respondo.
— Tu pensas que o Hasegawa-kun percebeu a vossa presença? — Ela corta a minha linha de raciocínio.
— Não faço ideia. Não posso negar que é uma possibilidade. Mas ao mesmo tempo abre outras portas, pois quem pode ter notado a nossa presença não necessariamente pode ter sido o Haruki.
— É uma hipótese. O assassino já estava nos corredores e propositadamente decidiu não agir? Porém, também é uma coincidência em tanto, não achas?
— De fato. Mas a verdade é que nós não conseguimos descobrir nada relevante na última noite. Não podemos dar por encerrado este ponto?
— Não estou negando isso. Infelizmente precisaríamos repetir este experimento mais vezes para induzir alguma coisa, mas não temos este tempo — Yukihara explica enquanto levanta-se e caminha até a janela.
Por que está tão apressada? Alguma coisa está a preocupando? Algo que não me contou?
—Todavia, deixemos esta discussão técnica de lado e vamos supor que Haruki seja inocente. Isso implicaria em um aumento considerável na probabilidade do assassino não estar nos dormitórios masculinos — olhando para fora prossegue com sua fala.
Verdade. Se assumirmos Haruki como inocente, então a explicação mais natural seria de que o assassino pôde nos observar externamente. Como Manabu disse que ninguém saiu do nosso dormitório, e estávamos vigiando o de Haruki. Deste modo, ele só poderia ter saído dos dormitórios femininos.
Mas há um porém nisso tudo, os dormitórios femininos também estavam sendo vigiados por Natsuki e pela própria Yukihara-senpai.
— Vocês já cogitaram que o assassino possa ser uma garota? — pergunto.
— Hasegawa-kun persiste no topo da minha lista de suspeitos, mas as posições seguintes são sim garotas. Mais especificamente do dormitório sobre vigilância da Nakamura, imagino que para alguém da perspicácia do assassino em questão, não seria muito difícil driblá-la. Ela sem dúvidas é o membro mais frágil do nosso time.
Um presságio me pega de surpresa.
Será que ela está sendo vista como suspeita? Isso é um problema. Provavelmente Ailiss seja a segunda na lista de suspeitos da Yukihara-senpai. Afinal foi logo após a chegada dela que se deu início a toda essa sequência de eventos.
Estranhamente continuo me preocupando tanto com uma pessoa que a princípio só conversei uma vez na vida. Disto posso concluir que a anomalia continua me afetando intensamente.
— Johann, tu andas tão disperso. Por acaso algo está te incomodando? — de modo sagaz ela percebe minha reação.
Esta garota é o quê? Uma bruxa? Não consigo esconder nada da análise comportamental dela. O que me faz pensar que o assassino também precisa ser alguém anormal para conseguir enganá-la. Cada vez parece mais que sou uma peça imponente neste jogo.
— Não é nada, estou um pouco cansado. Somente isso — respondo enquanto desvio o olhar.
— Não te lembras do que te falei ontem nesta mesma sala? Tu não és capaz de mentir para mim — vira-se a minha direção e pergunta — Diga-me, tu pensaste numa possibilidade que te incomodou, não é? — cerra os olhos.
— Já disse que não! — elevo a voz ainda incomodado — Então poderia parar com o interrogatório?
Pensando bem, acho que sou eu que sou péssimo mentiroso mesmo. Conversar nunca foi uma prática muito recorrente para alguém como eu, logo estou numa desvantagem tremenda no quesito experiência. Talvez eu não deveria ter negligenciado tanto meu coeficiente emocional.
Takashi mais uma vez interrompe a nossa conversa no pior momento.
— Saiba que se você estiver escondendo algo da Yukihara-san, irei tratá-lo como um traidor e não terei a menor piedade.
Não que você já não me trate da forma mais desagradável que já presenciei por mera inveja da Yukihara-senpai estar se aproximando de mim. Logo não vejo que tenha grandes mudanças.
— Tanaka-kun, eu pensei que tu já tiveste compreendido que não deves te intrometer em minhas conversas. Neste momento, Johann continua sendo nosso convidado, portanto tu não podes agir de modo tão rude. Aliás, se ele não quiser falar, não é obrigado.
Ela mudou de posicionamento? Tão deliberadamente assim? De uma superiora cruel para alguém humanitária? Esta mentira está tão deslavada que até eu posso perceber.
O rapaz consente visualmente. Ele foi capaz de mudar de opinião em milésimos de segundos somente para entrar em concordância com a sua autoridade. Como alguém pode se rebaixar a tal ponto? Ele já deixou de pensar por si próprio.
Felizmente com esta interrupção ela parou de me pressionar e até ficou do meu lado. Caso ela citasse o nome da garota estrangeira, não conseguiria disfarçar de modo algum. Talvez no fundo eu saiba que ela é o ser mais duvidoso de toda escola, porém quero negar isso a todo custo. O porquê disso? Não faço ideia, meus pensamentos se confundem ao pensar nela. Noto que o mesmo vem a acontecer quando estou com a Yukihara-senpai.
Tudo ainda me parece um grande mistério. O que essas duas têm em comum além da beleza e da personalidade tóxica?
— Yukihara-senpai, fugindo um pouco do tema, poderia me dizer o que você pensa sobre déjà vu?
Seu rosto apresenta uma expressão de surpresa e em seguida ela responde.
— Confesso que não esperava uma pergunta deste gênero. Pois pelo teu rendimento escolar é algo que deverias saber muito bem. Trata-se de um fenômeno puramente material no qual o cérebro bagunça memórias recentes com antigas…
Basicamente ela deu a mesma resposta que eu daria. Talvez tudo isso só seja coisa da minha cabeça, dois eventos sobrenaturais não devem se manifestar no mesmo ponto e ao mesmo tempo. Seria coincidência demais.
— Todavia… não é nula que haja outra causa. De qualquer forma, isto não vem ao caso, podemos conversar sobre estas hipóteses num momento mais apropriado. Por enquanto vamos manter nosso foco na identidade do assassino — completa.
Noto que a voz dela tremula um pouco no final da frase, será que a impressão que tive da nossa primeira conversa pode ter atingido ela? Assim sendo, eu poderia recorrer a uma análise indutiva e extrapolar para a Ailiss.
Por que especificamente meu cérebro trava quando essas duas estão envolvidas? Seria porque talvez nós três sejamos jogadores? Eu torço para que não seja o caso, pois isso só reforçaria a culpa sobre Ailiss.
Bem, mas nada garante que o assassino precise ser um jogador.
14h02
— Yukihara-senpai, gostaria de ouvir mais alguma coisa de meu depoimento ou estou dispensado por hora? — pergunto.
— Não, isso era tudo. Podes ir, se assim desejares. Conforme eu necessite de tua presença, te envio um comunicado pelo Tanaka-kun.
Enfim, acho que vou para um lugar isolado por enquanto. O qual além de tranquilo, também dificulta o Takashi me achar para passar qualquer tarefa importuna como a de ontem à noite. Também preciso colocar minha cabeça no lugar a respeito da possibilidade de Ailiss estar envolvida nisso. Deveria ir atrás dela? Bem, nem sei por onde começar a procurá-la.
Levanto-me e ando em direção à saída da sala do conselho estudantil, entretanto sou interrompido por uma nova sentença da Yukihara-senpai.
— Porém, se quiseres também podes ficar por aqui e me fazer companhia pela tarde. O que achas? — comenta com deboche.
Ela vai persistir nisso? Takashi já deve estar concentrando todo o ódio do mundo em mim. Como ela espera que o nosso trabalho em equipe melhore com isso? Não duvido que ela acabe o convertendo no próprio assassino e eu acabe sendo a vítima.
Como imaginei, Takashi revirou os olhos ao ouvir a frase dela.
Por alguma razão estou começando a me importar menos com isso, quiçá acabe sendo divertido entrar no jogo dela para irritar o Takashi. Pois sinceramente, não acredito que possa ficar pior do que está, ele definitivamente já quer me assassinar. Pensando bem, ele se revoltar e me matar pode não ser uma ideia tão ruim, aí todo esse estresse acaba de uma vez. Oh, seria este o grande plano dela para encerrar o jogo?
— Honestamente eu preferia ir descansar um pouco após o almoço. Mas posso reconsiderar a sua proposta, Mikoto-senpai.
Ao ouvir chamá-la pelo primeiro nome, sorri levemente. E claro, Takashi está cada vez mais incomodado. Nota-se pelo cerrar de seus punhos que apenas é uma questão de tempo para entrar em erupção.
Talvez eu tenha exagerado um pouco ao chamá-la assim, deixei-me levar por não ter este costume enraizado em mim. De qualquer forma, foi uma boa forma de me cobrar dele.
— Pois bem, preciso tratar cordialmente meus convidados. Por que não nos serves um pouco de chá, Tanaka-kun? — vira-se para ele e pergunta.
Agora ela foi longe demais. Isso com certeza pode ser categorizado como bullying. Estou cada vez mais certo de que isso não tenha sido uma boa decisão da minha parte. Pois se eu der corda, ela irá exceder o bom senso na questão das provocações. A maldade desta garota não tem limites.
— Tudo bem. Preciso buscar mais chá na cozinha — replica virando-se de costas para esconder o rosto.
Todos os utensílios e ingredientes estão muito bem visíveis no canto da sala para mim. Ele não conseguiu elaborar nenhuma desculpa melhor para sair da sala? E assim o fez sem nem nos dar tempo de apontar o seu equívoco.
— Você é muito cruel. Realmente se diverte torturando psicologicamente seus subordinados? Não é algo que se espera no currículo de uma estudante exemplar como você — comento.
— Não sei do que estás a dizer. Sempre tratei muito bem os demais membros do conselho estudantil, acredito piamente que eles não possuem nada a que se queixar ao meu respeito — replica cinicamente.
O veneno desta garota é mortal, qualquer um que se envolva com alguém tão dissimulada está fadado a um sofrimento sistemático.
— Não finja que não saiba de como ele a vê. Até mesmo eu, que tenho dificuldade de sentir empatia ou me sensibilizar com os outros, consigo perceber isso claramente.
Mikoto escuta minhas considerações, fica por alguns segundos em silêncio e então volta a falar seriamente.
— Torturar psicologicamente, hein? A tortura em si pode até mesmo existir, todavia não é algo ativo ou aplicado, mas sim algo decorrente dele próprio. O fato de eu saber como ele se sente não deve limitar a minha interação com terceiros ou controlar o que eu posso ou não dizer. Pois se ele se machuca com isso, é problema único e exclusivamente dele, e porque é emocionalmente fraco.
Eu até concordo com o que ela diz, porém acho desnecessário ela forçar tais situações. Pois seus subordinados não aparentam estar ficando mais fortes ao serem condicionados a isso.
Ainda temo que eu possa ser pego pela teia dela e acabe sendo outro lacaio desta garota. Ou será que já estou preso e nem me toquei disso ainda?
— Se este seu lado nocivo fosse de conhecimento popular, provavelmente seria tão mal vista quanto eu. E no mínimo destituída do seu cargo.
— Discordo da tua alegação. A maior prova disto é a tua contradição performática, pois mesmo com nossos assuntos profissionais finalizados, tu decidiste passar o teu tempo livre comigo. Não é um indicativo de que sou um amor de pessoa?
A respeito da sua última pergunta, com certeza não. Mas admito que mais uma vez fui certeiramente contra-atacado por ela. Meu mau presságio cada vez mais demonstra ser uma fatalidade, já não tenho mais como escapar dela.
Nosso pequeno diálogo é cortado por um som de vidro se quebrando advindo do corredor.
Que barulho foi este?! Alguns estudantes começaram uma briga?!
Minha reação é automática, levanto-me e saio correndo em direção ao som. Ela vem logo atrás de mim.
Tento verificar sala por sala do bloco. No entanto, não estamos conseguindo identificar de qual corredor e andar veio o barulho.
— MEU DEUS!
Um grito reorienta a direção do possível transtorno. Virando mais um corredor vejo uma garota apavorada em frente a uma poça vermelha, na qual reside o corpo de um estudante.
O quê? Assim desta forma? Em plena luz do dia? Ele nem está mais ponderando o horário e local para assassinar alguém? E todo esse sangue? O que exatamente aconteceu aqui? Ele foi esfaqueado?
— Espera, Johann! — Mikoto-senpai diz ao mesmo tempo que chega ao corredor e se aproxima de mim.
Não sei bem a reação no rosto dela ao ver o corpo, porque mal pude desviar o olhar do rosto da vítima. É até difícil para o meu cérebro computar isso, como pode alguém que estava a poucos minutos conversando comigo estar neste estado horrendo agora?
Foi assassinado. Takashi está morto.