Entre Neve e Cinzas, As Memórias Daquele Amor Doentio Permanecem - Capítulo 108
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- Capítulo 108 - Constantemente, Yukihara Mikoto está tramando algo. (3/3)
18h54
O anoitecer traz consigo o frio, e o aquecedor da piscina não tem potência o suficiente para mantê-la quente durante uma noite de inverno tão rigorosa. Por conta disso, deixamos a piscina e nos dirigimos ao vestiário.
Isso foi… divertido? Sim, não me lembro de uma única vez em que ri tanto e de uma forma tão espontânea quanto durante as nossas guerras na neve e na piscina.
Agora consigo compreender muito bem esta sensação: alegria. Foi uma experiência tão eufórica que apesar de estar em circunstâncias em que racionalmente não veria o menor sentido, ainda gostaria que durasse um pouco mais.
Paro e fito as duas conversando e sorrindo enquanto caminham em direção ao vestiário feminino.
Será que elas sentem o mesmo? Na maior parte do tempo elas permanecem frias ou sérias. Seriam aquelas risadas uma forma genuína de felicidade?
Mas podemos nos permitir sentir isto mesmo carregando tantos pecados?
Elas notam a minha inquietude, viram-se para mim e me encaram por alguns segundos.
— O que foi? Por acaso tu queres tomar banho conosco? — comenta Mikoto com um sorriso irônico.
É… eu estava olhando fixamente para elas. Então claro que ela iria aproveitar as circunstâncias para me sacanear.
— Eu só ia perguntar se vocês trouxeram as toalhas — respondo envergonhado.
— Tuas reações realmente são impagáveis, Johann, já ganhei o dia — ri — Conferi antecipadamente isto, há toalhas limpas nos armários dos vestiários.
Claramente a minha desculpa não funcionou e com essa já foram quantas vezes ao dia? Acho que voltei a ser o brinquedinho dela.
Mikoto entra no vestiário e Ailiss continua parada do lado de fora me encarando.
— Algo de errado? — pergunto.
Será que ela ainda está irritada por causa da nossa guerra na piscina? Como ela estava rindo, achei que havia deixado o rancor de lado.
— O que você está esperando? Você não vem?
— Claro que não! — fico mais envergonhado.
O que ela está pensando?!
— Então diga logo, me fez ficar esperando à toa — Ailiss entra e bate a porta.
Ela realmente levou a sério a piada da Mikoto? Ou ela foi contagiada e começou a replicar o mesmo tipo de provocação? Ou quem sabe simplesmente não me vê como alguém relevante a ponto de se incomodar de estar no vestiário?
Infelizmente parece ser o terceiro caso mesmo.
Honestamente, apesar de tudo, eu ainda sou um garoto. Elas deveriam levar isso em conta.
Entro no vestiário, pego uma toalha do armário e me dirijo para um dos chuveiros. Antes de entrar no boxe, escuto algumas risadas vindas do vestiário feminino.
Pelo visto elas estão se divertindo bastante por lá. Durante as repetições quando nos mantivemos inconscientes, isto era algo impossível. Fico contente que tenham superado suas diferenças e agora se divirtam como amigas.
Suspiro, ignoro as risadas, fecho os olhos e me concentro para não imaginar o que estejam fazendo.
Abro o registro, deixo a água quente cair sobre minha cabeça, fecho os olhos e em tom melancólico as memórias infernais do período que estive preso no looping vem à tona. A sensação desoladora na qual me encontrei, a completa insanidade em que permaneci por séculos, tudo aquilo jamais desaparecerá da minha mente.
Acho que não há como livrar-me deste fardo, é um pecado que me acompanhará por toda a eternidade neste mundo de repetições. Toda a vez em que me vejo sozinho, estes meus demônios voltam para me assombrar.
O que garante que desta vez não será diferente?
Abro os olhos e por um instante vejo a coloração imunda da água que escorre sobre meu corpo.
O que é isso?!
Esfrego-me. Esfrego-me. Esfrego-me.
Em um tom de desespero, quanto mais eu tento me lavar, mais lamacenta torna-se a superfície da minha pele.
Fecho os olhos mais uma vez e quando os abro, percebo que não havia nenhum lodo.
Não há para onde eu fugir.
Não há onde eu me esconder.
O rosto de todos aqueles a quem gerei tanto sofrimento estão sempre em total vigilância. Amaldiçoarão-me até o momento de minha morte, como estou preso à vida dentro deste mundo, nunca estarei liberto de meus pecados.
…
Tiro a cabeça debaixo d’água e ao me virar me deparo com a situação mais inusitada que eu poderia imaginar.
Esfrego meu rosto e olho novamente para ter certeza de que não estou delirando mais uma vez.
— O que vocês estão fazendo aqui? Sabiam que este é o vestiário masculino? — pergunto surpreso.
Mikoto e Ailiss estão paradas em frente ao boxe no qual estou.
Ainda bem que estava distraído em meus pensamentos e por isso não tirei o calção… senão nem saberia onde enfiar a minha cara de tanta vergonha.
Onde elas estão com a cabeça?
— Acontece que o vestiário feminino está sem água quente. Pensamos que a caldeira dos banheiros foi desativada por engano junto com o da piscina, mas tudo parece em ordem. Estávamos esperando tu terminares e então tomaríamos banho neste vestiário — explana Mikoto.
— Seria um problema de encanamento? — pensativo me pergunto — Entretanto, não justifica entrarem aqui do nada. Deveriam ter esperado eu sair.
— Como você estava demorando demais, resolvemos entrar — completa Ailiss.
— Acabei me distraindo, sinto muito.
Devo dá-las certa razão nesta situação, está esfriando bastante lá fora e realmente estava demorando no banho por ter me perdido nas minhas divagações. Poderiam muito bem ficar resfriadas se esperassem até eu sair do vestiário.
— Johann, não me digas que tu estavas aproveitando o banho para fazeres aquilo, estavas? — diz Mikoto com deboche e ri — Não te acanhes em relação a isso, normalmente tu serias repreendido por mim por má conduta em ambiente escolar, mas dada a situação, acredito que esteja justificável. Visto que é uma prática natural para um garoto da tua idade, por isso não te incomodes com a nossa presença e podes dar prosseguimento com o que tu estavas a fazer como bem entender.
E pensar que eu estava preocupado com essas duas… claramente elas estão aproveitando da inconveniente situação para me perturbar. Enfim, vou terminar de me lavar e sair daqui logo.
— Não, eu não estava. Por que não vão a outro boxe tomar banho de uma vez? — respondo envergonhado.
— Era o que o pretendíamos fazer, mas eu os quebrei por acidente — responde Ailiss.
— Como isso foi possível?!
Certo… a explicação delas até agora foi bastante plausível. Mas isto já está bem estranho para ser verdade.
— Girei o registro para o lado errado com muita força — exibe o registro arrancado em suas mãos.
Tá… como ela conseguiu fazer isso?!
Suspiro.
Tentar pensar racionalmente sobre as ações e feitos delas não vai me levar para lugar nenhum.
— Quantas vezes você fez isso? Dezenas para inabilitar todos os chuveiros?
— Tipo isso — responde seriamente.
Simplesmente concordou?! Vocês realmente esperam que eu engula esta desculpa esfarrapada? Está de sacanagem, né?
Ter arrancado o registro é uma boa evidência da sua força descomunal, mas nada justifica essa sucessão de erros. É notório que essa ideia maquiavélica de me constranger advém da Mikoto, está tudo tão bem arquitetado que elas já pensaram na questão dos registros antecipadamente, apesar de ser uma justificativa bastante absurda, diga-se de passagem.
— Como Ailiss explicou, este é o único chuveiro funcional do ginásio. Então poderíamos dividi-lo? — a outra pergunta e sorri.
— Pois bem, irei sair e deixá-las tomar banho.
É uma pena que eu posso simplesmente anular todo esse seu plano assim. De nada adiantou todo esse teatro para requisitar este chuveiro, visto que eu posso sair dele quando eu bem entender.
Ela então responde com o seu tom de voz frio que utilizava para repreender os demais alunos.
— Tu não podes. Pelo que me descreveste tu estavas distraído e nem começaste o banho propriamente dito. É meu papel como presidente do conselho estudantil impedir que tu saias malcheiroso daqui.
Conta outra. Não é seu papel coisa nenhuma. Porém, ainda há bastantes formas de eu me esquivar desse seu ataque.
— Então eu tomo depois de vocês…
— Um banho a três implica em uma economia de água, lembra-te de que é importante pensar na sustentabilidade.
— Nesta realidade sobrenatural isto não faz diferença alguma, os recursos sempre se reiniciam.
Até quando elas irão insistir nesta argumentação sem nenhum fundamento? Por mais que tenha uma boa retórica, uma hora as suas ideias irão se esgotar.
As duas se entreolham e aparentemente não há mais nenhuma desculpa para utilizarem.
— Já se esqueceu daquela aposta que você perdeu no basquete, Mistkerl? Eis a nossa ordem: Não retruque nossos argumentos.
Entendo. Esqueci-me desta carta na manga que elas estavam guardando, todavia sinto-me aliviado que não foi usada para dar-me uma ordem mais constrangedora.
Desta forma sou obrigado a ceder à sugestão delas.
— Tudo bem, entrem — suspiro.
— Queres que eu passe shampoo no teu cabelo? — pergunta Mikoto a Ailiss que consente com a cabeça.
Como estamos de roupa de banho não está sendo uma situação tão problemática assim e de brinde posso ver um lado fofo delas. Uma delas ajuda a lavar o cabelo da outra e mais uma vez nos vimos numa situação bastante infantil, onde rimos de brincadeiras simples durante a ducha.
Desde que passamos o nosso tempo juntos deste modo, sinto que consigo deixar um pouco de lado os sombrios pensamentos que me perturbam.