Em Busca do Estrelato - Ato 2
Kate
Infelizmente você não passou nas audições deste ano, boa sorte na próxima.
Levou uma semana até a chegada da carta das agências Galaxy e no fim, eu não consegui passar. Não me surpreendo muito já que desde o início eu sabia que aquela não era minha praia e por mais que eu não tenha visto a performance das outras garotas, tenho certeza que foram incríveis.
Suspiro um pouco decepcionada e amasso o envelope de qualquer jeito, o colocando em um dos bolsos enquanto entro em casa no mesmo instante, afinal quando eu vi de onde era o envelope, nem esperei para deixar as compras em algum lugar que não fosse o chão da entrada, em frete a caixa de correio.
— Você finalmente chegou, monstro cruel!!!
Passando pela porta me deparo instantaneamente com meu irmão utilizando uma caixa de papelão na cabeça e um rolo de papel em uma das mãos simulando uma espada, junto da minha irmã, que está da mesma maneira.
Os gêmeos, são duas pequenas figuras que mal chegam à altura da minha cintura, possuem olhos pretos como os meus que foram herdados do nosso pai, assim como o meu cabelo negro, No entanto, a semelhança termina na iris, pois suas madeixas brilham com um tom dourado, um reflexo do cabelo da nossa mãe.
Henry, possui um sorriso travesso perfeitamente moldado para um rosto infantil, sempre deixa claro seu status de “irmão mais velho”, graças à vantagem de vinte minutos no relógio do nascimento. Ele é a personificação da energia e curiosidade típica da infância. Sempre se metendo em encrencas… pelo menos ele nunca deixa de tenta cuidar da sua irmã.
Emma, por outro lado, é uma garotinha meio quieta, suas mechas douradas caem de forma leve pelos ombros. Sua expressão é um reflexo de sua natureza mais reservada, mas não menos afetuosa. Seus grandes olhos escuros brilham com inteligência e curiosidade, e ela não hesita em seguir o irmão em suas travessuras. Às vezes, sua timidez só faz realçar a sensação de doçura e inocência que a cerca.
A dupla é inegavelmente adorável e para mim, representa a razão mais preciosa da minha vida. Estou disposto a fazer qualquer coisa para garantir seu bem-estar e felicidade.
— O monstro do repolho finalmente aparece para obriga-los a comer legumes hahahaha — entro na brincadeira, tirando um repolho de uma das sacolas
— Ecaa, legumes! — ambos gritam de forma simultânea, em gargalhadas.
— Não sejam tão exigentes!
Nossa casa é simples, consiste em um pequeno quarto, uma acolhedora sala de estar e uma cozinha com uma área de serviço anexa. O piso de linóleo que conduz da sala até a cozinha está gasto e desgastado, sempre nos lembrando dos muito passos dados, as paredes pintadas em um branco desbotado revelam marcas do tempo que insistentemente tentam se apagar e a cozinha é um espaço funcional com armários de madeira envelhecida, que guardam utensílios simples junto a uma mesa no centro.
O aluguel não é caro, na verdade, é bem barato por não se tratar de um lugar grande, mesmo assim não sei se irei conseguir pagar a conta desse mês, não me resta muito dinheiro e estou completamente desempregada. Em meio a tantos problemas, brincar com esses dois consegue me aliviar, é como se tudo sumisse um pouco ao ver o sorriso deles.
— Fui derrotada! — disse exausta, jogada no chão com essas coisinhas em cima de mim — agora vão para o banho enquanto preparo o jantar!
Olho o relógio marcando 22:00 e alerto os dois que já passou da hora de dormir, Emma se levanta da mesa com seu pratinho e vai em direção a pia enquanto Henry me encara por alguns poucos segundos, tentando fazer pose até por fim me perguntar algo de forma impaciente, com a boca ainda suja de comida.
— Já chegou a carta lá de aprovação, mana?
Ele me pergunta isso diariamente desde que voltei das audições, semana passada.
— Sim — respondi, limpando sua boca com um pano — mas não passei
— Queee?! — ouvi de Emma na ponta dos pés, para alcançar a pia que fica ao lado da mesa — mas você sabe interpretar o monstro cruel muito bem!
— Sim, mas parece que isso não é o bastante — suspiro, tentando esconder minha frustração
— Humm, mas você precisa se tornar uma atriz, mana! — Henry exclama meio rabugento, se levantando com seu pratinho em mãos
— Mas eu não passei — disse novamente em um tom calmo, me levantando para lavar a louça — agora preciso achar outro emprego
Emma abraçou minhas pernas, inclinando sua cabeça para cima até nossos olhos se encontrarem, abrindo um grande sorriso
— Não se preocupa, é só sorrir e você acha qualquer trabalho, vamos, sorria!
Não pude contrariar um rosto tão fofo me encarando e me esforcei ao máximo para abrir um sorriso contagiante – Assim? – pergunto com os lábios esticados
Seus olhos me encaram, por alguns segundos…
— Que coisa horrorosa! — ela ri alto
— parece uma careta, precisa melhorar seu sorriso contagiante — Henry conclui com breves gargalhadas.
***
Na madrugada dessa noite eu simplesmente não conseguia dormir, então fui passar tempo assistindo algo
Filmes e séries sempre foram meu “escape”, posso passar horas assistindo mais de um ou vendo uma temporada inteira de um seriado se eu tiver tempo sobrando. Depois de um dia cheio ou após uma situação estressante, na verdade, mesmo se for apenas para matar tempo, assistir algo sempre consegue me relaxar, acompanhar histórias é algo mágico
Remexo uns DVDs na tentativa de magicamente achar algum que eu não tenha visto ainda, apesar de não ter comprado nenhum novo recentemente e internet ser um luxo que eu não possuo.
Me deparo com uma comédia que não vi faz um tempo e deixei o aparelho reproduzir o filme longe dos meus irmãos que dormiam tranquilos no quarto
” É só sorrir “
As palavras inocentes da Emma passava diversas vezes na minha cabeça conforme eu assistia ao filme, as risadas exageradas dos atores e as muitas situações inusitadas do longa, ficavam em segundo plano na minha mente que só prestava atenção nos movimentos labiais dos personagens ao rir
Minhas memórias me lembram de coisas legitimamente felizes na minha vida como a minha reação ao pegar os gêmeos no colo pela primeira vez no hospital, até por fim, eu cair no sono…
Olho exausta o relógio marcando 8:30, no fim eu consegui os arrumar para a escola mesmo que eu tenha acordado atrasada, arrasto os dois até a porta me preparando para a abrir, mas não antes de apresentar meu sorriso contagiante! é claro.
— E então, melhorou? — pergunto, colocando em prática todo o meu treinamento
Os dois me olham por alguns segundos, levemente surpresos até Emma quebrar o breve silêncio
— Muito melhor!! — Ela responde, abraçando minhas pernas novamente – achar um emprego agora será fácil! — suas palavras revelam toda a inocência de uma criança
Apenas confirmo e abro a porta de casa, me deparando com um homem de camisa polo azul, calças jeans e tênis social. Parecia que o mesmo se preparava para bater na porta já que um dos seus braços estava erguido.
— Oi, posso ajudar? — pergunto surpresa.
O rapaz abaixa sua mão erguida até o bolso.
—Na verdade sim, Kate…
Inicialmente eu me perguntei coisas do tipo “como ele sabia meu nome?”, mas conforme fui olhando seu rosto, minhas memórias vão me ajudando até por fim, reconhecer o “misterioso” rapaz.
Seu cabelo estava solto agora e ia até o pescoço, mas a barba curta… A fisionomia do rosto… O tom branco, porém bronzeado de sua pele e… As orelhas! Claro
— Coceirinha! — exclamei de repente, o interrompendo.
— Oi? — ele pergunta, surpreso.
– Desculpa, é só um apelido que me veio a cabeça ao lembrar de você – respondo meio constrangida afinal, eu disse isso no mais puro reflexo – Você era um dos juízes na audição da Galaxy, não é?
— Sim, mas me pergunto de onde veio o apelido.
Melhor não saber.
— O que te trouxe até aqui? — questiono, franzindo a testa.
— Bom, como você sabe as audições tem duas etapas…
—Sim, mas eu já falhei na primeira.
— É, mas uma das meninas que passou acabou desistindo e olha só! A segunda etapa é hoje.
— Não estou entendendo
— Em resumo, eu quero que você substitua essa pessoa.
Eu o encaro por alguns segundos com uma das sobrancelhas erguidas, de repente ele junta ambas as mãos como se estivesse rezando, me pedindo um “por favosinho” com um dos olhos fechados e um sorriso.
Tudo parece um tanto suspeito demais, afinal porque eu e não uma das outras centenas de garotas que tinha no dia? Também me perguntei como ele sabia onde eu morava, mas essa dúvida se desfez segundos após surgir em minha mente, já que eu lembro de ter preenchido uma fixa antes de participar da audição e coloquei meu endereço lá.
Um breve silêncio surgiu após seu pedido, eu precisava colocar meus pensamentos no lugar, embora a quietude tenha se dissipado tão rápido quanto se manifestou, com o grito animado dos meus irmãos
— AGENTE MIKE!!!!!
Passo o olhar para uma van estacionada logo em frente. O dia se inicia suavemente, e uma brisa fresca sacode as folhas das árvores próximas. A iluminação do sol cria um halo dourado ao redor da van, nela está uma moça morena de longos cabelos cacheados, ela veste um paletó azul bem clarinho, criando um contraste encantador com sua pele e seus escuros olhos penetrantes, estão fixos em nós no banco do carona.
Entretanto, quem realmente chama a minha atenção é o rapaz em pé, escorado casualmente na porta traseira da van. Ele é jovem, aparentemente tendo a minha idade. Seu cabelo preto é penteado com cuidado, acrescentando um toque de sofisticação ao seu visual e seus olhos castanhos, brilham com uma expressão de surpresa.
Ele é facilmente reconhecido como o ator principal de um popular programa infantil de agentes secretos que meus irmãos assistem.
Depois do berro que os dois deram, o ator se aproximou de nós pouco a pouco até por fim, colocar um de seus dedos sobre a boca, pedindo silêncio.
— Shhh, garotos eu estou em uma missão ultra secreta e não posso ser identificado por ninguém!
Os olhos dos meus irmãos brilham vendo aquele cara e eu não me surpreendo já que ele é um herói no seu programa, o que eu não entendo é o que ele faz aqui, mas graças a sua presença eu finalmente tive coragem de responder o coceirinha.
— Tem certeza que eu sou uma boa opção para substitui-la ?
Estava com um certo receio, sem acreditar muito na situação, mas a presença daquele ator me fez perder o medo que eu tinha, ele me encara com uma expressão de” não somos suspeitos” o que me dá uma estranha confiança.
— Você é exatamente o que eu buscava Kate – Ele me dá um leve tapinha nas costas, finalmente se apresentando — me chamo Arthur, sou um diretor.
— Espera, antes de irmos, preciso deixar meus irmãos na escola.
— Leve eles também oras, vão ter a oportunidade de ver a irmã atuando!
Todos estão com tanta pressa que eu só pude concordar, dizendo “até mais” para o histórico de presença perfeito dos dois.