Dualidade - Capítulo 8
Foi rápido.
Em um instante, o alvo estava em sua frente, no outro, havia atravessado a rua inteira e arrebentara o pescoço de Valak com apenas um ataque.
Grace olhava aterrorizada para Lewnard. Sentiu medo da raiva que estava no rosto dele, por isso, ficou acuada num canto.
Enquanto isso, o asiático olhava para a cena com um rosto impassível. Dentro de si, questionava-se quanto a velocidade que o oponente mostrou.
Aquilo não podia ser possível para alguém que estava exausto. Era completamente insano pensar que ele conseguiria ignorar a dor apenas pelo bem de outro.
Estreitou os olhos, a raiva começara a tomar conta de si enquanto memórias invadiam a mente… memórias de quando era fraco e impotente… e da bondade que o mundo lhe negou.
Inconscientemente, soltou um rosnado.
O garoto estava exausto, mas ainda parecia pronto para continuar. A forma como os olhos dele caiam, como o esforço de mantê-los vidrados no oponente, era algo digno de pena… mas pouco se importava.
Correu e estava para atravessar o peito de Lewnard, quando algo aconteceu. Uma explosão de chamas azuis o forçou para longe.
“Um bruxo?”
— Céus, você tá arrebentado, hein? — Uma voz, vinda do turbilhão safira, ralhou. — Pegue a garota vá saindo daqui, vai acabar atrapalhando.
— Shiki…
— Faça o que ele mandou, Lewnard. — Reide apareceu ao lado do loiro, com a arma pronta para atirar. — Sabe como chegar na base?
Soltou um suspiro e acenou. Pegou a mão da garota e saiu correndo para longe.
O asiático estreitou os olhos, mas teve que desviar de várias chamas azuis que foram disparadas contra si. Pulou e girou o corpo para evitar as balas revestidas de Energia Astral e se afastou dos dois.
“Ambos são lutadores de longa distância. Uma tem um número limitado de ataques, enquanto o outro está limitado pela conexão com o Plano Astral.” A situação não era favorável, ao menos no papel.
No entanto, para si, isso era algo simples de resolver.
Correu em direção aos dois. O bruxo foi contra si e ambos começaram a trocar golpes. Desviou de um punho e tentou arrancar a cabeça do albino, que usou de uma explosão de chamas azuis para se afastar.
Não teve chance de continuar, visto que foi obrigado a desviar de dois tiros. O bruxo aproveitou disso e correu em direção do Nor.
“Entendo… é diferente do que imaginei.” Bloqueou um golpe coberto de chamas e deu um forte chute no peito do bruxo. Saiu um pouco queimado da troca, mas conseguiu enviar o inimigo para longe. “Ele é um oponente de longa distância com capacidades de curta… enquanto a outra…”
Desviou de vários tiros enquanto trocava golpes e saia queimado. Avançou contra o bruxo e usou de sua velocidade superior para cortar o inimigo, que usou de uma explosão de fogo para o afastar.
Nisso, um pequeno objeto negro caiu em sua frente.
“Merda…” Um enorme clarão irrompeu, junto barulho ensurdecedor. “Uma granada de luz?”
No instante seguinte, sentiu uma forte chama impactar contra o rosto, que logo o envolveu. Assim que as chamas enfraqueceram, tiros foram disparados.
O corpo do asiático estava queimado, com o peito perfurado por algumas balas. Era possível ver parte de sua forma verdadeira, que mostrava pelugem de lobo com um exoesqueleto cinza.
“Merda…” O lobisomem caiu de joelhos e cuspiu um pouco de sangue. “Não consigo ver ou ouvir nada… tudo tá doendo…” Naquele momento, em que tudo parecia perdido, lembrou do passado.
— Então esse é o novo recruta? — Valak questionou, enquanto olhava para uma criança asiática. — Céus… sei que não sou um membro importante na colmeia, mas porque eu tenho que bancar a baba de um híbrido?
Um híbrido. Era isso que era, que sempre foi.
Odiava isso. Odiava sua mãe, humana e fraca. Odiava seu pai, por ter se apaixonado por uma inferior. Odiava os humanos, que o caçaram desde criança.
Odiava a si mesmo.
Mesmo assim, ainda não queria morrer.
Quando Shiki estava para o tocar, deixou o instinto falar mais alto e usou de suas garras para cortar o peito do bruxo, que gritou com um jarro de sangue que escapou do ferimento.
Imediatamente, pulou fora dali. Teria que navegar da melhor forma possível, mesmo cego e surdo.
— Shiki!
O albino segurou o peito, que sangrava, e acendeu uma chama azul. — Não! Não vá deixando ele fugir!
A ruiva saiu correndo atrás do lobisomem, enquanto Shiki queimava o veneno. Sabia bem que sua conexão com o Plano Astral era grande, por isso, podia tornar-se um Nor caso entrasse em contato com veneno o suficiente.
Por isso, tinha que permitir o fogo adentrar nas entranhas e queimar cada grama daquele líquido.
“Merda… MERDA!” O asiático corria de quatro, com uma velocidade muito superior à de um lobo.
Deixou a presa fugir, além de ter abandonado um companheiro. Mesmo que odiasse Valak, era uma perda para a colmeia, o que podia causar o fim dela.
Não era tolo. Sabia bem que qualquer número a menos podia virar uma batalha. Claro, Valak não poderia lutar por alguns meses devido à cegueira, mas a chance de eliminar um Portador era valiosa demais.
Sabia bem que existia um ciclo de, no mínimo, dois anos em que um Diário tinha que esperar para poder ser passado. Mesmo que tenha se passado mais de uma década desde que John Hollick tenha desaparecido, o herdeiro ainda assim não era proficiente no uso de Energia Astral ou com o poder do Diário.
Era uma oportunidade de ouro.
Sem Lewnard, teriam mais tempo para planejar e um Portador a menos para se preocupar. Tudo ia bem, até aqueles dois idiotas aparecerem.
Bateu numa lixeira, mas continuou correndo. Sua visão começou a voltar para si, porém os ouvidos ainda zuniam.
Sim, teria que fazer algo e rápido.
As chances de Valak estar morto eram altas, não podia enfrentar ninguém assim… só tinha uma alternativa.
Teria que prolongar a estadia em Juvicent.
Lewnard corria enquanto segurava a mão de Grace. A garotinha olhava para o loiro com incerteza. Não sabia o que dizer sobre o que acabou de vivenciar, apenas que não era a hora disso.
Afinal, o irmão estava quase esgotado. Nunca o viu dessa forma. Tão fraco e machucado que mal conseguia andar, além da fraqueza clara na postura dele. Era doloroso.
Não queria um irmão fraco e sempre viu Lewnard como forte, incapaz de perder, alguém que não sabia o que era desistir… e odiava a forma como ele fugia agora.
Mesmo que fosse para a sua própria segurança, ela não queria o ver assim.
Assim que chegaram na base da Polícia Secreta, uma mulher, que devia ser alguns anos mais velha que Grace, foi até os dois, com um olhar preocupado. — Meu Deus, Lewnard! O que houve? — Por um segundo, Grace podia jurar que viu orelhas de gato na cabeça da policial.
“Que estranho.”
— E quem é a garotinha?
— Grace… minha… coff irmã. — Uma tosse irrompeu da garganta do loiro, Grace jurou ver um pouco de sangue sair da boca dele. — Agora… não dá. — A mulher levou os dois para o elevador. Para a platinada, era estranho ver os botões, que tinha números e letras escritas.
Miia apertou o botão que levava a enfermaria, o elevador acelerou numa velocidade desconfortável. Após um segundo, o som de portas abrindo foi ouvido, o que fez com que os dois desabassem no chão. — Vem, vou te levar para o doutor Riverdale… ele vai te curar rapidinho.
Foram levados para a ala médica, onde havia um médico que parecia irritado.
— Puta que o pariu, hein garoto? — Começou a examinar Lewnard, dando alguns beliscões vez ou outra. — Você só dá trabalho! A primeira vez, tinha um pulmão perfurado e alguns ossos quebrados. Agora me aparece aqui todo arrebentado e cheio de queimaduras. — Nem começa! Você tinha um trabalho. Não sair do porão. Aí, o que você me faz? Sai da porra do porão.
Grace nunca viu o irmão tão desconfortável antes, algo cômico. — E quem é a pirralha?
— Ei! Pra sua informação, tenho quase 15 anos!
O médico arqueou uma sobrancelha e então alternou o olhar entre os dois.“Ela é a cara da mãe.” Sorriu internamente com as memórias de uma loira irritadiça. “Só o cabelo que é do pai.”
Nisso, levou Lewnard para a cama e mandou que repousasse. Os dois irmãos ficaram a sós, o mais velho se deitou na cama. A sala foi permeada por um silêncio desconfortável. Ambos se entreolharam, com a mais nova esperando alguma coisa. Qualquer coisa.
Apenas receberia silêncio.
Algumas horas depois, Valak acordou numa cela com uma dor infernal no pescoço. Tentou acariciar a região mas notou que estava acorrentado. Nisso, lembrou-se do que ouve mais cedo.
— Merda… aquele mestiço maldito, nem pra me ajudar. — As sombras ao redor de sua cela dançavam, então atraíram a atenção para uma figura que emergia do chão. — Quem é você?
— Apenas, bruxo.
— Bem, “bruxo”, pode me dizer aonde estou?
— Base da polícia secreta. Levou um belo soco… quase, morre.
— É mesmo… depois que sair daqui vou ir lá e matar aquela merda de portador. Acho que vou me divertir com a irmã dele antes de a devorar.
Zozolum arqueou uma sobrancelha enquanto mostrava certo desgosto com a perversão do monstro. Verdadeiramente, odiava aqueles seres que eram incapazes de empatia ou de moral.
— Mas antes… acho que vou matar o bruxinho que colocaram aqui de guarda..
Aquilo arrancou um riso de si, algo que confundiu o ogro.
— Errado. Não, guarda… carrasco. — As sombras começaram a se arrastar até o Ogro, que começou a tremer com a mudança na atmosfera. — Valak… conte-me tudo sobre a colmeia.