Devore o Exorcista - Capítulo 4
— Haha… Hahaha… — O mesmo sorriso marcado nas sombras surgiu em seu rosto. — HAHAHAHAHAHAHAHA! Eu consegui… Está feito. Está, finalmente, feito…
Ao redor do homem, todos os escravos caídos lentamente começaram a se levantar, como se houvessem voltado dos mortos. Porém, nesse momento, era óbvio que já haviam abandonado a sua humanidade.
Os corpos de todos eles deformaram e se transformaram em carcaças de monstros bizarros e repugnantes. Todos mantinham alguns traços de seu corpo original, mas jamais poderiam ser novamente considerados pessoas.
Diferentemente do Devorador do Milharal que Erick havia enfrentado mais cedo, essas criaturas possuíam aparência puramente humana, porém com membros de tamanhos e volumes diferentes, contorcendo-se como entranhas.
Erick estava cercado. Em sua frente, o velho gargalhava sem parar. De alguma forma, ele havia conseguido fugir de se tornar uma criatura asquerosa como as outras.
No vendedor de escravos, mudanças sutis e imperceptíveis para o garoto ocorreram. Os seus músculos se fortaleceram, seus sentidos ficaram aguçados e uma força estranha despontou em todo o seu corpo. Um poder sobrenatural se manifestava.
— Eu não quero ter que te matar, garoto — disse, arrumando a postura corcunda e estralando o pescoço. Agora, sua forma de falar parecia extremamente arrogante — Mas eu preciso do poder completo. E ainda falta um sacríficio.
A espinha de Erick gelou. Com o final da frase, veio o ataque. Seu cérebro demorou para compreender o baque do impacto que acabava de assolá-lo, mas seu corpo foi rápido o suficiente para bloquear a investida do velho com a espada.
Um estrondo ressoou. Lentamente, Erick se ergueu, após ter batido com as costas contra a parede numa velocidade brutal.
Porém, apesar de ainda estar com as costelas quebradas, ele não sentiu tanta dor. “Isso é culpa da espada também?”, indagou.
Após a pancada, o senhor dos escravos olhou ao redor. As aberrações humanóides lentamente se moviam na direção contrária, caminhando rumo à saída.
“Vejamos como aqueles exorcistas lidarão com os meus presentinhos”, pensou uma última vez, antes de voltar sua atenção à Erick.
— Porra…! O que foi isso? Você não é um velho?! — A velocidade e força absurda daquele golpe espantou o rapaz.
— Eu superei aquele corpo frágil e falho. Agora, ninguém, nem nenhum exorcista, é mais forte do que eu. Eu vou atrás de todos que roubaram a minha fama e glória… — As veias do seu corpo saltaram e seus olhos demoníacos arregalaram. — e vou matar cada um deles.
Mais uma vez, o homem disparou contra o garoto numa sequência de socos e chutes ágeis. Eram golpes simples e diretos, porém com um poder bruto monstruoso.
Ainda assim, de alguma forma, Erick conseguia acompanhar o ritmo da batalha. Seu corpo parecia se mover sozinho, quase como se ele estivesse no automático. Ou, quem sabe, como se a própria espada estivesse controlando seus movimentos.
— Fama? Glória? Você nunca vai ter isso com uma casa de escravos, seu fudido.
— HAHAHAHA! — Os ataques eram incessantes. — Quem você acha que mantém os exorcistas vivos?! Aqueles filhos da puta usam os meus cachorrinhos como peões para enfraquecer os devoradores antes de matá-los! E quem recebe todos os créditos são eles?! Sem os MEUS bichinhos, nenhum devorador seria morto e todos esses exorcistas estariam a sete palmos do chão!
A voz do velho ressoava em tons destoantes, como se suas cordas vocais sofressem constante mutação de tons graves para agudos e vice-versa.
Mas Erick não ligava para isso. Tudo que passava pela sua cabeça eram as palavras do homem e as lembranças de tudo que o levaram para essa situação.
— Eu não ligo pros exorcistas, nem pros escravos ou pra você! Nenhum de vocês presta! O que me irrita de verdade… — Enquanto defletia os ataques, Erick encontrou uma brecha. — É VOCÊ TRATAR PESSOAS COMO ANIMAIS!
Um corte limpo atravessa o torso do vendedor de escravos, que recua abruptamente, tentando impedir o sangue de vazar. Atrás dele, Erick desliza agachado, continuando:
— Animais são muito melhores do que qualquer ser humano. Nunca mais fale uma merda dessas!
— Huh… Hahaha… Você… é mesmo… esquisito. — A expressão dele repentinamente muda. — Realmente, não passa de lixo.
Uma pressão de ar colide contra o corpo de Erick. Ele voltou.
O vendedor de escravos ataca com ainda mais voracidade, aumentando a potência de cada um de seus ataques conforme sua raiva também progride.
Todo o ambiente tremia e o teto exibia seus primeiros sinais de fraqueza. A cada segundo que passava, o risco de tudo desmoronar aumentava.
Por mais que manejar aquela espada lhe fizesse sentir poderoso, não havia como evitar o medo primitivo da morte. Antes que pudesse perceber, suas mãos estavam tremendo.
Em sua frente, um demônio sob pele humana pretendia matá-lo. Atrás de si, monstruosidades bizarras subiam para a superfície. Sobre sua cabeça, pedregulhos enormes estavam prestes a despencar. E dentro de seu corpo, a dor excruciante começava a romper o bloqueio gerado pela arma.
Erick precisava acabar com isso o mais rápido possível.
Imerso em um sentimento indescritível, de não ter certeza se conseguiria sair vivo dali, o garoto fechou os olhos.
E quando abriu, uma voz sussurrou em sua mente:
— Acorde, Herdeiro.
Em um piscar de olhos, sua visão parecia ser repentinamente coberta por um mar de vermelho. Porém, ao piscar novamente, tudo voltava ao normal.
“O que foi isso?”, pensou.
Antes que pudesse raciocinar direito, o mesmo fenômeno se repetiu. E de novo, e de novo.
A cada piscada, sua visão entorpecia pela tonalidade vivida que tomava conta de todo o ambiente.
Até que Erick decidiu tentar manter os olhos abertos.
Assim, conseguiu identificar que o vermelho não cobria tudo o que estava ao seu redor. A cor era muito mais seletiva: estava presente apenas no corpo do inimigo a sua frente, que parecia adquirir uma textura translúcida, quase como se fosse formado por vidro.
Os seus movimentos, traços físicos e raiva eram os mesmos, independentemente da forma que estivesse enxergando. No entanto, de alguma maneira, ele parecia muito mais frágil nesse estado…
— Vai se foder, seu lunático! — disparou um último insulto, antes de balançar a espada contra o corpo do velho.
A energia que percorria a arma pareceu se desprender da lâmina, tomando rumo verticalmente até o senhor de escravos. Como uma grande muralha, o rastro vermelho partiu todo o lugar em dois, quase como se abrisse uma fissura na própria realidade.
O corpo translúcido do homem estilhaçou assim que entrou em contato com a energia e, num baque surdo, ele despencou contra o chão.
E junto com ele, caiu também o corpo de Erick. Uma dor lancinante percorreu o seu corpo, como se todo aquele sofrimento fosse liberado de uma só vez.
Com a mão no peito, lutou para respirar. Seu coração parecia estar prestes a explodir.
Somente quando conseguiu recobrar os sentidos, percebeu o corpo à sua frente.
“O… que… foi isso? Eu fiz isso?”
Uma poça de sangue se formava abaixo do cadáver do homem, mas provavelmente por conta do corte causado em seu torso antes. Não havia nenhum sinal de ferimento causado pelo ataque em si.
O local todo começou a tremer com muito mais ímpeto. Parece que o ataque de Erick fez mais do que derrubar o homem.
Sem perder tempo, ele agarrou sua bainha e partiu em disparada pela porta. Porém, algo o impediu. Mais precisamente, alguém.
A mão do senhor de escravos agarrou sua perna com força. De alguma forma, ele ainda estava vivo, mesmo que sua aparência pudesse dizer o contrário.
— Você arrancou… a única coisa que eu tinha. Agora… — disse, com uma voz trêmula e rouca. — Nós dois vamos morrer aqui.
“Ele… voltou ao normal? Mas e o pacto?”, pensou. “O que caralhos eu fiz?!”
— Me solta, porra! Eu já te matei!
Sem pensar duas vezes, chutou o braço que o segurava diversas vezes, mas sem êxito. Ele voltava a agarrá-lo, chegando ao ponto de o derrubar no chão.
Fragmentos de rochas começaram a despencar do teto, errando por pouco os dois. Erick sabia que não podia mais ficar ali, mas o homem não o largaria por nada.
“Eu não tenho escolha. Eu tenho que usar isso de novo!”
Suspirou. Porém, mesmo piscando diversas vezes, a silhueta vermelha não mais preenchia o homem à sua frente.
O desespero aflorou. Sem saber o que fazer, decidiu ir pelo caminho bruto, como sempre fez.
Erick ergueu a espada acima da cabeça. A energia ainda fluía pelas rachaduras. Puxou o fôlego mais uma vez e…
Ouviu o som de algo partindo acima de sua cabeça.