Devilish - Capítulo 8
Era uma escolha que poderia alterar irrevogavelmente nossos destinos e a direção de nossas próprias responsabilidades.
Mikael, porém, ficou parado, absorvendo a enormidade do que acabara de acontecer.
Seu rosto tenso se transformou em um leve sorriso de relaxamento e alívio, cumprimentando-a com um aceno de cabeça.
A mesma, ao contrário, me olhou friamente por um breve momento, logo ordenou:
— Já podem soltá-lo.
As ligas metálicas foram removidas do meu pulso, poupando-me de um choque intenso, com exceção da coleira em volta do meu pescoço. Eu esperava que ela também fosse removida, pois já estava ficando desconfortável.
— Finalmente… — murmurei.
Gesticulei os músculos dos braços que estavam bastante doloridos. Em seguida, dois guardas me encaminharam para perto de Mikael.
— Sério, valeu. Fiquei com bastante medo por um momento.
— Nada. Agora me acompanhe.
A vice-líder me deu um olhar horrível mesmo antes de irmos, então tive que desviar para o outro lado.
— Pensei que você fosse me deixar pra morrer.
Uma risada sem humor escapou de seus lábios, um som que causou arrepios na minha espinha.
— Há muito potencial em alguém como você para simplesmente desperdiçar. Habilidades como a sua são raras e, francamente, fascinantes.
— Então sou um rato de laboratório para você? Não uma pessoa? — Minha voz se elevou, misturada com uma nova onda de raiva.
— É uma situação complicada. No momento, a prioridade é sobreviver. Podemos discutir o resto depois. Se você ainda estiver respirando, claro.
O gosto amargo em minha boca me dizia exatamente o que estava acontecendo. Não havia compaixão para me salvar. Eu era apenas um instrumento, uma arma para ser usada como eles quisessem. Senti uma forte mistura de traição e repulsa que me deixou furioso. Isso não era liberdade. Era uma prisão definitiva, e eu não conseguia decidir o que era pior: ser um peão no jogo depravado de outra pessoa ou morrer em meus próprios termos.
— Isso… é sério?
— Tô brincando! — Riu-se, esfregando sua mão sobre meus cabelos.. — É só que essas criaturas… Elas operam fora das regras. São uma carta fora do baralho que atrapalha nossos planos cuidadosamente elaborados.
Ele ergueu o dedo indicador, dando continuidade à explicação.
— Eles são os predadores do ápice, você vê. Os que estão no topo da cadeia alimentar, ditando o fluxo da vida e da morte com um simples golpe de uma garra ou um relance de uma presa. E quando eles se voltam para a humanidade… — Deixou a frase inacabada, a ameaça não dita pesando no ar. — Prefiro nem imaginar.
— Ainda é muito estranho…
— Basta saber que você estará trabalhando com a gente a partir de agora.
— Tá… espere um minuto. — disse, surpreso com a repentina oferta de emprego. — Acabei de chegar aqui, ainda nem desempacotei meu kit de caça a monstros.
— Parece que você não precisa desfazer muito as malas, então. Temos uma situação, e seu… conjunto de habilidades único o posiciona perfeitamente para isso.
— Com você? — perguntei, com as sobrancelhas levantadas. — Quer dizer… Com vocês?
A maneira como Mikael expressou isso, tão indiferente, me fez pensar se ele entendia a gravidade da situação.
O sorriso dele se alargou.
— Digamos apenas que com alguém como você a bordo, as chances de sucesso aumentam drasticamente. Além disso, preciso convencer os superiores, especialmente o líder. Sua presença falará por você.
Uma inquietação nervosa borbulhou em meu peito.
— Tá, tá, entendi. Tô dentro. Mas antes de partirmos para atacar monstros, posso pelo menos ter uma ideia do que estamos lidando? Como é que são esses… Mephistos, né?
Mikael encolheu os ombros, um movimento casual que parecia deslocado considerando o peso de suas palavras.
— Pense neles como primos distantes. Forma semelhante, poder semelhante, capacidade semelhante de ser um verdadeiro pé no saco.
— Primos distantes, hm… — Ponderei, com os dedos segurando o queixo. — E eles são… como eu? Possuídos?
— Mais ou menos. A maioria são apenas fantoches de algo. Você… Bem, parece ser uma raça totalmente diferente. O primeiro de sua espécie, até onde sabemos. É exatamente por isso que precisamos de você.
— Nem parece que você é um sociopata.
Uma bufada de surpresa escapou de meus lábios, transformando-se em uma risada.
— Hahaha! Que tipo de elogio é esse?
— E não é um? Vindo de você, isso soa quase como um elogio, considerando a companhia que tenho agora.
Mikael levantou uma sobrancelha, com um lampejo de diversão dançando em seus olhos.
— Não dá pra negar, mas há uma certa… humanidade em seu tipo de crueldade. Você pode ser um Mephisto, mas não é desprovido de consciência.
Uma rajada de ar da fornalha me deu as boas-vindas quando saí dos limites abafados do edifício. Em uma única respiração, o enorme vazio do ar ressecou minha garganta, mesmo que teoricamente fosse fresco. Até onde a vista alcançava, acima de mim, não havia nada além de um azul que se estendia em todas as direções, ocasionalmente quebrado pelo movimento de abutres em térmicas invisíveis.
Os raios de sol faziam a terra fraturada brilhar como uma onda de calor. Os arbustos esqueléticos eram a única flora que ousava sobreviver; eles estavam contorcidos como se estivessem em agonia perpétua, suas folhas reduzidas a cascas frágeis que farfalhavam com o murmúrio constante do vento.
— Cacete, como as pessoas vivem aqui?
— Relaxe. Esse calor faz parte da vida aqui.
Mas relaxar era a coisa mais distante da minha mente. Minha testa estava suando, e cada respiração trazia uma onda abrasadora de ar quente para meus pulmões.
— Mas nem ferrando que vou passar horas aqui.
A diversão de Mikael desapareceu, substituída por uma centelha de aborrecimento. Ele me deu um forte cascudo na cabeça.
— Merda! — gritei, segurando minha cabeça latejante. — Pra que isso?!
— Você ainda tem muito que aprender, garotinho da cidade. Esse calor não é seu inimigo. É algo que você tem que respeitar, aprender a conviver.
Eu o encarei, com a visão um pouco embaçada pela dor na cabeça.
— Entendi… — murmurei, enxugando uma gota de suor que picava meu olho. — O que vai ser agora?
Mikael olhou para a paisagem ao seu redor. O sol incidia incansavelmente, transformando a paisagem já estéril em uma miragem cintilante. Os galhos esqueléticos das acácias não proporcionavam muito alívio do calor, oferecendo apenas uma sombra falsa.
— Considerando que esse local é mais espaçoso, ele é ideal para avaliar suas habilidades físicas.
— Um treinamento, então?
— Sim. Leve isso como sua primeira lição. Respeite o calor, ou ele o derreterá mais rápido do que manteiga em uma frigideira.
Mikael bateu as palmas. Isso me tirou da névoa de minhas próprias ansiedades.
— Hm?
Então, de repente, houve um clarão de chamas saindo da porta. Uma impressionante exibição de fogo direcionado, concentrado sob os pés do recém-chegado, lançou-o sobre nós.
Com facilidade, ele aterrissou, e as chamas se apagaram tão logo chegaram.
De pele bronzeada, alto e esguio, com um físico bem treinado, seus olhos eram de um vermelho-alaranjado que tinham a mesma tonalidade ardente de seus cabelos curtos e lisos, refletindo as brasas que haviam dançado ao seu redor recentemente. Estava vestido com o uniforme oficial da agência, com um sobretudo preso na cintura.
— E aí, pessoal! — disse, saudando-nos com um largo sorriso.
Lá no fundo eu senti uma imensa impressão.
— Tá livre, Lewis?
— Livre e solto! Por quê? E, a propósito… quem é você?
Verificando tudo o que pôde pensar, Lewis aproximou-se mais de mim, segurando a ponta do queixo e estreitando os olhos.
O tempo que passou, três segundos, já havia trazido desconforto.
— Ahh! — Essa surpresa foi como um choque de realidade. — Caramba, verdade! O Kael me contou sobre você.
Lews foi afastado quando Mikael o puxou para longe, segurando-o pela testa.
— Eu queria que você avaliasse esse garoto, pelo menos no teste de combate físico. Mas se for possível, o corpo também.
Andou para trás de mim, segurou meu braço e ergueu.
— Olha só, um franguinho desse não vai sobreviver por muito tempo.
Mikael estava apenas de zombaria, mas meu peito se preenchia de ódio.
— Eu só sei usar os pés, os meus punhos nem tanto.
— Não tem problema, só faz o meu trabalho. Eu preciso me resolver com a vice e o líder ainda.
Com um sorriso cínico, virou-se para partir, esquecendo-me ali simplesmente.
— Espera aí! Eu pensei que esse seria o nosso treino, seu merda!
— Isso aí, você apenas pensou. Vai ficar pra próxima. O Lewis cuida disso.
— Desgraçado!
O garoto gargalhava bastante.
— Bem — ele puxou um suspiro. — , vamos começar.
Tirou a camisa e atirou-a para o ar. A visão do seu corpo definido despertou em mim uma pontada de inveja.
Depois, Lewis saltou 2 metros para trás.
— Isso é necessário?
— Esquenta não, assim eu me sinto muito mais à vontade.
Lewis estava a aquecer-se, alongando os músculos das pernas e dos ombros.
— É a primeira vez que vejo algo assim. Você é humano e ao mesmo tempo um Mephisto, que doideira.
Estava se antecipando para o momento mais emocionante do seu dia.
— E aí, pronto? Tô pegando fogo!