Desejos de um Mercenário - Capítulo 1
Tumtum… tumtum…
Alguns acreditam que a morte é vazia, outros no inferno e no céu, mas para mim ela era fria, fria como os invernos que eu vivi.
Tum… tum
Sentia meu corpo pesado e fome, o que era estranho por eu ter morrido.
“Corpo? Eu podia ter certeza que havia perdido a sensação do meu corpo, então por que me sinto pesado?” Com a estranha sensação tentei me mover, meu corpo não estava respondendo bem como se estivesse entorpecido.
Talvez pela insistência ou por outra razão, meu corpo finalmente respondeu com abertura dos olhos. A neve branca foi a primeira coisa que vi, parecendo imaculada, sobre a neve, uma mão pequena de uma criança e sabia instintivamente que aquela mão era minha.
“Como… vamos deixar isso de lado, o frio vai me matar se eu não fizer nada.” Não tinha tempo e nem energia para pensar como estava vivo. Meu corpo estava gelado, sentidos entorpecidos indicando que estava quase nos últimos estágios de congelamento.
Com toda a minha determinação, consegui ajoelhar meu corpo pesado. Pude ver as roupas esfarrapadas, marcadas por arranhões e manchas.
Ao erguer o rosto, um local que uma vez uma vila encontrava-se agora em ruínas, com casas destruídas e queimadas, e ruas repletas de objetos variados, como carroças, mesas e ferramentas agrícolas.
“Cheiro de carne queimada.” O odor persistia, mesmo com o entorpecimento. Levantei-me com dificuldade; ao ficar de pé, minhas pernas tremiam e a visão permanecia embaçada.
— Preciso de abrigo. — A voz que saiu não era a minha, era fina e aguda, como a de uma criança. Comecei a mancar em direção a um lugar que, embora desconhecido, minha intuição indicava ser um armazém.
Observei os arredores, apesar de ser minha primeira vez ali, de alguma forma tudo parecia familiar, especialmente os becos, como se eu tivesse vivido ali a minha vida inteira.
“Quem fez isso realmente sabia fazer seu trabalho,” pensei enquanto observava; o lugar encontrava-se verdadeiramente em ruínas. Todas as casas estavam queimadas, e o cheiro fétido permeava cada canto. Não havia corpos, provavelmente empilhados e queimados.
—haaa, haaa
—iiirrrrí
Os sons de passos constantes foram interrompidos por um relincho, seria adorável se não fosse pela atmosfera.
—Lucy?
Como antes, minha intuição insistia que esse era o nome da potra, como se quisesse que eu a chamasse, minha intuição disparava.
“Se chamá-la, ela virá. Lucy sempre foi uma potra esperta, uma pena que seu mestre não a reconheça.” Talvez estivesse enlouquecendo, ou esses sussurros fantasmagóricos eram os antigos pensamentos do corpo. Não, de certa forma, eram meus e ao mesmo tempo não. Minha mente estava lenta pelo frio, minha visão cada vez mais embaçada, até mesmo uma vela de esperança era tudo que eu precisava.
—Lucy… garota, estou aqui… preciso de sua ajuda!
Era uma voz fraca, quase um murmúrio. Mesmo que alguém estivesse por perto, não escutaria, mas Lucy era especial. Sendo a mais fraca da linhagem, sobrevivia a todos os invernos congelantes.
—irrrrr
Ao longe, uma sombra negra caminhava vagarosamente em minha direção. Lucy era um pouco mais alta, sua pelagem junto de seus olhos pretos; não tinha muitos músculos, e as pernas eram magras.
Assim que ela chegou perto, estendi a mão, e ela respondeu inclinando a cabeça para o meu toque. Sua pelagem era quente e aconchegante, como se nem o frio pudesse afetá-la.
—Garota, preciso ir para o armazém… você pode me levar?
Ouvindo meu pedido, Lucy me encarou, naqueles olhos negros, vi preocupação e medo. Com um bufo de entendimento, Lucy se virou e ajoelhou.
—Obrigado.
Subi em suas costas, deitei-me segurando seu pescoço, e o calor do corpo foi transmitido, relaxando-me. Lucy, certificando-se de que estava segurando, começou a caminhar rapidamente, equilibrando-se para não sentir nenhum impacto.
A caminhada não foi longa; o armazém já estava à vista, sendo a única construção em pé por ser feita de pedra e argila. A porta estava aberta, com fechaduras quebradas.
Assim que entramos, o lugar estava praticamente vazio, com apenas algumas sacolas ao fundo do armazém, mesas quebradas espalhadas e, no centro, uma grande fogueira com uma panela pendurada. No chão da entrada, havia neve e um cadáver ainda não congelado segurando um lampião. O lugar, mesmo invadido, ainda podia ser usado, agora faltava lenha e algo que pudesse gerar fogo.
—Você pode fechar a porta para mim?— Com um bufo, Lucy foi em direção ao portão; usando a cabeça, começou a empurrar.
“Isso está além de uma inteligência acima da média… vamos acender o fogo primeiro, estou a minutos de congelar.” Pensei, surpreso.
Os ventos frios estão cada vez mais fortes, indicando uma tempestade de neve. Juntei madeira espalhada e peguei o lampião; com um pouco de dificuldade, foi aceso, gerando uma pequena chama.
—Tomara que os filmes estejam certos.
Trink!!
Joguei o lampião com todas as minhas forças, e a chama fraca se espalhou no líquido escuro.
—Urg— Talvez fosse pelo meu corpo gelado que tive que me afastar do calor.
—irrrrr
—Estou bem, Lucy, só fiquei surpreso.
Com a porta fechada, todo o armazém era iluminado pelo fogo no centro, e o calor se espalhava por toda a sala fechada. Me aproximei do fogo com a pele formigando e os olhos lacrimejando, todo o meu ser deseja calor.
“Como eu não morri?” Pelo estado do corpo, eu já devia ter morrido de frio.
Agora o fogo está garantido; estava na hora de comer. Peguei a panela, coloquei gelo, pendurei de novo. Com um pote de porcelana quebrada do chão, fui até uma sacola onde havia pequenos grãos conhecidos.
“Os anciões sempre diziam para plantar Sios, esses grãos são os salvadores na fome.
—Coloque água e Sios, é disso que muitos vivem.
Era o que eles diziam…”
Enchi o caco com Sios, voltei para a panela, sentei ao lado do fogo esperando o gelo derreter. Lucy aproveitando deitou atrás de mim e encarou o fogo. Agora, tinha garantido tudo para a sobrevivência e comecei a rever os acontecimentos.
“Primeiro eu morri e de alguma forma fui parar nesse mundo.” Isso já era garantido; um corpo de criança e um lugar desconhecido.
“Não há luz elétrica, casa que um simples sopro pode desmoronar da maneira que foi invadida; nada era como pré-caçador ou pós-caçador, deixando duas opções: medieval ou perto dela.” A estranha intuição, na verdade, é memória vindo em formas de sussurros ou pequenos flashes. Outra coisa era a mana; havia mana nesse mundo, e parece que antes mesmo desse corpo nascer, já continha uma pequena porção de mana.
Fortalecendo as provas de mana está a Lucy, uma inteligência como a dela não faz sentido para um animal sem mana.
“Estou cansado.” Tão cansado, meus olhos fechavam inconscientemente, e a escuridão me abraçava.
—Offf— Com um bufo na minha orelha acordei assustado.
—Porra quase dormi, Obrigado Lucy.— agradeci a pequena potra que voltou a encarar o fogo.
—É melhor eu garantir uma roupa. — As minhas roupas não passavam de trapos, provavelmente o garoto era um mendigo.
“Espera, qual é o nome do…”
—Arg!— Antes mesmo de terminar meus pensamentos, memórias de vários eventos passaram na minha cabeça, delas em vez de sussurros eram gritos e os flash eram vividos.
“—Não se aproxime!—
—Garoto amaldiçoado.—
—Isso é o que você merece por trazer a desgraça!—
—Amaldiçoado pelo gelo!—
—Devemos matá-lo!—”
Os flash eram de dor das pedras jogadas nele, fome que devorava seu órgão e olhos de raiva. E não aguentando mais os invernos tempestuosos me jogaram nas profundezas de uma caverna deixando para morrer e ser esquecido no escuro.
“Criança amaldiçoado pelo gelo, nome grande da porra” Amaldiçoado, com isso em mente foquei no interior do corpo havia um pouco de mana e mais nada, não havia maldição ou bênção do gelo para fazer tais coisas foi só uma coincidência.
—Haha. — Percebendo o azar do garoto soltei uma risada vazia enquanto me levantava.
—Não possuo um nome então irei me nomear… hmm. — Várias possibilidades vieram à minha mente, ignorei todas, queria caçoar da cara daqueles loucos, queria que tivesse conexão com o inverno.
—Atalis…— Atalis, Espírito do gelo, um dos gigantes nórdicos, filha de Ymir. —Lucy a partir de agora sou Atalis, a criança nascida do gelo.
Lucy começou a me encarar bufou em confirmação. Assentindo peguei o Sios e coloquei na panela com gelo derretido.
—E que esse Sios seja a prova de meu renascimento.
“Agora, vamos despir aquele corpo precisarei de roupas novas”. Mortos precisam ser respeitados, mas ele não vai usar essas roupas no pós-vida.
Fiquei no armazém até a nevasca acabar junto das roupas secas e quentes, só assim explorei a vila. Montado em Lucy fui para a casa do nobre, o lugar mais rico da vila, no caminho não vi pessoas ou cadáveres, tudo era branco de vez em quando manchas vermelhas. Aproximando cada vez mais do objetivo o cheiro séptico voltou, já podia adivinhar de onde vinha.
De frente de uma mansão, eu e Lucy não nos movemos a cena na minha frente era algo que até mesmo alguém acostumado a matar se sentiria enojado. Pessoas foram amarradas em estacas nas beiradas das ruas e na frente do portão de ferro uma pilha de corpos, todos os cadáveres estavam pretos.
Mordi meus lábios, a esperança que os invasores tivessem respeitado os mortos queimando seus cadáveres para purificação se foi. Os invasores queimaram para mostrar sua força e domínio, zombar daqueles que provavelmente resistiram ou simplesmente gostavam de fazer isso.
—Vamos Lucy.
Lucy começou a caminhar no meio da estrada o barulho de seus cascos na neve ecoavam por toda parte. Não falei nem pensei, simplesmente permaneci quieto, pelo menos essas pessoas mereciam descansar em paz agora.
Em frente ao portão de ferro desci da Lucy caminhei até encontrar uma parede invisível, uma barreira feita de magia.
“O senhor não confiava em nós, por isso chamou um homem de roupas largas para criar uma parede entre o povo e ele.” Sussurros cada vez mais vividos acabaram deixando algo.
—Vurt.— Uma língua rúnica com simbolismo de superioridade, vivi tanto tempo nos becos tornando invisível para os servos de boca solta da mansão.
A barreira se abriu com um tremor. Passando pela barreira e pelo portão de ferro entrei na mansão intocada. A mansão estava uma bagunça com sinais de fuga em vez de saque, não, agora seria saqueado.
“Preciso pegar tudo de útil carregável, não vamos pegar coisas muito caras para não ser suspeito futuramente.” Roupas, suplementos, livros, dinheiro, peguei tudo que era útil deixando o que era visivelmente caro ou raro.
No meio disso a fome veio, preparei o fogo da cozinha e os acompanhamentos não sabia qual era o tipo de carne, mas estava macia e saborosa.
—Não está pesado garota?
—Buff
Lucy estava do lado de fora já carregava duas bolsas cheias com suplementos pesando de uns 30Kg, não pude deixar de admirar sua força, mesmo um corpo magro pequeno já podia carregar esse peso.
—Velho Bor devia estar cego para não ver sua grandeza?
Terminando a conversa fui para o último cômodo a ser saqueado e assim que abri pude ver um escritório largo, uma escrivaninha, estante cheio de livros. O escritório era todo decorado com cabeças e tapete de animais, pinturas e uma espada pendurada.
“Tsk, é de enfeite.” Como alguém com conhecimentos de artes da espada podia perceber algumas diferenças entre as espadas.
—Além dos enfeites exagerados o punho é muito longo e o corpo muito pequeno a lâmina não possui fio nem desgaste.
Virei aborrecido porque não tinha encontrado nenhuma arma a não ser algumas adagas, frustrado encarei um espelho.
Nele um jovem de quinze anos com cabelos longos escuros, pele pálida, olhos redondos azuis cristalinos como gelo esculpido e se olhar profundamente nos olhos verá pequenas linhas se movendo para o centro constantemente como se fossem flocos de gelo.
As roupas eram um conjunto de blusas feitas de peles brancas com a neve acumulada dando uma atmosfera fria.
“Junto da aparência de jovem parece que realmente nasci do gelo.” O problema da aparência era o cabelo preto dando uma ilusão de incongruência como se fosse uma mácula na aparência.
—Devo pintá-lo?— Pensei em voz alta —Deve existir tintura para cabelo nesse mundo.
O quarto não tinha muito, sendo a maioria papéis, quando não encontrei mais nada na mansão fui até um pequeno quarto cheio de lenha, juntei tecidos, roupas luxuosas, cortinas, peguei óleo e gordura animal encharquei os tecidos.
—Lucy, você está pronta?
—Offf
Lucy agora com duas bolsas e uma cela esperava perto da janela do lado de fora abaixada. Recebendo a resposta acendi o lampião que encontrei e joguei perto da pilha.
Trink
Com barulho o fogo se espalhou pela gordura, pulei a janela, montei na Lucy.
—Com isso o cristal da barreira provavelmente vai ser quebrado apagando os vestígios de que foi alguém da vila e os bandidos serão culpados.
—Bufff
—Para onde vamos, vamos ver.
As memórias do meu passado ainda não estavam completas, mas já eram o suficiente para minha profunda ligação com Lucy. Uma ligação forte para entender seus bufos e rechear.
O mapa saqueado não era detalhado, era o suficiente para identificar algumas vilas e cidades, ter uma noção do tempo se a escala estiver certa.
—Vamos ao sudeste, a uma cidade daqui a 3 dias pelo desenho.
Lucy seguiu a direção que apontei, não estávamos com pressa e precisávamos ter energia para o frio e uma possível fuga então ela só caminhava. Poderia demorar, mas eu não queria lutar com uma possível criatura mágica com uma adaga então era uma troca justa.