Deckard - Histórias de outro mundo - Capítulo 15
Foi a pior semana naquele lugar, disparado. O treinamento, que Deckard já via como algo infernal, se tornou ainda pior do que ele poderia imaginar que seria possível. Já haviam se passado oito ou nove dias desde o desafio de Diane e ele ainda não havia conseguido nem mesmo realizar ⅔ de sua meta diária de exercícios.
A rotina de Deckard estava resumida a acordar cansado, esgotar quase completamente sua mente e seu corpo treinando controle de mana e afinidade elemental, tomar um banho gelado na cachoeira, caçar o seu almoço, ser torturado na parte da tarde com os exercícios físicos e o aprimoramento corporal, caçar seu jantar e terminar a noite cercado de livros até apagar no meio da sala de Diane. Tudo que ele mais queria era um dia de folga e algo lhe dizia que isso ainda estava bem longe de ser uma possibilidade.
— E então monstrinho? Como está indo seu avanço com o aprimoramento corporal? — Diane perguntou, enquanto se sentava para o acompanhar no jantar.
— De mal a pior. Ainda não consegui nem mesmo passar da metade da cota diária de exercícios — Deckard resmungou, enquanto tentava se sentar confortavelmente em meio aos livros, só para perceber que seria impossível.
Com o passar dos dias e do treinamento, ele estava se tornando meio rabugento por não alcançar seu objetivo.
— Se você quiser, posso reduzir seus exercícios para uma meta mais fácil — Diane disse, surpreendendo Deckard.
Ele parou de comer por um momento e a encarou. Parecia muito sincero da parte dela, mas ele não ia desistir do seu presente, principalmente por ser algo que o deixaria mais forte.
— Agradeço a oferta, mas eu não costumo desistir. Minha mãe costumava dizer que eu, assim como meu pai, sou feito de 50% de orgulho e 50% de teimosia.
— Uma combinação interessante, mas que pode ser meio perigosa, caso não aprenda a lidar com o orgulho. Tem um ditado que meu mestre me ensinou que diz que o orgulho precede a ruína.
— Não esperava ouvir um ditado tão familiar vindo de você. — Ele encarou Diane, com a surpresa escancarada no rosto.
— Bem, se você insiste em continuar com sua meta atual, a única coisa que posso te desejar é sorte e que Marte o abençoe, Deckard — enquanto terminava de falar, ela se levantou. — Estou me retirando, até amanhã.
— Obrigado — Ela já estava quase saindo da sala. — Não só pela benção, mas pelos seus ensinamentos, mestre Diane.
Ela parou por um segundo no corredor. Deckard achou que ela iria dizer algo, mas ela só seguiu pro quarto. Mas, não antes que ele pudesse ver um sorriso brincar no seu rosto.
— Mestre… — Diane se pegou pensando enquanto fechava a porta do quarto. — Talvez não seja tão ruim assim, mas acho que vou ter que corresponder à essa confiança.
Deckard já estava tão apegado à sua rotina que nem precisava mais que Diane o acordasse. Antes mesmo que os primeiros raios de sol aparecessem, ele já estava vestido, com sua mochila posta às costas e sua adaga na cintura.
Ele estava a ponto de sair, quando percebeu um pequeno embrulho deixado sobre a mesa com um bilhete.
— Presente de sua mestra, mas não se empolgue demais monstrinho — Deckard começou a sorrir, enquanto lia a carta em voz alta.
— Bem, parece que não é tão difícil amolecer aquele coração — ele não pôde deixar de se surpreender.
No verso do bilhete havia algo escrito. Instruções sobre o uso da pequena poção, que estava dentro de um frasco pequeno e bem entalhado no que parecia ser um cristal muito bonito.
— Bem, ao que parece hoje é uma folga — ele se sentiu feliz ao ler o verso. — Então, eu devo ir até a cachoeira, tomar essa poção e treinar meu controle de mana.
Não era exatamente uma folga, mas só de poder descansar um dia dos exercícios físicos, já era o suficiente para ele se sentir feliz.
Depois de chegar na cachoeira, ele subiu na pedra onde costumava treinar e tomou a poção. Apesar de sua alta expectativa, ele não sentiu nada diferente ao tomar o líquido.
Deckard se sentou e começou a circular sua a mana e treinar o controle. Envolveu seu corpo em mana e passou a circular ela o mais rápido que podia. Só então começou a perceber os indícios de efeito da poção.
Sua mana total pareceu aumentar sem parar e a velocidade em que Deckard estava circulando ela estava aumentando. Após uns 30 segundos, ele começou a ouvir um crepitar de eletricidade e percebeu uma nuvem se formando à sua volta, tomando um tom de cinza chumbo.
Conforme a sua absorção aumentava assombrosamente, a mana se tornava um vendaval metálico que começou a chiar e crepitar com pura eletricidade e ele pôde perceber que os raios estavam pouco a pouco superando a sua resistência elemental e começando a lhe causar dormência e dor. Ele tentou parar a mana circulante, só para descobrir que estava fora de controle e então começou a se desesperar, pois não queria morrer para seu próprio poder.
Deckard vasculhou à sua volta, em busca de Diane, mas sem sinal dela e nenhum sinal de aquilo ia parar. Pelo contrário, estava se tornando mais forte, mais doloroso e mais assustador. Ele demorou para perceber as formações metálicas que haviam se formado em torno de suas pernas e começaram a prendê-lo onde ele estava. Ele pôde ver que elas estavam crescendo rapidamente com o fluxo violento de mana e o prendendo cada vez mais.
— AAAAAH… SOCORRO DIANE — desesperado, Deckard passou a gritar, na esperança de que ela o ouvisse e viesse em seu socorro — Alguém… D-DIANEEE…
Subitamente, ele sentiu aquele sentimento familiar de formigamento que havia sentido tantas vezes em seu sonho, enquanto era atingido por um raio, logo antes de acordar. Tentou desesperadamente se soltar, sem sucesso e só pôde ouvir o som do relâmpago descendo, implacável e, como se fosse avisado por um sexto sentido, ele teve a certeza que seria o alvo.
O desespero tomou conta de Deckard outra vez, enquanto ele esperava sua morte, impotente outra vez.
— S-Socorr… — seu pedido suplicante foi interrompido por uma enorme trovoada…
BRRR-BOOOM! BRRR-BUUUUM! TROMMMM!