David Proxymus - Uma história sem herói - Capítulo 21
Ploft! O gorducho caiu de boca na lama. Ei, isso não é um bolo de chocolate, amigo!
O último menino, que era magricela e menor do que os outros dois, foi cruel. Vendo que Carl derrubara os dois maiores, ele lhe deu um chute no rosto do e ainda ajudou o gordo a se levantar. Ambos vieram para cima de mim depois.
Carl, com o nariz sangrando, fez um sinal de joia para mim. Ao ver aquilo, eu entendi o que ele queria que eu fizesse. Por isso, o pequeno David deixou os moleques acertarem alguns socos e depois se jogou no chão, gritando o mais alto que conseguia.
Os três garotos correram para dentro da floresta, talvez com medo de que os meus gritos chamassem a atenção das pessoas do parque.
— Você está bem? — O David perguntou para o Carl, que estava sorrindo como um idiota. Ambos estavam caídos no chão, cobertos de lama.
— Haha! Sim, estou bem. — Ele disse com um sorriso alegre. — Onde está a caixa? — O menino continuou se preocupando com os filhotes.
David o ajudou a se levantar, sorriu e apontou a caixa. Quando bem próximos, eles puderam ver que três dos cães pareciam bem, mas o quarto rosnava feroz para a gente.
— Shhhh! Calma, estamos aqui para ajudar… — Carl falou para o cão e tentou fazer carinho, mas foi recebido com uma cravada de dentes na mão.
Não me julgue por isso, mas para tentar fazer o animal soltar, o pequeno David ameaçou dar um tapa em sua cabeça. Ainda bem que o Carl gritou comigo antes que realmente o fizesse:
— Ei! Para que isso? Ele está apenas com medo e está protegendo seus irmãos.
O pequeno David olhou com grande admiração para Carl e abaixou o braço. Essa foi uma cena estranha de assistir, pois, aquela criança quieta que beirava a inexpressividade, era o meu eu do passado e mesmo assim, não parecia comigo.
Naquele momento, enquanto Carl fazia carinho no cão que o mordeu, a sensação de inércia voltou e tudo ao meu redor começou a retornar ao branco outra vez. Enquanto isso, um estardalhaço de vozes gradualmente aumentou e começou a perturbar a minha mente.
Isso me pôs de joelhos em segundos. As conversas eram incompreensíveis. Podia escutar gritos, lamentos, risadas e quando senti que meus ouvidos estavam prestes à sangra, consegui reconhecer uma única voz entre as centenas.
— Ei! ▬ está bem? Para onde ▬ vai? — Era a voz da Nilce. Todavia, ainda havia partes inaudíveis em seus questionamentos, por isso tentei focar o máximo que conseguia nessa única voz.
Assim que todas as outras vozes se tornaram secundárias, pude ouvir outra vez a prefeita perguntando desesperada:
— David? David, ▬ você pensa que ▬ fazendo? — Não houve resposta da minha parte. — Você não pode ir para lá! Se você for, provavelmente não voltará!
Mais uma vez não houve uma resposta minha. Para piorar, tudo acontecia tão rápido nesse mundo branco, que eu mal conseguia pensar. A última questão que pude ouvir, foi:
— Quem ▬ você? Você não é o David… — Ela afirmou, porém, sua voz já estava baixa e abafada, como se estivesse a escutando de baixo d’água.
— Sim, ainda sou o David. — Minha voz saiu calma e roca.
— Não, não é. Eu não sei se você é um demônio ou algo pior. Mas eu suplico, não cause problemas para esse rapaz.
Após ouvir aquilo, minha consciência enevoada despertou: O quê?! Que porra que tá acontecendo? Confuso, perambulei por aquele mundo alabastrino, contudo, nunca chegava a lugar algum. Não sei dizer quanto tempo passei nesse loop, onde a única coisa de diferente que acontecia, era o bater de uma brisa relaxante que jogava meu cabelo para trás.
— Dá para parar de se debater aí dentro? — A mesma voz que eu normalmente escutava dentro da minha cabeça, pareceu vir de todos os cantos daquele lugar infinito.
Eu respirei fundo e enquanto tentava manter a calma, indaguei: — Onde eu estou?
As vozes não me responderam. Isso quase me fez querer explodir de raiva, contudo, me espelhando naquele David calmo que presenciei na lembrança, tentei pensar antes de agir.
O que eu fiz de errado? Tlec! Como um estalo mental, a resposta apareceu na minha cabeça. Como eu pude ser tão idiota de confiar nas palavras de alguém que está preso na minha cabeça? Se usando somente a imaginação, cedi meu corpo para essa coisa, tenho certeza que posso repetir o processo para voltar ao controle.
Sim, talvez essa fosse uma solução simples demais para dar certo, mas eu ainda tinha que tentar, senão minha situação não iria mudar. Mantive o foco, parei de pensar na brisa que atingia às vezes o meu rosto e enfim ela sumiu.
— O que está fazendo? Não se intrometa! Se você se libertar agora, nós dois vamos morrer! — As vozes gritaram desesperadas.
Eu hesitei ao escutar a palavra “morrer”, mesmo assim continuei a mentalizar a mesma porta que imaginei quando vi a silhueta de olhos amarelos. Ainda havia a chance daquilo que disseram ser verdade, porém, como eu poderia confiar neles?
— Eu sei de tudo sobre você! Se você quiser eu conto, só não nos prenda outra vez!
Claro que mais uma vez fiquei tentado a aceitar. A lembrança vívida, mas curta, que experimentei com o Carl, foi o suficiente para eu desejar ter mais daquilo. Entretanto, o que um acordo com aquelas vozes poderia me custar? Minha própria liberdade.
A porta que imaginei naquele mundo alabastrino, lentamente foi se abrindo. À medida que eu me aproximava daquilo, minha convicção aumentava. Olhando para aqueles olhos amarelos, eu disse: — Me deixe sozinho, demônio.
— Sem mim, você não vai conseguir fazer nada! Você não tem um Manto! — As vozes, aflitas, quase uivavam.
A porta se escancarou, a dor passou. O mundo ao meu redor, que antes era albugíneo, aos poucos começou a ser tomado pela escuridão. Eu instintivamente corri para a porta. Brooom! Ela fechou com força quando a ultrapassei.
『Você não está sozinho! Seu fracote de merda! 』
Isto até poderia soar assustador, se não fosse reconfortante.
Eu não sei como é recobrar a consciência após ser atropelado, porém, tenho certeza que não é muito diferente do que senti ao acordar.
Por todo o meu corpo, havia diversas queimaduras e arranhões. Também mal conseguia me manter em pé, graças aos meus tornozelos inchados e quase torcidos. Para piorar, o motivo de tais ferimentos estava logo à minha frente: O Vulcão do centro da Zona Morta.
Que merda… Eles não estavam blefando, pensei ao mesmo tempo que olhava ao redor. Todo o cenário parecia ainda pior pessoalmente. As estalagmites se assemelhavam a arranha-céus e o calor do ambiente já havia ressecado minhas narinas.
Como eu estou aqui? Isso não fica há mais de quatro mil quilômetros da cidade de Ponpye?
Eu estava em cima de uma estalagmite quebrada. O que me deixava a, pelo menos, vinte metros do chão. Fluuúuuushhh! A crepitação de um fogo roubou a minha atenção.
Entre o labirinto de lanças gigantes, um rapaz de armadura dourada corria de algo tão grande que fazia o chão tremer.
— Corram! Corram! — Jadson gritava para os homens que o seguiam de perto, os quais estavam tendo que lidar com vários besouros que tinham, no mínimo, o mesmo tamanho de um gato persa.
Uma criatura meio-lagarto e meio-tartaruga, seguia o sexteto que avistei enquanto cuspia uma torre de fogo. Flushhh!
Eles ainda estão resistindo? Eu tenho que ajudá-los! Porém, quando tentei levantar e minha perna doeu, algo que eu nem lembrava mais, apareceu para me perturbar.
Que merda! Eu estou machucado assim porque as vozes devem ter usado o Manto da Raiva para me trazerem até aqui, pensei enfurecido com a situação que me botaram. Me diz que há alguma coisa aqui que pode me ajudar.
Quando a tela de sistema abriu, eu ignorei a Janela Geral e as Skills e fui direto para os atributos, porque era o único lugar que ainda não havia tido a chance de conferir.
Nível da Aura? Espírito? O que essas merdas significam? Calma… isso deve ser alguma sacanagem comigo. Três de força? Eu sou o quê? A porra de um bebê? Ao pensar isso, o sistema me respondeu com uma tela que me fez sorrir de orelha a orelha.