David Proxymus - Uma história sem herói - Capítulo 20
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- Capítulo 20 - "Com licença... onde eu estou?"
『 David, nós podemos fazer o som parar. Você deseja isso? 』
— Por favor! — supliquei.
『 Tudo bem. Primeiro, imagine que está numa sala branca. Lá, existirá uma porta nos separando. No momento, essa porta está entreaberta. Basta abri-la para mim. Assim tudo cessará. 』
Então o fiz. Primeiro, visualizei a sala branca. Depois, a porta entreaberta. Curiosamente, vi uma silhueta alta e forte me olhando pela fresta dessa porta. Os olhos daquilo eram amarelos e brilhavam em meio a escuridão do outro lado.
Após vê-lo, abri a porta com curiosidade.
Isso é tão real… Normalmente quando imaginamos algo, a coisa não fica nítida até colocarmos em prática. Isso serve para ideias, sonhos, arte e até a escrita.
A diferença entre imaginar algo e conseguir tornar algo real é bem grande. Enquanto algumas pessoas só são ótimas em imaginar, outras são boas em reproduzir.
Estou dizendo isso porque algo dentro de mim, tornou o mundo alabastrino real durante a noite e a noite, e estava fazendo o mesmo naquele momento.
Estou sonhando? Os sons das espadas, os gritos e os rugidos… Tudo finalmente cessou.
Um novo surgiu instantes depois: o farfalhar de diversas árvores. Quando pisquei os olhos, já não estava mais naquela sala branca. Eu estava num parque.
— Hum?
“Bom-dia! Em plena já estão fazendo 17 °C, e a máxima está prevista para 25 °C! Sim, esse será um dia bem longo para os amantes do frio. Sou o Tino Abreu e este é o programa de rádio Manhã do Bem” Disse uma voz que saia de um pequeno rádio que estava em cima do banco de madeira ao meu lado.
O dono do rádio aparentemente era o velho sentado no banco. Ele jogava migalhas para alguns pombos que se amontavam para comer.
— Com licença… onde eu estou? — perguntei para ele.
— Oh? Uma criança… está perdido garotinho? Chamarei os guardas. Não saia daqui. — Ele respondeu preocupado, levantou-se apressado e começou a andar a passar largos.
Garotinho? Ou estou cuidando melhor da minha pele do que esperava, ou aquele velho era cego.
— Ei, David! Você chegou bem cedo hoje! — gritou uma voz fina, que pareceu familiar para mim.
A voz veio da entrada do parque. Quando me virei para ver quem me chamara, avistei um garoto correndo na minha direção. No momento, nem consegui reconhecê-lo.
Essa criança tinha cabelos negros, assim como os meus, mas que eram ondulados nas pontas. Usava óculos quadrados, vestia uma regata e uma bermuda marrom.
— Desculpa, mas quem é você? — questionei. Eu podia jurar que nunca vira aquele menino antes, porém, ele agia como se fossemos próximos ou algo assim.
A criança fez cara de assustada e seus olhos encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse dizer algo, o garoto saiu correndo da trilha para o meio do bosque.
Observar as costas do garoto sumir entre os arbustos, despertou algo dentro de mim. Um turbilhão de memórias invadiu a minha cabeça e…
Aquele era o Carl? Sim! Era ele! Como pude esquecer seu rosto? Eu sou um péssimo amigo, pensei ao finalmente lembrar do rosto de uma pessoa que conheci na Terra, o que quase me fez chorar também.
Sim, sim! É isso! Ah, que alívio, eu tinha um amigo. Eu tinha um melhor amigo.
Mas como estou aqui de volta? Eu costumava brincar nesse parque com ele quando éramos crianças. Olhando para as minhas próprias mãos, vi como elas eram pequenas e gordinhas. Eu também estava vestindo meu característico macacão jeans, que era meu uniforme para brincar na rua. Não me diga que… A ideia de viagem no tempo passou na minha cabeça por um segundo. Não, eu não estou numa novel isekai sem roteiro.
A sensação de lembrar de algo que havia esquecido, era parecida com a de ser completado por algo. Era como ter um sonho realizado.
Ok. Isso é uma lembrança vívida. Como um sonho, concluí.
Se eu estava revivendo uma lembrança, havia um motivo para isso? Sem saber as respostas para esse tipo de questão que borbulhava na minha cabeça, decidi tentar encontrar o Carl, afinal, era isso que eu faria.
Enquanto seguia os passos do garoto que estavam marcados na terra molhada, comecei a me lembrar daquele dia. Era uma sensação estranha. A cada passo que eu dava, sentia meu cérebro estalar e um sentimento parecido com o de déjà vu surgia.
— Ei! Parem com isso! — Ouvi o Carl gritar.
Corri na direção da voz dele. Quando me aproximei, o avistei com suas canelas-finas tentando afugentar três garotos. Tentei correr até ele, mas minha consciência foi travada por algo.
E então, pude assistir o pequeno David andar na direção do seu melhor amigo.
— Carl? O que está acontecendo? — O David perguntou se aproximando.
O menino de cabelos cacheados virou o rosto aliviado e depois voltou a olhar bravo para os moleques.
— Eles estavam jogando pedras naquela caixa — disse Carl, apontando para a caixa de papelão próxima às outras crianças.
O pequeno David se manteve inexpressivo. Olhou para os moleques e foi na direção deles. Os três cerraram os punhos, mas não ousaram dar o primeiro golpe. Eu, que tinha cabelos longos naquela época, os ignorei como se não estivessem ali.
Ao abrir a caixa de papelão amassada, que estava quase se desfazendo de tão molhada, vi que o conteúdo que havia ali dentro, era motivo o suficiente para Carl arranjar briga até se homens crescidos no lugar daqueles moleques.
Havia quatro filhotinhos de cães sem raça. Seus pelos tinham a mesma cor de caramelo e tinham várias manchas brancas espalhadas pelo corpo.
O pequeno David olhou com desprezo para os três, que tentaram rapidamente se defender. — OH?! Esse seu amigo aí que é estranho! Ele começou a gritar com a gente do nada! — O garoto que parecia ser o mais velho tentou se explicar.
Esse menino não é velho demais para estar brincando no parque? Ele aparentava ter, pelo menos, mais de 13 anos. Também parecia do tipo que estava começando a fazer coisas rebeldes. Percebi isso porque ele estava usando uma calça branquinha num parque todo enlameado.
Além disso, ele estava segurando uma pedra na mão direita, sem mencionar que estava com o peito estufado de orgulho, como se fosse o próprio Draco Malfoy.
— Carl, o que você acha? São apenas cachorros. — Eu disse de uma forma tão fria que surpreendeu até o meu eu crescido.
— É isso! E é bom ir andando, senão a gente arrebenta vocês dois! — gritou um menino gordinho e baixo, que antes estava se escondendo atrás do mais velho.
— Vão embora e se quiserem, podem levar esses pulguentos! Puft! — O último garoto chutou com força a caixa de papelão dos filhotes.
Carl quando viu tal ato, não conseguiu se conter e partiu sozinho para cima dos três.
— Vocês são… uns merdaaaaas!
Ele foi recebido com um belo chute do moleque mais velho, e a batida foi tão forte que fez o Carl cair para trás.
Os três meninos começaram a gargalhar.
— Um já foi! Agora falta o outr… — Naquele momento, mesmo caído, Carl chutara a perna direita do mais velho, que caiu no chão lamacento e sujou toda a calça branca.
Foi nossa vez de dar risada da reação de desespero do babaca. O meu do futuro riu, porém, o do passado não expressou nenhuma reação.
O moleque se levantou rápido, chutou com força a barriga do Carl e começou a correr para cima do pequeno David, furioso.
Contudo, o David desviou com facilidade de todas as tentativas de socos e chutes do valentão.
Espera, isso sou eu lutando? Mas nem fodendo, pensei incrédulo ao me ver agir com tanta calma.
— O que estão fazendo aí parados? Venham me ajudar! — O mais velho gritou para seus companheiros.
O garoto gordinho tentou correr na direção do David, mas sua visão limitada pela raiva não contava com o ataque rasteiro do Carl, que colocou a perna direita no caminho do menino. O rechonchudo caiu de boca na lama.