Carnaval no Abismo - Capítulo 22
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- Capítulo 22 - A Complexidade de uma Devoção Obsessiva (2)
Acordei.
Estou, definitivamente, acordada.
Braços e pernas, confere.
Pensamentos, confere.
Visão, confere.
Vontade própria, confere.
Augusto ainda me segura com firmeza. Antony permanece parado bem na minha frente com seus olhos fixados nos meus. Entretanto, de alguma forma, continuo sendo eu mesma.
Por que estou consciente?
Será que o garoto anjo simplesmente desistiu no meio do caminho? Do nada, abandonou toda a sua devoção obsessiva por Hillary?
— Ei, qual é a desta cara? Por que está chorando? — Além de remorso, não restam dúvidas de que ele também está sentindo pena de mim. — Pode parar de me olhar deste jeito? Está me deixando enojada.
— Desculpe-me, senhora. Não é nada. — Rapidamente, enxugou suas lágrimas. — Só me lembre de te agradecer depois, tá bom?
— Agradecer? Pelo quê?
Estou incrédula e confusa. O que aconteceu nos poucos segundos que fiquei desacordada? Por que parece que perdi o clímax de um filme?
Não entendo, e odeio não entender.
Antony se virou na direção de Hillary com uma expressão difícil de entender. É de dor? Medo? Apreensão? Hesitação? Não consigo afirmar. Ainda assim, sem sequer precisarem trocar palavras, a garota de cabelos brancos compreendeu o que estava prestes a acontecer, e esse futuro a assustou de verdade.
Bem, talvez a palavra “assustar” seja simples demais para descrever. Minha aluna ficou desamparada, traumatizada, em pedaços.
— Não abra a boca, meu irmão… Por favor, não ouse…
Está se sentindo extremamente traída. Provavelmente, o seu coração dói bem mais do que quando foi abandonada na infância, agredida pelo dono do orfanato ou trancafiada em um quarto por meses.
— Traga-os de volta, irmã. Não temos o direito de interferir na vida dessas pessoas apenas porque não tivemos sorte nas nossas. Precisamos parar de invejá-los e construir um futuro que envolva a todos, não apenas nós.
— Não, não, não! Cale a boca!
— Quem é o nosso inimigo? Contra quem estamos lutando? Em nenhum momento, pensou que as nossas ações já não fazem mais sentido? Olhe bem para todos eles. Tomamos suas liberdades à força e colocamos cadeados em seus corações, assim como o nosso padrasto fez com a gente.
— Pare, pare! Depois de tanta luta para construirmos um mundo melhor, não ouse dizer que estamos errados!
— Viramos aquilo que mais odiávamos, irmã. Nós somos os únicos monstros que restam. — Deu um sorriso triste. — Por isso, pense comigo. Sendo a parte podre do mundo, aquilo que precisa ser jogado fora, devemos nos punir da mesma forma que punimos os outros?
Antony deu um passo na direção dela e estendeu sua mão direita. Porém, em vez de aceitar a ajuda, Hillary recuou vários passos.
— Não, por favor…
— Irmã, venha comigo.
— Fique longe de mim!
Movidos pelo grito desesperador dela, todos os alunos hipnotizados entraram em frenesi, tentando de tudo para escaparem das suas algemas. Foi também neste momento que Augusto agarrou o meu pescoço com extrema violência.
— Argh!
Imediatamente, minha visão começou a falhar. Toda a audição foi substituída por um chiado insuportável. A dor que paralisou o meu corpo me fez ter certeza de que a última coisa que me mataria seria a falta de ar.
— Larga ela! — Keyla se jogou sobre Augusto, tirando-o de cima de mim e tomando o lugar de refém ao ser imobilizada. — Tá me machucando, idiota! Você realmente não me reconhece mais?!
Sem receber uma resposta do seu amigo vazio, ela foi arrastada até ficar de frente para Hillary.
— Não se preocupe. — A garota anjo agarrou a cabeça de Keyla pelo queixo e a hipnotizou sem hesitar. — Agora que os dois são iguais, poderão ficar juntos para sempre! — Furiosa, voltou-se na nossa direção. — Se algum de vocês mover um músculo, será o fim! Ordenarei que todos sob o meu controle engulam suas línguas e acabem com suas próprias vidas!
Isso não é bom… Nada bom.
Basta mais uma palavra errada para um desastre acontecer. Ainda assim, Antony não se intimidou e avançou outro passo.
— Olhe para si mesma. Ouça o que acabou de dizer. Você ameaçou tirar vidas de pessoas inocentes, irmã. Isso não é o completo oposto do mundo que você deseja criar?
Essas palavras fizeram com que a realidade finalmente caísse sobre Hillary. Os olhos arregalados dela marejaram, seus joelhos começaram a perder as forças.
— Não, isso é… — Levou a mão esquerda ao rosto e tocou sua expressão franzida. — Eu nunca quis… Eu, eu…
A dúvida que infectou a índole dela feito uma doença maligna, também afetou o seu poder. Como no caso de Antony, o controle mental só funcionou enquanto a controladora tinha total convicção dos seus atos. Assim que os seus sentimentos se tornaram instáveis, as cordas enfraqueceram e se romperam, permitindo que as marionetes caíssem.
Notei que Lorena foi a primeira a acordar. Algemada sobre o gramado, ela parece meio embriagada, tendo dificuldades para assimilar todas as memórias do tempo que ficou hipnotizada. Passados alguns poucos segundos, outro aluno despertou, e, depois, mais outro.
Com o começo do fim, Hillary chegou ao ápice do desespero. Para ela, não resta outra opção além de fugir antes de ser abandonada e capturada por todos os seus antigos fiéis. Precisa de um amanhã para poder respirar fundo e recomeçar.
— Vamos sair daqui!
Direcionou essa ordem aos seus dois últimos subordinados, entretanto, apenas Keyla correu ao lado dela pelo campo de futebol. Augusto caiu de joelhos, parecendo estar com uma forte dor de cabeça. Aparentemente, ele também retornou, mas vai precisar de mais algum tempo para se recompor.
— Senhora, precisamos ir atrás delas! — De repente, Leógenes gritou.
— Não. É mais seguro deixá-las sozinhas por enquanto. Se pressionarmos Hillary do jeito que ela está agora, alguém pode acabar se machucando. — Falei.
Abandonando completamente a sua personalidade calculista, o garoto segurou o meu colarinho ferozmente. Sua expressão mostra um desespero genuíno, quase como se tivesse previsto um futuro sombrio.
— Se não formos agora, aí sim pessoas vão se machucar!
— Tem certeza disso?
— Anda logo, o tempo está correndo!
Leógenes avançou na frente a toda velocidade, e dispostos a não pagar para ver, eu e Antony o seguimos.
— Juliana, cuide das coisas por aqui! — Ordenei.
— Pode deixar!
Ela e todos os outros do meu time já estão libertando os seus colegas de classe aprisionados.
— Ah, droga…
Como não sabíamos qual tinha sido a saída exata que Hillary escolheu, chegamos tarde demais ao estacionamento do estádio, não encontrando nenhum rastro das duas.
— Pra onde elas foram?! — Leógenes perguntou, desesperado.
— Keyla sabe dirigir, então podem ter ido para qualquer lugar. — Respondi, ainda ofegante por causa da correria.
— Está tudo bem, nós vamos encontrá-las. — Antony tomou a dianteira, já procurando algum veículo para usarmos. — Existe apenas um lugar onde ela pensa que pode se esconder do restante do mundo.