Carnaval no Abismo - Capítulo 14
[10 de agosto]
O local da atual batalha é a Rodoviária Interestadual de Brasília. Arquitetura realmente interessante com uma grande quantidade de pátios e lojinhas, próximo de vários pontos turísticos e do mais conhecido shopping da região.
Só Deus sabe o tanto de dinheiro que lavaram nas reformas deste lugar, pois as fissuras em diversas estruturas fazem parecer que tudo pode vir abaixo a qualquer momento.
Diariamente, milhares e milhares de pessoas passavam por aqui, mas agora parece mais um gigantesco labirinto fantasmagórico repleto de automóveis vazios. Obviamente, também deveria estar no mais absoluto silêncio, porém, gritos histéricos cortam o ar sem cessar. Mais precisamente, os meus gritos.
— Uuuaaaaaa!! — Virei num corredor à toda velocidade, tentando despistar o grupo de malucos que me persegue. — Não me diga que até mesmo a capacidade deles de sentir fadiga foi tirada pelos anjos?! Se foi isso, estão trapaceando! Cadê o VAR?! Chama o VAR!!
À medida que avanço, derrubo todo o tipo de porcaria que encontro pela frente numa tentativa de retardá-los. Fardos de comida vegana, carrinhos cheios de pequis nojentos, discos falsificados de diversos sertanejos universitários, mas nada parece funcionar. Estão cada vez mais pertos de mim.
— Mas que inferno! Larguem do meu pé!
Já se passaram três dias desde que os irmãos Vasconcelos roubaram a alma de boa parte dos seus colegas de classe e os transformaram em marionetes. Pessoas sem ego, sem vontade própria. E assim que conseguirem olhar nos meus olhos, a utopia deles estará completa. Uma sociedade sem diferenças, preconceitos, inveja, ódio e tudo mais, nascerá.
Bem, à primeira vista, isso pode até parecer uma coisa boa, mas se olharmos com um pouco mais de cuidado, veremos que o buraco é bem mais embaixo. Isso porque o modo que Antony e Hillary encontraram para criar um falso paraíso, foi apagando o livre arbítrio de todos, sugando suas almas, ambições e tudo que os tornavam vivos.
No momento, sou uma das duas pessoas em todo o planeta que pode atrapalhar o plano deles e impedi-los. De outra forma, o meu futuro sossegado na beira de um córrego no interior, tomando uma dose de cachaça nordestina, entrará pelo ralo.
— Por isso, não pensem que me entregarei tão facilmente, miseráveis!
Entrei em uma loja de celulares e me escondi atrás de um balcão. Alguns segundos depois, cinco alunos adentraram o recinto. Na dianteira, está Leógenes, segurando firmemente a sua arma mortal, um taco de golfe.
Obviamente, ele é o líder do exército da Nova República Federativa do Sete a Um — nome provisório —, o garoto com a importante missão de não me deixar dormir à noite e também o alvo da minha pesca de hoje.
— Keyla, agora! — Gritei.
No mesmo instante, a pequena ruiva saiu de trás de uma estante e apertou o botão do extintor de incêndio modificado que segurava, mirando o jato bem nos rostos dos seus colegas de classe. A mistura poderosa de alho, molho de pimenta e bebida detox foi extremamente eficiente, provocando não apenas uma boa distração como também a extrema agonia dos nossos inimigos.
Aproveitando essa brecha, catei minha poderosa rede e a lancei com exímia perfeição no rumo de um certo garoto de cabelos que parecem ter sido cortados com o auxílio de uma cuia, capturando-o.
— Vem cá, danada! — Rapidamente, dei um bandão nele e o puxei para o lado de fora. — Keyla, tranque a porta!
Assim que a ruiva saiu, apertou o botão de um controle e, imediatamente, o portão automático se fechou, aprisionando o restante dos zumbis dentro da loja.
— Groooaaa!!
— Waaaaa!!
Só pelas pancadas violentas que o pobre portãozinho está recebendo, acredito que não deve demorar muito até eles conseguirem escapar. Precisamos dar no pé antes disso.
— Mas que força é essa, moleque?! Não condiz com o seu corpo de esquilo!
Leógenes tentou fugir e, provavelmente, teria conseguido se a impiedosa Keyla não estivesse comigo. A ruiva se aproximou como quem não quer nada e aplicou um enforca gato no seu “amigo”, apagando-o em questão de segundos.
Cruel, cruel demais. Gostei.
— Muito bem, vamos nessa. — Arrastei o menino inconsciente até a Lamborghini amarela que peguei emprestada. Depois, o joguei de qualquer jeito dentro do porta-malas. — Segure-se firme, tá? Talvez, eu dê um cavalo de pau ou dois no meio do percurso. Nada pessoal.
Comigo na direção e Keyla devidamente afivelada no assento ao lado, fomos embora em alta-velocidade, cantando pneus rumo ao atual esconderijo da nossa aliança rebelde: o Museu Nacional de Brasília.