Carnaval no Abismo - Capítulo 11
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- Capítulo 11 - A Complexidade das Extremas Direita/Esquerda (3)
— Mas que diabos?! Esse garoto não corre rápido demais para um humano normal?! — Gritei desesperadamente.
— Bem, ele não era o às do time de futebol à toa! — Augusto resmungou tão desesperado quanto eu.
— Tenho certeza de que ele não jogava correndo de quatro feito um… Cachorro Magro!
Sem um destino específico, apenas saímos correndo pelo campus buscando algo ou alguém que pudesse nos socorrer daquele que está cada vez mais próximo, mas não encontramos nada. Então, após longos segundos de correria e gritaria desenfreada, chegamos ao fim da linha, um beco sem saída.
— Essa não! — Como não tenho mais de onde tirar forças, apenas balancei uma bandeira branca. — Okay, ele nos pegou! Game over!
— Qual é, senhora?! Como pode desistir tão facilmente após ter sacrificado o seu precioso sutiã para escapar daquela sala?!
— Não era tão precioso assim. — Segurei os ombros dele e dei o meu famoso olhar calmante. — Acabou, Anakin. Ele está em terreno alto.
— Como é? Ahn? Não fale isso como se fosse uma despedida!
Primeiro, equipei uma expressão de puro terror no meu rosto. Depois, voltei-me do adolescente confuso para o meu perseguidor.
— Garoto, pode fazer o que quiser conosco, mas eu imploro… Não nos tranque naquele canil! — Apontei para a pequena construção de paredes gradeadas ao lado de um dos prédios. Era o local usado para acomodar cachorros de rua, uma espécie de trabalho voluntário praticado pelos alunos antigamente. — Não suporto o cheiro de excrementos! É bem capaz de eu enlouquecer se ficar lá por um minuto sequer!
Antony abriu um grande sorriso, provavelmente, imaginando-me em desespero após ser cruelmente torturada por ele. Ou, quem sabe, imaginando-se no meu lugar.
— Os dois para a jaula, agora! — Ordenou.
Fomos largados dentro do fedorento espaço de três banheiros químicos. Por mais que todos os animais tenham desaparecido da face da Terra, curiosamente, as fezes deles continuam nos mesmos lugares só para alegrar ainda mais o meu dia.
— Ei, por acaso, vocês não estão pensando em nenhuma loucura, né? — Falei logo após Antony trancar o cadeado da porta.
— E se estivermos? O que fará para impedir?
— Eu? Nadinha. Tô de boa aqui no meu cantinho. — Dei de ombros. — Mas apreciaria bastante se matasse uma curiosidade minha antes de partir. Por que você aceita tão facilmente ser apenas um objeto nas mãos da sua irmã? Não é do feitio masculino se rebaixar tanto por alguém ao ponto de aceitar qualquer tipo de ordem sem questionar. É por que gosta da sensação de ser tratado feito um merda?
— O seu ceticismo é bem plausível, mas pensa dessa forma apenas porque não tem uma irmãzinha pra cuidar, senhora. Se tivesse, entenderia a profundidade dos meus sentimentos. — Uniu as mãos em sinal de oração e olhou para o céu, viajando na maionese. — Irmãzinhas são as melhores coisas do mundo! Elas existem apenas para trazer um pouco de amor e doçura para este planeta banhado em acidez e escuridão! Ver a minha irmãzinha feliz é o que mais me motiva a lutar! Realizar os sonhos dela é o meu precioso desejo! Ter a minha cara banhada pelo mijo dela é o meu principal objetivo para poder zerar a vida!
— Ai, ai, ai… Cara, você tá completamente podre. — Augusto tirou as palavras da minha boca.
— Bem, é isso. Espero que os dois apreciem a estadia neste hotel cinco estrelas. Amanhã de manhã, retornarei com a ração de vocês dentro de uma vasilha de margarina.
Curvou-se, deu as costas e foi embora. Sequer olhou para trás, sem mostrar nenhum pingo de remorso por ter abandonado uma princesinha e seu arqui-inimigo no frio.
Saco… Tô vendo que a noite vai ser bem longa.
— Muito bem, senhora! E agora, qual é o plano?
— Hum? Mas que plano? Não tenho nenhum.
— Como assim?! E toda aquela ladainha para sermos trancados aqui?! Pensei que tinha alguma ideia brilhante na cabeça!
— Que nada. Só não queria ser mordida no tornozelo por um pervertido. — Chutei umas bostinhas para o lado e sentei no chão. — Ei, deixando isso de lado. Que tal contar como você e o Cachorro Magro se conheceram?
— Certeza? Será uma história bem longa.
— Pelo menos, vai servir pra passar o tempo. Apesar de que, neste momento, eu queria mesmo era estar me arrastando na direção da privada após ter vomitado o quarto todo.
— Tá legal! Então, primeiro temos que voltar para o lindo dia em que conheci Keyla naquele parquinho…
Foi de fato, uma longa história. Por isso, acho melhor resumi-la.
Augusto e Keyla tinham apenas doze anos quando aconteceu. Eles voltavam da escola durante uma tarde chuvosa sem terem um único guarda-chuva sequer para se protegerem. Mesmo nessa época, o menino já estava ciente do tremendo azar que perseguia a sua amiga. Afinal de contas, já colecionava uma dezena de situações em que teve que salvá-la de alguma situação perigosa. Porém, nesse dia em especial, a sina dela atacou com mais força que o habitual.
Sem aviso prévio, uma enchente furiosa invadiu a rua por onde eles caminhavam, carregando consigo tudo o que encontrava pela frente. Augusto teve a sorte de achar uma grade para segurar. Entretanto, Keyla foi engolida pela água barrenta.
Desesperado, o menino começou a gritar o nome dela. Chegou a cogitar a possibilidade de largar o seu único ponto de apoio e ir procurá-la, mas não teve coragem.
No dia em que se conheceram, Augusto prometeu para si mesmo que a protegeria de tudo e todos. Porém, quando o momento da provação chegou, ele se acovardou. A única coisa que pôde fazer foi chorar e implorar a Deus por um milagre.
Para a sua sorte, o pedido foi atendido.
Vindas do céu, duas crianças gêmeas abraçadas puxaram Keyla da lama. Tinham cabelos brancos, olhos azuis e usavam o mesmo uniforme escolar de Augusto. O mais curioso, fora o fato de estarem voando, era que cada um deles possuía apenas uma asa. O menino, a direita, e a menina, a esquerda, forçando-os a colaborarem para poderem flutuar acima da enxurrada.
A pequena ruiva estava à salvo e Augusto em grande dívida com aquelas criaturas divinas.
— Sério isso? Anjos? Tem certeza que não bebeu muita água lamacenta quando se afogou?
— Não estou mentindo! Antony e Hillary salvaram Keyla naquela tarde!
— Tudo bem.
Apenas levantei as mãos, desistindo. Já vi coisas estranhas demais nos últimos dias para duvidar dele.
— Então? O que aconteceu depois?
— No dia seguinte, procurando agradecê-los pessoalmente, andei de sala em sala até encontrá-los. — Augusto fez uma careta de nojo. — “Quem é você?”, foi o que Antony perguntou assim que falei com ele! Já Hillary sequer olhou para o meu rosto! Depois, ainda tiveram a audácia de mandar eu sair da frente porque estava atrapalhando a passagem! Dá pra acreditar?!
— Na verdade, eu consigo imaginar tudo isso acontecendo perfeitamente.
— Após mais algumas investigações, descobri que os dois eram malditos duas caras que se aproveitavam e manipulavam os seus colegas de classe apenas para se tornarem famosinhos descolados! — Cerrou o punho e fez um gesto feio. — Fora que aquele desgraçado do Cachorro Magro vivia cercado de garotas, recebendo uma confissão atrás da outra, mas nunca ficando com ninguém porque preferia fazer… obscenidades com a própria irmã!
— Então… você confessa que passou a infância toda os perseguindo?
— O quê?! Não! Apenas queria ter certeza de que não estava delirando naquela tarde!
— Então… também confessa que não sabe se eles são, de fato, anjos.
— Também não é isso!
Suspirei.
— Bem, tem mais alguma coisa que eu precise saber?
— Sim, apenas mais uma. — Augusto deu um sorriso tenso. — Como você acha que eles podem dominar o mundo?
— Hum? Não faço ideia…
— Simples. Fora as asas, os dois possuem mais uma peculiaridade. Algo que batizei de “efeito frango-assado”. O dom de escravizar os outros com apenas um olhar profundo. Além de toda aquela beleza, esse é o principal motivo para eles serem tão conhecidos em todo o colégio.
Vixe, outra habilidade problemática dá as caras, e lá vamos nós entrar de cabeça em mais uma situação de merda novamente.
— Certo, isso requer mais investigação. Temos que descobrir o que os gêmeos estão tramando e, se for algo maligno, impedi-los.
Levantei e bati a poeira das minhas roupas. Já é noite no lado de fora, mais ou menos a hora do jantar. Provavelmente, todos os alunos devem estar reunidos no refeitório, o que dá uma oportunidade perfeita para Antony e Hillary atacarem.
— Pensou em algum plano para escaparmos?!
— Algo do tipo. Você já assistiu Bater ou Correr? Mais precisamente, a cena onde o Jackie Chan entorta as barras de uma cela com um pano molhado?
Logo que comecei a colocar o meu brilhante plano de fuga em ação, Augusto entrou em estado de choque, completamente perturbado.
— Se-se-sen-senhora?! O q-qu-que diabos está fazendo?!
— Ora, não é óbvio? Estou tirando a minha calcinha para podermos entortar as grades da porta. Ou acha mesmo que estragarei o meu terninho? Ele foi bem caro, viu?
— Eu posso emprestar a minha camisa!
— Ah, é mesmo! Foi mal, isso sequer passou pela minha cabeça. Agora já era. — Dei um sorrisinho travesso para ele. — Se essa cena estiver sendo demais, sinta-se livre pra virar de costas.
— Como se a puberdade deixasse! — Deu um soco violento num certo lugar. — Já mandei ficar quieto no seu canto, Jack Black!
Fui até a porta do canil e analisei o meu obstáculo. Acho que vai funcionar.
— Beleza, calcinha pronta. Agora só precisamos molhar ela para adquirir firmeza. — Lancei a roupa íntima na direção de Augusto, que, por pouco, não a deixou cair. — Sinto muito, mas a minha bexiga tá vazia. Você vai ter que fazer o trabalho sujo.
— Como é?! Senhora, você enlouqueceu?!
— Ué? Não quer salvar a sua garota de ter a mente controlada por um par de anjos malucos? — Apoiei as mãos na cintura e fiz uma pose de herói. — Se estiver muito envergonhado, posso virar para o outro lado. Mas isso não seria muito justo já que você não fez a mesma coisa. Igualdade de gêneros.
O garoto com cara de delinquente está prestes a chorar de tanta vergonha enquanto segura a minha calcinha com as pontas dos dedos.
— Não há nada mais justo…