Carnaval no Abismo - Capítulo 10
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- Capítulo 10 - A Complexidade das Extremas Direita/Esquerda (2)
Na pia do banheiro, joguei água no meu rosto, tentando espantar um pouco da preguiça.
— Uaa, acabou. Depois de seis horas mofando dentro daquela maldita sala, finalmente poderei voltar para a escuridão solitária do meu quarto, onde encherei a cara com cerveja barata enquanto assisto algum filme bizarro do Lars von Trier!
Sem conseguir conter o fogo empolgante que se espalha pelo meu interior, comecei a rodopiar e gargalhar, parecendo uma completa retardada.
— Senhora…?
— Guaaa!
Por causa do susto, quase escorreguei e meti a cabeça na quina da pia.
— Podemos conversar?
Estreitei os olhos e assumi uma postura de defesa pessoal. O invasor é Augusto, que tem uma expressão mista de confusão e curiosidade no rosto.
— Você sabe que está no banheiro feminino, não sabe?
— Sim, mas é realmente um assunto urgente.
— Tenho certeza que é! — Preparei o golpe da garça. — Estava esperando pelo momento em que eu estivesse completamente indefesa com a saia arriada para desembainhar a sua Excalibur e me perfurar!
— Não, não! Nada disso! — Imediatamente, o garoto delinquente levantou as duas mãos, rendendo-se. — Sabe muito bem que eu só tenho olhos para a Keyla! Fora que o seu rosto imperfeito, voz irritante, boca suja e corpo esguio não me excitam nem um pouquinho!
Depois dessa rajada de ataques covardes, caí de joelhos e cuspi todos os meus órgãos nos pés dele.
— Vá direto ao assunto, por favor…
— Ah, sim! Gostaria de opinar sobre a sua escolha para presidente e vice-presidente! — Do nada, a expressão dele se tornou séria. — Senhora, volte atrás enquanto ainda há tempo. Escolha quaisquer outros, menos aqueles dois.
— Ahn? Mas por quê? Eles são perfeitos em tudo o que fazem e seus colegas parecem gostar bastante deles.
— Não consegue entender?! O Cachorro Magro e sua irmã se tornarão um problemão se der autoridade ilimitada a eles! Será o nosso fim! O fim de tudo!
— Cachorro o quê? Tá, notei que vocês têm um passado, mas ainda não me deu um motivo plausível que justifique tanto desespero. — Cruzei os braços, completamente cética. — Olha, se for apenas mais uma richinha adolescente, nem comece. Não tenho paciência pra lidar com isso.
Foi então que Augusto agarrou o meu pulso, arrastando-me para fora do banheiro.
— Será mais fácil mostrar do que falar! Venha comigo!
— Ah, não… E lá vamos nós para outra encrenca cansativa!
Saímos do prédio principal, atravessamos o jardim central e fomos até o edifício onde ficam os ateliês e laboratórios de informática. Subimos alguns andares de elevador, atravessamos um novo corredor e paramos de frente para uma sala.
Nem preciso dizer que a essa altura do campeonato, estou bem próxima de ter um infarto.
É sério! Não se faz isso com uma sedentária!
— Aa… Então… aa… O que… quer me mostrar…? Não tem… aa… ninguém aqui…!
— Ué? Mas aqueles dois sempre veem até esta sala após o término das aulas.
Bastou ele fechar a boca para notarmos o elevador se movendo. Alguém está chegando.
— São eles? — Perguntei.
— Droga… Precisamos nos esconder, e rápido!
Mais uma vez, fui puxada contra a minha vontade.
— Qual é?! Me dê um tempinho pra respirar! Por acaso, está tentando me matar?!
Todos os ateliês do prédio são idênticos, com duas grandes mesas no centro e várias pranchetas com cadeiras estofadas próximas das paredes laterais.
Devido à falta de lugares para duas pessoas se esconderem, tivemos que invadir o armário onde os materiais didáticos são guardados. Um espaço realmente apertado, logo, impossível de não existir contato físico entre nós dois. No entanto, Augusto notou isso tarde demais, quando já estamos nos roçando. Fato que abriu uma boa brecha para as minhas provocações.
— Ei, por que o seu coração está batendo tão rápido? Não tinha acabado de falar que a professora sem graça aqui não te excitava?
— Qui-quieta! É apenas a adrenalina correndo pelo meu corpo!
— Na verdade, a explicação científica é que essa parte do seu corpo acabou de se encher de sangue. Por isso, ficou deste jeito.
— Eu sei muito bem o que aconteceu, tá?! — Inutilmente, tentou esconder a sua expressão. — Perdoe-me, Keyla… Ugh… Fica quieto, pequeno Jack Black, estou implorando…!
Neste momento, duas pessoas entraram na sala.
Mesmo com a minha visão bastante limitada por culpa das frestas finas da porta do armário, consegui identificar Antony e Hillary.
Os dois caminharam para lados opostos e se sentaram. O garoto em uma cadeira e sua irmã em cima de uma prancheta. Enquanto o jovem pegou um livro de dentro da sua mochila para ler, a menina aproveitou o tempo livre para retocar a base das suas unhas.
Vários segundos se passaram sem nada acontecer, forçando-me a fazer uma careta feia para Augusto que respondeu com um gesto para me manter calada.
Fala sério? Já era para eu estar começando a trocar as pernas de tão bêbada se não tivesse dado ouvidos a este mongoloide.
— O que aconteceu hoje foi uma grande surpresa. — A voz doce de Hillary ecoou, atraindo novamente a minha atenção. — Acho que recebemos sinal verde para sairmos da escuridão.
— De fato. — Antony fechou o seu livro e respirou fundo, perdido em pensamentos. — Nunca imaginei que ganharíamos a liderança da turma tão facilmente. Desde o começo, esperava ter que usar bem mais força bruta para alcançarmos o topo. — Sorriu. — Ainda não decidi se estou feliz ou triste com esse desenvolvimento.
— Líderes de uma nação, hum? Essa frase não soa como um sonho distante? Entretanto, está bem na palma das nossas mãos. — Uma expressão melancólica tomou o rosto da aluna de longos cabelos brancos. — Poderemos, enfim, criar um mundo completamente diferente do anterior, um lugar livre de tudo aquilo que nos machucava. — Mas essa expressão foi logo substituída por outra, repleta de empolgação no extremo da loucura. — Irmão, para comemorarmos, podemos fazer aquilo, se quiser. Estou super no clima agora.
Não tem aquela carinha de anjinho que tanto elogiei algum tempo atrás? Esqueça isso. Tá tudo virado de ponta-cabeça agora.
— O quê?! Sério mesmo?! — O sempre calmo, confiável e gentil Antony levantou da cadeira e avançou até sua irmã aos pulinhos. — Uou, faz tanto tempo desde a última vez! Por culpa de toda essa confusão, nunca mais tivemos o “nosso momento”. Estava com tanta saudade!
Ahn?! Eim?! Comé?!
Estou mesmo presenciando uma cena de amor proibido?! Entrei no meio de uma novela, por acaso?!
— Também estava, mas temos que ser rápidos, tá? Vai que alguém aparece. — Hillary foi até sua bolsa e a abriu. — Deixa só eu pegar aquilo. Sempre carrego comigo para um caso de emergência como este.
Engoli em seco. Agora, entendo perfeitamente os sentimentos de um voyeur. E, devo confessar que é bom demais, sério! Apenas experimente qualquer dia desses, não irá se arrepender.
— Ué? Por que está fechando os olhos, Augusto? Vai acabar perdendo a melhor parte. — Sussurrei.
— Não posso trair ainda mais a minha amada. Se ela ficar sabendo, a morte será apenas o começo da minha punição.
— Até parece que vou te deixar escapar. Vamos ser cúmplices até o fim, he, he. — O forcei a olhar novamente. — Ei, o que é aquilo que Hillary está tirando da bolsa? Uma… coleira?!
— Aqui está, irmão. Agora, permita-me colocá-la em você.
E esse foi o fim do estudante galã e inteligente que eu cheguei a respeitar por um tempo.
Assim que aquele troço foi posto em seu pescoço, corações explodiram dentro dos seus olhos feito fogos de artifícios no ano novo de Copacabana. Um sorriso demente se alargou e começou a arfar feito um cachorro no cio debaixo do Sol do meio-dia. Mesmo que não tivesse um rabo físico, eu conseguia imaginá-lo perfeitamente balançando de um lado para o outro.
— Irmão, senta.
O Presidente do Mundo o fez sem reclamar.
— Au! Au!
— Agora, dá a pata. — Antony ofereceu a mão esquerda e, como recompensa, teve a sua cabeça acariciada por aquela que sorri feito uma maníaca. — Agora, rebole até o chão e dê uma pirueta.
Obviamente, Hillary está amando tudo isso. O prazer de ter alguém completamente submisso sob o seu controle é o suficiente para enlouquecê-la ao ponto de os joelhos tremerem. Já o irmão parece sentir a mesma coisa, mas pelo motivo contrário. Para ele, ser usado, cuspido, chutado e maltratado vale mais do que qualquer romance puro ou aventura empolgante que possa desfrutar em sua adolescência.
— Tenho mais um presentinho para você, lindo totózinho. Quer?
A Vice-Presidente sentou sobre uma prancheta e cruzou as pernas sensualmente. Primeiro, retirou a sua sapatilha direita e, em seguida, sua meia-calça. Depois, esticou o pé descalço, oferecendo-o. A cena do seu irmão colocando a língua para fora como se estivesse na frente do melhor dos aperitivos a fez rir ainda mais loucamente.
— Lamba.
Ah, não… Ele não vai fazer isso, vai?!
Ih, merda… Ele vai sim!
— Será um prazer, mestra. — Essa foi, com toda certeza, a lambida mais sexy num pé que já vi em toda a minha vida. — Obrigado pela refeição…
O problema é que fiquei tão imersa nessa cena que demorei para notar o quanto o jovem enclausurado comigo se encontra no limite da sua sanidade.
— Ei? Não acha que já tem sangue demais aí?
— Ugh…
A soma de todos esses acontecimentos extremos foi demais para o corpo juvenil de Augusto suportar, o que resultou em um chilique e, consequentemente, na nossa perda de equilíbrio.
Juntos, caímos para fora do armário um sobre o outro.
— Ei, meus seios não vão crescer mais, então pare de massageá-los. — Comentei.
— D-de-desculpe-me!
Primeiro, veio o silêncio pesado. Depois, o olhar dos gêmeos nos fuzilando.
Pois é, deu ruim.
— Ora, parece que temos visitas. — Aparentando não estar tão surpresa, Hillary recolocou sua meia-calça e a sapatilha calmamente. Só que no segundo seguinte, seu rosto corou ao extremo, sendo possível enxergar até mesmo fumaça escapando dos seus ouvidos. — Irmão, não permita que escapem!
— Au, au!
Não tive tempo nem de levantar antes do meu aluno extremamente atlético, correndo de quatro feito um animal selvagem, pular sobre mim e Augusto, parando na frente da porta do ateliê, bloqueando a única saída.
— Por que você tinha que ver isso, professora? Agora, não posso mais te deixar sair. — Cerrou os punhos. — Pelo menos, não viva.
As palavras dela são como cubos de gelo escorregando pela minha espinha.
— Ei, calminha aí! Não dava pra ver nada de dentro do armário, eu juro!
Obviamente, minhas palavras soaram vazias demais para enganá-la.
— Irmão, em caso de qualquer movimento estranho, pode mastigar até o osso.
Com uma expressão completamente animalesca, Antony começou a rosnar. Ele pode muito bem acabar com a gente sem sentir nenhum remorso depois, tenho certeza disso.
— Eaí, Cachorro Magro, como vai? Ah, se bem que acabamos de nos ver na sala de aula, né? — Augusto tentou puxar assunto com um sorriso trêmulo.
— Quem é você pra falar comigo tão casualmente, grr?! Te conheço, por acaso?!
Bastou apenas isso para o menino de cabelos tingidos entrar em estado de choque. Seu maior arqui-inimigo sequer lembra o seu nome. Um ataque impiedoso demais, capaz de ferir os sentimentos de qualquer super-herói.
— Como não lembra de mim?! — Lágrimas brotaram nos cantos dos seus olhos. Começou a soluçar. — Nos conhecemos desde crianças, seu ingrato!
— Calado, inseto! Se continuar me irritando, farei com que a sua morte seja bem lenta e dolorosa…
Augusto se encolheu e ficou em posição fetal, chorando. Pelo jeito, não posso contar com ele para escapar desta situação. Vou ter que fazer tudo sozinha.
— Ei, posso ao menos saber o motivo para estar sendo sentenciada à guilhotina? Tenho o direito, não?
— Ah, professora… Acha mesmo que contarei algo para você? Aqui não é nenhuma série clichê onde a vilã entrega todos os seus planos na bandeja, sinto muito.
Levantei uma sobrancelha e suspirei.
— E nem preciso que me diga alguma coisa para saber que você apenas quer governar o mundo. — A reação de espanto dela mostrou que acertei na mosca. — Precisa ser mais clichê do que isso?
— Mas, como…?
— Bem, na real, não foi muito difícil de adivinhar. — Dei de ombros. — Qual é? O que mais dá pra fazer de interessante em um planeta onde existem apenas duas dúzias de pessoas? Todo o esforço para ganhar a nossa confiança, somado a sua personalidade oculta que praticamente cospe um tremendo complexo de superioridade, só pode resultar na vontade de se tornar a deusa do novo mundo. Entretanto, não consigo imaginar qual é a motivação por trás desse desejo. Pergunto-me o que pode ter acontecido com você para ter ficado tão desfigurada assim…
Hillary cerrou os dentes e forçou um sorriso.
— Você entende que apenas está me dando mais motivos para não te deixar ir, não é?
— Nossa, é mesmo! Pode me perdoar por isso? Foi sem querer, querendo.
— Só que antes, vou te ensinar a não brincar com a minha cara. Irmão, divirta-se…
Assim que Antony deu o primeiro passo na minha direção, agilmente desabotoei os dois primeiros botões do meu terninho, revelando um sutiã azul marinho de rendinha. Por sorte, hoje estou usando um com fechos dianteiros.
— Pro-pro-professora, o que pensa que está fazendo?!
Augusto gritou, assustado até demais pro meu gosto. Está tentando fechar os olhos, mas os seus instintos masculinos mantem uma pequena brecha aberta.
— Nada demais. Apenas fique preparado para correr pela sua vida.
Precisei de apenas mais dois segundos para tirar a peça de roupa e lançá-la no rumo do rosto da vice-presidente.
— Au!
Meu plano de fuga magistral foi executado com êxito e obteve o resultado esperado.
Antony passou correndo ao meu lado, pulou e catou a peça íntima com os dentes em pleno ar feito um cachorro atrás de um graveto. A consequência disso, foi ele cair bem em cima da sua irmã, derrubando-a e nos dando uma oportunidade preciosa para escapar.
— Vamos embora daqui!
Dessa vez, foi eu quem agarrou Augusto pelo pulso e o puxou para fora da sala. Enquanto corremos na direção do elevador, posso ouvir gritos vindos do ateliê.
— Irmão, por que fez isso?!
— Desculpe-me, irmã! Não sei o que aconteceu comigo! Meu corpo agiu sozinho!
— Esquece isso! Vá atrás deles! Não podemos deixar que estraguem o nosso plano!
Ah, ninguém merece! Quantas vezes preciso repetir que eu sou uma completa sedentária, caramba?! Então, poupem-me de toda essa correria, seus malditos!