Carnaval no Abismo - Capítulo 1
Ao meu ver, não existe um único ser humano cem por cento perfeito. Todos nascemos com pelo menos um tipo de deficiência, seja de personalidade, estética, mental ou sentimental. Peculiaridades que costumamos esconder durante toda a extensão das nossas vidas patéticas, a fim de não passarmos vergonha perante o restante da sociedade, nossos queridos semelhantes.
Eu, Amanda Muniz, 22 anos, virgem, signo de Libra, humildemente acho que todos nós somos mentirosos desgraçados. Pessoas egoístas e hipócritas que pensam ser espertas quando, na verdade, são burras feito lesmas.
Usamos durante todo o tempo máscaras para posarmos de inocentes. Lutamos incessantemente em busca de satisfazer uma sociedade cheia de frescuras e preconceitos que, na minha modesta opinião, não deveria ser assim.
Veja bem, não somos perfeitos, nunca seremos. Então, por que existem todas essas regras existenciais idiotas que tentam nos manter na linha, forçando-nos a ser quem não somos?
Preste bastante atenção na minha analogia. Não é horrível quando somos traídos por uma pessoa de confiança? Causa um sentimento ruim na gente, não é mesmo? Agora, explique-me por que não lembramos desse mesmo sentimento quando fingimos ser outra pessoa apenas para passar uma boa impressão, ou quando elogiamos a roupa de alguém para masturbar o seu ego enquanto, dentro da nossa cabeça, estamos tacando fogo nas roupas e naquele(a) que as está vestindo?
Acredito que fazemos tais coisas porque sentimos um nojo inconsciente de nós mesmos. Não somos sinceros e mentimos incansavelmente para os outros porque fomos educados desde bebês para agir dessa maneira, porque as leis e a ética exigem que façamos isso.
Olhando sob essa perspectiva, somos seres horríveis, não acha?
Enquanto isso, aqueles que são incapazes de encenar corretamente os seus papéis nessa grande peça de teatro que chamamos de “vida” são tratados feito animais: transtornos, fobias, doentes mentais. Existem tantos nomes para classificá-los…
Curiosamente, aqueles que criaram todos esses termos, muito provavelmente, também possuíam problemas perturbadores que mantinham em segredo. Porém, insistiram em posar de superiores, reis de uma pirâmide de trouxas.
Acha que estou errada?
Você que coça o saco e depois cheira a mão é bastante nojento, sabia?
Você, adulto que usa perfil falso nas redes sociais para espalhar que gosta de desenhos cheios de garotinhas em situações questionáveis, é um doente que merece estar na cadeia.
E você também, duas caras que na frente da sua amiga diz que a adora, mas bastando dar as costas começa a chamá-la de vadia, merece queimar eternamente nas profundezas do Inferno.
Bem, por mais que eu possa divagar sobre esse assunto o dia inteiro, preciso chegar logo ao clímax dessa anedota. Afinal de contas, o meu monólogo foi iniciado com a única intenção de falar dos meus problemas pessoais e não da vida dos outros feito uma velha fofoqueira. Problemas que não são poucos, mas por enquanto, tentarei focar no pior de todos eles.
Todo mundo desapareceu.
Quando digo “todo mundo”, refiro-me mais precisamente a “grande maioria dos seres vivos”. Pessoas, gatos, cachorros, insetos. Vidas que deixaram o município do Jardim Ingá, a favela no entorno do Distrito Federal onde moro, em completo silêncio.
Os carros nas ruas e garagens estão vazios. Não há mais os barulhos irritantes dos motoqueiros com escapamentos modificados, nem o som encapetado do meu vizinho bastardo tocando aquelas músicas pederásticas na maior altura. Até mesmo, o vento parece ter parado de se mover, deixando todas as árvores estáticas.
Resumindo, por algum motivo parece que sou a última pessoa viva no mundo, abraçada pelos braços invisíveis e gelados da solidão.
— Beleza, sem entrar em pânico. Deixe-me fazer uma breve recapitulação para entender como terminei nesta situação.
Só que antes de mais nada, preciso deixar claro uma informação importante: sou uma completa reclusa.
Sabe o que significa? Que não tenho emprego estável ou relacionamentos e passo cerca de vinte e quatro horas por dia trancada no meu barraco minúsculo de três cômodos. Sobrevivo graças à mesada que recebo da cuidadora que não vejo há bastante tempo. O suficiente para pagar apenas as necessidades mais básicas de qualquer ser humano: contas de energia, água, Internet, serviços de streaming, papel higiênico e aquela famosa pizza de terceira.
Em resumo, sou uma parasita da sociedade.
Ahn? Qual é o motivo para eu estar levando uma vida tão desleixada no auge da minha juventude?
Basicamente, os motivos que citei há pouco. Sou uma dessas pessoas que receberiam títulos esnobes de “sociopata”, “psicopata” ou apenas “louca de pedra” caso visitasse um psicólogo.
— Hum… São exatamente 15h42min. Faz cerca de meia hora desde que acordei do meu soninho pós 28 episódios seguidos de Grey’s Anatomy.
E a última vez que estive fora de casa foi… Ah, sim! Durante o meu súbito abandono da faculdade! Quando aconteceu isso? 22 de agosto, se não estou enganada.
— De acordo com o meu celular, hoje é exatamente… 13 de julho! Woa! Passei quase um ano inteiro dentro do meu muquifo! Isso não é incrível?!
Com certeza, eu teria suportado ficar, pelo menos, mais um ano se a minha dispensa não tivesse esvaziado.
— Aparentemente, todo o câncer encaixotado que eu venho comprando nos últimos dias nunca chegou devido à falta de pessoas para entregá-lo.
Também já faz um tempinho que não vejo os noticiários e telejornais. Por isso, não sei dizer exatamente o porquê ou quando tudo isso começou.
— O que também explica a falta de memes novos no face.
Ignorei o meu estômago que late feito um cachorro e voltei para dentro de casa.
Primeiro, ligo a televisão e pulo os canais. Nada. Depois, o rádio em alguma estação aleatória. Apenas estática.
— Bem, e agora? Devo chorar? Entrar em desespero? Essas são as reações mais comuns em um caso tão extremo, eu acho. — Apoiei as mãos na cintura, fiz pose e mostrei um largo sorriso. — O grande problema é que sou uma garota muito longe de ser considerada “comum”.
Saltito na direção da saída enquanto retiro as minhas peças de roupa uma após a outra. A cada pedaço de pano jogado no chão, mais leve eu fico como se estivesse me libertando das correntes morais que me prendem.
Liberdade, oh, doce liberdade!
Assim que chego à calçada no lado de fora, encaro o céu vermelho livre de pássaros e inspiro profundamente. Em seguida, lanço o meu sutiã no meio do jardim do meu vizinho funkeiro e a minha calcinha nos fios de energia do poste mais próximo. Passo um bom tempo observando-a balançar feito um pêndulo, apreciando o sentimento de calmaria que se espalha pelo meu interior.
— Certo, hora de começar a festa rave de uma pessoa só.
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♪ Eu que tinha até tatuado o nome dela!
Eu pensava nela toda noite nesses dez anos que eu passei trancado naquela prisão!
Essa foi demais! Isso não se faz!
Ninguém vai acreditar!
Ela roubou meu caminhão! ♫
— Ela já deve tá bem longe daqui! Ela já deve tá bem longe daqui!
Dois dias depois de notar a falta de humanidade perto de mim, continuo peladinha dirigindo um caminhão dos bombeiros, carregado de cerveja, por uma das principais rodovias do Distrito Federal. A quantidade insuportável de veículos abandonados torna impossível passar dos 30 km/h, mas não deixo isso abalar o meu bom humor.
No meu rosto, encontram-se óculos escuros de quatro dígitos que “peguei emprestado” de uma lojinha. No banco do carona, está uma piscininha inflável com estampa de cachorrinhos. No assoalho, 2 kg de carne, meio saco de carvão e uma churrasqueira compacta.
Juro que eu queria ter pagado por tudo isso, mas infelizmente não havia ninguém para receber o meu dinheirinho. Se bem que eu não tinha grana nos bolsos para começo de conversa, tampouco bolsos que pudessem guardar algo.
No rádio, um metal pauleira serve de trilha sonora para essa viagem que terminará em um dos pontos turísticos mais icônicos da capital federal: o Congresso Nacional. Mais precisamente, aquela grande tigela de sopa da direita.
— Saiam da frente! Bombeira braba chegando pra tacar fogo em algumas costelinhas de porco!
Invado o território governamental, estaciono o veículo e utilizo a escada dos bombeiros para alcançar o meu objetivo. Em seguida, começo os preparativos da festança.
Dá trabalho, muito trabalho. No entanto, após uma hora de esforço físico e mental debaixo do Sol fervente, finalmente, consigo deixar tudo do jeitinho que sempre sonhei.
— Tá tão… geladinha! — Um gemido involuntário escapou da minha garganta assim que entrei na piscina cheia de cerveja. — Então, é isso que as pessoas populares chamam de “curtir a vida”?
Para mais tarde, os meus compromissos já estão marcados. O principal deles será assistir Manicures à Domicílio no Cine Drive-in, enquanto me alimento de pipoca doce e aprecio o vinho chique que resgatei da mansão de algum deputado aleatório.
Fuaa… Adoraria continuar assim pelo restante dos meus dias, sempre de ressaca, mergulhada em uma piscina alcóolica, apreciando a vista da metrópole desenhada pelo grande Niemeyer.
— Acho que o Papai Noel trouxe o meu presente mais cedo este ano…
Porém, tudo que é bom dura pouco.
Aparecendo do nada, alguém entrou na frente do Sol, cobrindo-me com a sua sombra deveras desagradável.
Ao olhar para cima, encontro um par de olhos verdes esmeralda e longos cabelos loiros reluzentes. É uma mulher bem alta com cintura de modelo e peitos avantajados. Veste um terninho completamente preto e calça de marca, dando-lhe um ar empresarial. No seu rosto, reside aquela tradicional expressão de desaprovação, a mesma de uma mãe que está prestes a puxar a orelha do filho malcriado.
Noto também a presença de outra pessoa um pouco atrás. É uma adolescente de cabelos pretos na altura dos ombros, óculos de armação grossa e bochechas rosadas. Está usando o que julgo ser um uniforme escolar, pois tem no peito o brasão do Colégio Particular Isana Ágora, uma das instituições educacionais mais premiadas e influentes do Brasil.
Obviamente, a aluna se encontra bastante incomodada com tudo o que está presenciando.
— Ah, ninguém merece… Parece que não estou sozinha no planeta, afinal.
— Amanda Muniz, por favor, poderia sair daí e vestir alguma coisa? O que você está fazendo é um completo desrespeito. Apenas agora, deve estar cometendo uns dez crimes.
— Desrespeito, hum?
Levantei vagarosamente e me espreguicei. Depois, fiquei de frente para a empresária e coloquei as mãos na cintura, de forma que pudesse exibir todo o meu corpinho.
Estou ciente que não sou incrivelmente atraente, mas tenho bastante orgulho das minhas armas femininas, sabe?
Ah! E não pense por um segundo sequer que estou fazendo isso somente para você não abandonar a história pressupondo que terá mais safadeza a seguir, tá?
— E se eu não quiser me vestir? Como planeja me obrigar?
Sem sequer pestanejar, ela ergueu uma pistola e a apontou na minha direção, fazendo-me engolir em seco.
— Mais alguma pergunta?
— Ah, ninguém merece… Caso eu saia viva desta situação, voltarei para a minha casinha e nunca mais colocarei os pés no lado de fora novamente…
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Tá, admito que foi uma baita idiotice mergulhar em bebida fermentada.
Primeiro, porque a maldita gruda na pele feito chiclete. Segundo, porque o cheiro não sai mesmo após esfregar até sair sangue. Terceiro, porque esse entretenimento inocente acabou irritando uma pessoa com um três oitão.
— Então? Quem são vocês? Não, esperem! Mais importante que isso! Não estão sentindo esse cheiro? Um odor… estranho, muito estranho…? — Funguei algumas vezes.
— Meu nome é Melissa Ágora, diretora do Colégio Particular Isana Ágora. — Respondeu a loira de cabelos sedosos.
— Já o meu é Lorena Barbosa, representante da turma “E” do terceiro ano do ensino médio. — A adolescente curvou a cabeça em cumprimento. — E a única coisa fedendo aqui é você, senhora.
— Hugh! Para alguém com carinha de anjo, até que você cospe umas paradas bem venenosas, sabia? — Suspirei. — E não me chame de senhora, por favor.
Estamos todas sentadas nas cadeiras duras de um boteco sujo. Infelizmente, obrigaram-me a vestir roupas. Mais precisamente, um calção de lã cinza tamanho “G” com estampa de gatinho no traseiro e uma camisa falsificada da seleção brasileira com o nome “Neumar Jr.” nas costas.
— E o que desejam de mim? — Funguei mais uma vez. — É sério que não estão sentindo esse cheiro?
A adolescente abriu uma lata de refrigerante e bebeu um gole antes de iniciar a sua explicação.
— Em algum momento do dia 8 de julho, a maioria dos seres vivos desapareceram sem deixar rastros. Todos, com exceção da senhora, a diretora e os 22 alunos do terceiro ano “E”. — Mostrou um grande sorriso tranquilo. — Como a senhora é a primeira pessoa que encontramos fora do colégio nesta semana que se passou, resolvemos vir ao seu encontro em busca de informações sobre o que pode ter ocorrido com todos.
— Resumindo, estamos aqui para te investigar. — Melissa concluiu.
— Investigar, é…? E para de me chamar de senhora, sua fedelha! Não sou tão mais velha que você!
Mesmo depois de me passarem todas essas informações, ainda não consigo deixar de pensar que as duas estão escondendo muitas outras coisas de mim. Suponho também que elas sabem quem sou e sobre o meu passado. Pelo menos, o suficiente para colocarem uma arma de fogo no meio de uma simples conversa.
Joguei meus pés descalços e sujos em cima da mesa, deixando-os bem próximos do rosto da loira peituda.
— Infelizmente, não sei muito mais do que vocês. Até pouco tempo atrás, eu jurava que era a única viva. — Fiz o famoso gesto de “xô, xô” com as mãos. — Agora, se me derem licença, tenho uma sessão de pornô chanchada marcada para daqui a pouco.
Uma veia saltou na testa de Melissa, deixando bem óbvio a sua irritação. Acho que as minhas chances de tomar um tiro aumentaram consideravelmente.
— Antes disso, não gostaria de ouvir as nossas suposições do que pode ter acontecido com o mundo? — Lorena disse animadamente com os seus olhinhos brilhando feito faróis na escuridão.
— Sinceramente, não.
— Existe a possibilidade de termos sido enviadas para um universo paralelo, senhora!
— Completamente ignorada… E pare de me chamar de senhora!
— Também é possível que tenhamos morrido e essa é a vida pós-morte!
— Idiotice.
— Pode ser também que fomos todos sequestrados por marcianos para jogarmos um Big Brother interplanetário!
— Babaquice.
— E fora várias outras teorias, existe aquela que considero ser a mais plausível! A de que a nossa realidade atual foi criada por um de nós, sobreviventes.
— Toquinho de amarrar jegue, para de falar. Já tá ficando feio, é sério. — Sentindo uma surpresa repentina, tapei a minha própria boca. — Não, espera aí. Essa última até que faz um pouco de sentido.
E se realmente existir alguém com o poder de “apagar” qualquer ser vivo?
Do ponto de vista delas, eu devo ser a pessoa mais suspeita de todas. Até porque o mundo atual é o que venho pedindo em todo Natal desde que aprendi a falar. Meu paraíso perfeito.
Bem, acho que já sei como toda essa história vai terminar.
— Presumo que não me deixarão ir embora facilmente, não é?
— Você virá com a gente para o Isana Ágora.
A loira deu um sorriso cruel enquanto mostra discretamente o seu três oitão.
— Mesmo que eu te faça um cafuné gostosinho, ajoelhe, beije as suas nádegas e diga que não tenho nada a ver com toda essa loucura?
— A partir de agora, você é a mais nova professora do terceiro ano “E”. Meus parabéns, estou contando com você para solucionar esse mistério e colocar o planeta de volta nos trilhos.
Sem acreditar no que os meus ouvidos escutaram, comecei a gargalhar feito uma idiota.
— Eu?! Logo, eu?! Alguém com zero habilidade para lidar com humanos?! Impossível! — Bati as duas mãos na mesa com força só para criar um clima de tensão. — Tenho certeza absoluta de que você já viu o meu currículo. Então, se ainda não ficou claro o suficiente, vou admitir. Eu sou um pouco… perturbada, entende? Os parafusos da minha cabeça são frouxos!
Melissa balançou os seus peitões antes de alargar um sorriso de deboche.
— Na verdade, isso que a torna perfeita para o trabalho. Motivo? De fevereiro até agora, cinco professores diferentes passaram por essa turma. E todos eles, sem exceção, pediram demissão logo na primeira semana de trabalho. Alguns com terríveis traumas psicológicos.
Um frio agoniante percorreu a minha espinha.
— Espera, espera! Está dizendo que vou ter que dar aula para um bando de delinquentes?!
Imediatamente, direcionei os meus olhos estreitos para a aluna que bebe seu refrigerante tranquilamente.
Vejamos, ela parece ser bastante normal à primeira vista, mas alguma coisa me diz que não devo confiar na aparência certinha dela. Consigo sentir uma aura perturbadora brotando do seu corpinho.
Fora isso…
— É sério! Alguém dê um fim nesse cheiro! Não consigo me concentrar direito com isso desviando a minha atenção!
Levantei e comecei a agir feito um cão farejador, procurando a origem do odor misterioso. Quando me dei conta, já estava a um passo de Melissa.
Sem aviso prévio, agarrei o rosto dela com as minhas duas mãos.
— Ei! O que pensa que está fazendo?! Afaste-se de mim!
Pude ouvir um baque. Ao que parece, assustando-se com o meu ataque surpresa, ela deixou a arma cair.
— Está vindo de você, não é?! Esse… perfume! — Por algum motivo, meu estômago roncou alto. — É tão bom! Está me deixando louca!
Com dificuldade em controlar o meu instinto selvagem, aproximei meu nariz do pescoço da mulher de olhos verdes e inspirei profundamente, provocando um arrepio em seu corpo.
— Iiih!
Depois, meus dedos caminharam das coxas até a clavícula dela.
— Que vontade de… comê-la todinha!
Mordisquei o seu pescoço, provocando uma série de espasmos.
— Uaaa!
E por conta do sabor indescritível que começou a circular pelo interior da minha boca, não me contive e abocanhei o lóbulo da orelha dela, chupando-o como se fosse um doce.
— Uuu! Aaaa! Pare, por… uug… favor… Isso é! Isso é… Isso… aaa… Ah!
— Desculpe-me, diretora… É que… você é tão… gostosa! Por algum motivo, não… consigo mais parar!
Foi então que outro gemido ecoou pelo ar, mas esse não veio da Melissa.
Com o canto de olho, avisto Lorena recuando com o rosto inteiramente vermelho. Gotas de suor escorrem pelas curvas do seu rosto. O modo como as suas pernas roçam uma na outra me faz supor que ela está com a bexiga cheia.
— Vo-vo-vocês! O que pensam que estão fazendo?! — Longo e suspeito, muito suspeito, gemido. — Isso é imoral! Parem, agora mesmo!
No entanto, a expressão e reação dela contradizem as suas palavras. Está roendo as unhas nervosamente enquanto arfa igual um cachorro na frente de um frango assado. Tem esse sorriso torto no rosto e coraçõezinhos saltitando nas suas írises.
Não me diga que a nanica ficou excitada nos observando?! Será que ela, na verdade, é uma daquelas pervertidas de armário?!
— Fuaah, diretora!
Empurrei a loira com força, jogando-a de costas no chão. Depois, montei em cima dela, prendendo-a e tirando qualquer possibilidade de escapatória.
— P-por favor, e-espera!
— Desculpe-me, mas todo o fogo queimando dentro do meu corpo é incontrolável!
— S-solte-me, sua doida, esquisita, tarada maluca! Saia de cima!
Coloquei a ponta da minha língua para fora e toquei a pele dela um pouco acima do decote. Depois, desenhei uma linha do pescoço até a bochecha esquerda. Em seguida, fiz o caminho inverso, apreciando o sabor divino deste momento feito uma degustadora de vinhos chiques.
— Uuu… aaa…!
Os gemidos se intensificaram.
— Aaa… uua… aa…
A essa altura do campeonato, até mesmo eu não consigo mais segurar os sons safados que brotam da minha garganta.
— Fuaaa…!
Poucos segundos depois, as pernas da diretora estremeceram violentamente como se estivesse convulsionando. Cerrou os dentes e, finalmente, alcançou o clímax.
Borboletas azuis imaginárias surgiram do nada e voaram acima de nós. Pétalas de rosas e lírios brancos caíram feito chuva sobre as nossas cabeças.
Ao mesmo tempo, a adolescente desabou de joelhos com os olhos revirados feito uma pessoa possuída. Um fio de baba escorre pelo canto da sua pequena boca. Pelo jeito, a tadinha vai precisar de uma terapia pesada para se recuperar.
— Entregue-me mais! Ainda não tive o suficiente!
Porém, quando estou prestes a reiniciar o nosso joguinho educacional, algo extremamente bizarro me interrompeu.
De repente, o corpo da mulher abaixo de mim explodiu feito uma bomba de gás, cobrindo todo o ambiente com uma densa névoa branca. Por alguns segundos, fiquei incapacitada de enxergar qualquer coisa.
— Ugh! Olha só o que você fez! — A diretora berrou.
Quando a névoa finalmente se dissipou, meu coração subiu até o pescoço devido ao susto que tomei.
— E-ei?! O que a-aconteceu contigo?! — Gritei, em pânico absoluto.
A pele branco-pérola de antes ganhou uma coloração bem mais áspera e… frita. Seu corpo, que há pouco era cheio de curvas, tornou-se oval e crocante. Tem grandes olhos verdes esbugalhados, boca imensa, braços e pernas com a finura de um cabo de vassoura.
A modelo de conto de fadas que pensei ser digna de estampar a capa de alguma revista masculina, transformou-se em uma… coxinha frita com quase dois metros de altura.
— Ahn?! É o quê?! Como?! A-ai, ai, ai! Puta merda! E-ela, ela, ela…!
Saí de cima da Melissa e me arrastei pelo chão até ser barrada por uma parede. Em seguida, enquanto revirava os olhos graças ao gigantesco choque emocional, puxei meus cabelos com toda a força numa tentativa desesperada de acordar deste provável pesadelo.
Sei que estamos vivendo uma tremenda loucura, mas tudo o que acabou de acontecer é insano demais até para os meus padrões!
— Ela virou a porcaria de um salgado!
Repentinamente, a minha pressão caiu e o mundo ao meu redor foi envolvido pela escuridão. Entretanto, por um bom tempo, mesmo durante a inconsciência, eu ainda pude sentir o sabor celestial correndo dentro da minha boca.
Ah! Também sonhei que uma coxinha mutante roubava a minha inocência.
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No centro de uma metrópole engolida pelo silêncio, um carro luxuoso avançava pela rodovia, desviando dos vários retardatalhos abandonados. Melissa o dirigia enquanto Lorena ocupava o acento do carona.
— Tem certeza de que devemos levá-la conosco? — A estudante comentou enquanto fitava a mulher desacordada no banco de trás pelo retrovisor central. — Ela pode ser muito perigosa…
— Não temos outra alternativa. Para descobrir se Amanda é a responsável por toda essa onda de caos, precisamos mantê-la por perto. E, caso não seja, ainda poderemos fazer uso das habilidades dela para encontrar o verdadeiro culpado.
Lorena voltou os seus olhos para a pilha de documentos em cima do seu colo. Mais precisamente, fichas policiais e alguns jornais antigos. No topo, havia um datado de 14 anos atrás. Na manchete principal, tinha a foto de uma criança com o rosto censurado coberta por lama, ferimentos dolorosos e cinzas.
● Madrugada Vermelha ●
Laboratório ilegal localizado em uma fazenda no interior do Distrito Federal pega fogo e deixa 32 mortos. Segundo as autoridades, a única sobrevivente é uma garota de aproximadamente 8 anos encontrada próxima ao local com indícios de tortura física e psicológica. De acordo com as investigações iniciais, a criança pode ter sido usada como cobaia para testes de drogas experimentais. A polícia segue em busca de respostas para esse terrível incidente.