Bevan - O Divino Império - Capítulo 18
Com a ajuda do Sr. José, marido da mulher que tinha conhecido na noite passada, Pietro, estava indo alistar-se no exército. Dentre todos os empregos que podia conseguir, para realizar seu plano, aquele era o mais adequado.
Os dois saíram logo cedo, indo ao batalhão principal da cidade. Segundo o homem que estava o ajudando, um alistamento estava acontecendo e era uma ótima oportunidade para ele. Também falou sobre como algumas coisas funcionam no exército.
Segundo ele, atualmente estavam criando uma nova brigada de exploração. Seria necessário muitos recrutas e por isso estava havendo um processo seletivo fora de tempo.
Pietro não tinha do que reclamar. Pelo contrário, estava interessado nessa nova brigada, supunha que podia conseguir várias oportunidades se juntando a ela. Também, mesmo que não conseguisse, podia entrar em outra. Isso resolvia seu problema mais urgente: conseguir dinheiro para se sustentar.
“Não importa como, eu entrarei no exército hoje e irei conseguir completar meus objetivos.”
Quando chegaram ao edifício, José indicava onde ficava a fila de alistamento. Disse que: “Assim que você se inscrever, eles irão cobrar uma taxa e após o pagamento, te levarão para o pátio onde ocorrerão as avaliações. Sobre a taxa, diga que pagarei”.
O lugar de inscrição era na ala direita do gigantesco batalhão. Um enorme portão e árvores de cada lado das traves era a referência do lugar.
Quando estava chegando no lugar, várias pessoas estavam o olhando com raiva e interesse. Pietro estava passando na frente de duas grandes filas, onde era mais que visível a diferença entre as pessoas que as compunham.
Do lado esquerdo, onde a sombra das árvores estava projetada, as pessoas estavam vestidas com roupas elegantes: ternos e vestidos longos. O garoto até pensou que estavam arrumados para algum evento ao invés do alistamento.
Já do lado direito, onde o Sol raiava, as pessoas tinham roupas similares às dele. Uma calça simples, uma camisa e sandálias de couro. Alguns usavam acessórios, ou tinham roupas de tecidos de maior qualidade, alguns até mesmo estavam fardados.
Aquilo podia ser uma simples separação entre Nobres e Plebeus para qualquer um, contudo, Pietro interpretou diferente. Também, graças a isso, conseguia entender que, infelizmente, o exército parecia não funcionar por meritocracia. Era óbvio e ficaria mais ainda com o início da aplicação dos exames.
“Parece que coisas assim vão existir em todo e qualquer lugar… Lamentável…”
Enquanto se distraía com esses pensamentos, não percebia que estava quase atravessando os portões. Quando percebeu, foi tarde demais. Os guardas já estavam apontando suas espadas para ele.
— Quem é aquele mendigo? Que nojo…
— Quem permitiu que esse insolente pudesse chegar até aqui?
— Já não basta aquele monte de insetos, agora um mendigo?
Mais e mais pessoas do lado esquerdo cuspiam palavras similares àquelas, expressando um certo nojo por Pietro e pessoas como ele: plebeus. Aquilo não o incomodava, mas não podia deixar eles simplesmente dizerem aquilo e saírem.
Portanto, decidiu vingar-se nos exames práticos. O grandalhão com cicatrizes no braços, que o ajudou até agora, José, já tinha lhe contado sobre alguns possíveis testes que seriam aplicados.
Mas, primeiramente, ele tinha que sair daquela situação. Então tirou uma carta do bolso e entregou para o homem enquanto falava.
— Fui instruído a vir aqui pelo Sr. José, dono da pousada Raio Solar. Ele também pediu para eu entregar essa carta.
Os soldados rapidamente abaixaram as armas. José, embora não fosse um nobre, era um oficial de alta patente dentro do exército, alguém que foi recomendado por ele não podia ser desrespeitado daquela forma.
O homem liberou sua entrada e o ensinou o caminho até o pátio — onde ocorriam os exames. O garoto não tinha como saber quais seriam todos os exames e o homem também não disse, pois ele pensava que um soldado deveria estar pronto para todo tipo de adversidade.
“Esse lugar é realmente gigantesco, existem vários pavilhões como esse aqui dentro…”
O lugar que ele caminhava era um pavilhão de brigada, onde ele passaria a morar se fosse recrutado. Ele não podia entrar nas salas do pavilhão, mas conseguia perceber que tinham várias salas de treino individual, dupla e grupo.
O lugar era enorme, pelo número de janelas o garoto pensava que tinha por volta de uns três andares. A construção, mesmo sendo simples — um galpão quadrado — tinha vários ornamentos. As paredes pareciam ser feitas de algo próximo do cimento e os ornamentos eram feitos de uma madeira de cor vermelha.
As inúmeras toras de madeira que sustentavam as paredes tinham serpentes esculpidas. Essas eram ornamentadas com uma espécie de musgo que parecia queimar eternamente.
Pietro conhecia muito bem aquelas figuras: boitatá. Um monstro do mito brasileiro que surgia com os primeiros povos a morar no país, os indígenas. Por muitos anos era apenas um mito, mas depois do surgimento da mana, criaturas similares começaram a aparecer na Terra.
Aquilo era incrível. Nenhum cientista ou religioso nunca conseguia explicar como as criaturas dos mitos e folclores estavam ganhando vida, mas parecia que ele conseguiria descobrir a verdade nesse novo mundo.
Continuava caminhando até o local indicado anteriormente pelos guardas: um pátio atrás do pavilhão. Assim que chegou ao local, sentiu a pressão que pairava no ar. Todos estavam demonstrando grande determinação em fazer parte daquela brigada.
Caminhava até uma parte mais afastada do pátio, não queria chamar atenção antes da hora. Entretanto, enquanto ia caminhando, as pessoas dirigiam mais olhares de nojo para ele. Não o queriam naquele lugar.
Ele se dirigiu até uma parte que podia ser dita como a divisa entre plebeus e nobres. Era o lugar perfeito, não queria se misturar com nenhuma daquelas pessoas desnecessariamente. Contudo, nem todos agiam da mesma forma que ele.
O garoto se acomodava escorando-se numa tora — que também tinha esculpido o boitatá — sem perceber o homem que se aproximava dele, mal intencionado. Era um nobre com má fama até mesmo dentro do seu próprio clã.
— Ei, verme!
Um homem com estatura média, cabelos pretos penteados para trás e com trajes formais cuspia aquelas palavras enquanto esboçava uma expressão de nojo. Tentava demonstrar elegância com seu caminhar, no entanto, era patético.
Pietro ficou quieto, não se incomodou com aquilo. Primeiro porque pensava que não era com ele e depois, porque mesmo se fosse, alguém com tão baixa índole não era o suficiente para irritá-lo.
— Hein?! Tá se fazendo de desentendido? — falou rindo, ironicamente.
“Parece que o plano de não chamar atenção indesejada foi por água abaixo…”
Ele continuou encostado na coluna de madeira, nem sequer mudou de posição. E aquele homem continuava chegando mais e mais perto dele. Pensava que se ignorasse, ele podia se livrar daquela situação sem complicações.
No entanto, aquele nobre não tinha parado. Continuava cuspindo desaforos e xingamentos enquanto ia caminhando em sua direção. Até que ficou com a distância de um braço entre ele e a coluna de madeira que Pietro escorava-se.
Enquanto olhava fixamente para aquele plebeu que o ignorava, fortificava o braço com mana. Já que as palavras não estavam fazendo ele respondê-lo, então ia usar a força.
Usando sua grande velocidade, dirigia seu braço, que anteriormente fortificava com mana, para acertar com um tapa na coluna de madeira na parte que a cabeça de Pietro encostava.
Graças às técnicas da sua família, seus poderes são, em sua grande maioria, voltados para a velocidade. Técnicas de luta corpo a corpo e com armas, até mesmo ataques mágicos, todos tem seu diferencial na velocidade.
— Irei limpar suas orelhas para que possa me ouvir, verme. Seja grato! — exortou com um sorriso pretensioso.
Um segundo. Em um único segundo o nobre acertou aquela coluna de madeira. O barulho causado pelo golpe tomou a atenção de todos que estavam lá, tanto plebeus quanto nobres voltaram sua atenção para o que tinha causado aquela comoção.
— Então? Está ouvindo melhor?
Pietro olhava nos olhos daquele homem com certo desdém. Aquilo era incômodo, mas não o irritava. Para ele, aquele rapaz era como uma criança: queria chamar atenção, precisava dela.
— Droga! Quem pisou no seu rabo para estar latindo tanto? — respondeu Pietro, ainda com desdém.
O homem esboçava uma cara de questionamento, não entendia o que ele tinha dito. Pensava em perguntar o que aquelas palavras queriam dizer, mas isso feria seu ego.
— Para um cachorro que late tanto, você tem um cérebro bem pequeno — continuo Pietro.
— Quem você está chamando de cachorro, seu verme insolente?
— Tem outro aqui, além de você?
O homem rangeu os dentes e gritou: — Você sabe quem eu sou? Seu puto! Com o meu poder, posso destruir você e sua família sem nem levantar um dedo.
Após citar a família, o garoto passou olhá-lo com raiva ao invés de desdém. Nenhuma ameaça, xingamento ou insultos poderia fazê-lo perder a compostura, exceto quando esses eram dirigidos a sua família.
— Posso saber qual a razão disso? Por que de tantas pessoas aqui presentes você veio encher logo a minha paciência?
Aquelas palavras fizeram o homem gargalhar, assim como alguns nobres e plebeus também. Todos já conheciam aquele homem, sabiam de sua fama e das coisas que ele fazia.
Entretanto, Pietro que tinha acabado de chegar a essa cidade, que não existia antes do cataclisma, não o conhecia. Muito menos se importava com uma criatura tão insignificante quanto ele. Mesmo assim, ele o importunava, consequentemente estragando sua imagem para os outros.
Franzindo as sobrancelhas o homem se aproximava dele. Após ficar bem perto, ele sussurrou no seu ouvido:
— Eu sou Lucas Ramas, segundo herdeiro desse famoso clã. Como um verme igual a você ousa me humilhar?
Falava aquelas palavras enquanto preparava um golpe para acertar o garoto. Era impossível para ele se defender daquele ataque a menos de um metro de distância, independente do seu nível de poder.
Ou era o que Lucas pensava. Acreditando nisso, desferiu impiedosamente um soco na barriga do garoto. Queria vê-lo de joelhos, humilhado, implorando por perdão. No entanto, não foi o que aconteceu.
O garoto que estava sendo oprimido tinha, recentemente, conseguido uma ótima habilidade. Essa que, para esse tipo de situação, era perfeita.
“[Mestre dos selos]”
Pietro tinha usado essa habilidade no momento em que aquele homem, para chamar atenção, golpeou a coluna de madeira. Naquele exato momento ele tocou o corpo dele, aplicando o selo, mas não o ativou.
Sabia que aquela situação não terminaria só com palavras, mesmo que torcesse por isso. Então, para prevenir lutas desnecessárias, tinha usado a habilidade. Mestre dos Selos tem vários efeitos e um deles, talvez seu principal, era o de selar os poderes daqueles afetados por ele.
Pietro tinha experimentado em primeira mão esse efeito da habilidade, e portanto, sabia muito bem que qualquer um iria se tornar um humano comum após usar ela. E era exatamente isso que ele queria, deixar aquele nobre pretensioso igual a um humano comum, sem poderes, para se livrar facilmente daquela situação.
Assim que sentiu a intenção assassina dele, ativou a habilidade. Cortando os efeitos do ataque que tinha preparado, fazendo aquele soco se tornar fraco demais para se preocupar. Com seu físico demoníaco, aquilo nem o incomodaria.
Todos que estavam assistindo ficaram esperando Pietro cair no chão, implorando misericórdia, principalmente Lucas. Entretanto, contrariando suas expectativas, ele apenas sorria olhando para aquele que o atacou, com desdém.
— Você é um cachorro que late muito, mas… — começou Pietro, no entanto, desapareceu antes de terminar.
O nobre pretensioso arregalou os olhos sem entender o que aconteceu. Porém, antes que pudesse cogitar o que tinha acontecido, estava de joelhos no chão. Alguma coisa o tinha derrubado, também sentia algo apertando sua garganta.
— É fraco demais — continuou.
O garoto estava segurando o nobre por uma corda que estava amarrada em seu pescoço e, também, pressionando-o contra o chão com sua perna. Os outros que assistiam estavam esboçando reação de surpresa, ninguém conseguia acreditar naquilo.
Um oficial que iria começar o alistamento estava chegando ao pátio quando viu aquela situação. De início não tinha se importado, pois pensava que era um nobre dando uma lição em algum plebeu. Por isso não achava que deveria se intrometer, pois assim como a Lua subia ao céu depois do Sol, Nobres devem sempre estar acima dos Plebeus.
Quando foi se aproximando, ouvia alguém falar:
— Não se preocupe. Você é fraco e prepotente, mas irei te treinar para que se torne um cachorro forte o suficiente para ser útil.